Segunda Turma permite importação direta de canabidiol para criança que sofre de epilepsia intratável

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso da União e permitiu, pela primeira vez, a importação direta de canabidiol (medicamento extraído da Cannabis sativa). O colegiado confirmou decisão da Justiça Federal que, além de permitir a importação direta, também proibiu a União de destruir, devolver ou impedir que o canabidiol importado chegue ao seu destino.

Segundo os autos, o pedido de autorização para importação foi feito por um casal de Pernambuco que tem uma filha com paralisia cerebral. A criança sofre de epilepsia intratável, tendo em média 240 crises epilépticas por mês. Diante da ineficácia dos tratamentos tradicionais, os médicos indicaram o canabidiol como terapia alternativa.

Como o medicamento não está disponível na rede pública ou privada, os pais resolveram importá-lo por conta própria. Diante da proibição da importação e comercialização em território brasileiro, a família ajuizou ação contra a União e contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para garantir o acesso à medicação por meio da importação direta.

Após o deferimento da tutela antecipatória, o pedido foi julgado procedente em primeira instância, decisão que foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).

Em recurso apresentado ao STJ, a União alegou que o acórdão do TRF5 teria se omitido na apreciação de dispositivos legais essenciais para resolução da controvérsia. Afirmou ainda que seria parte ilegítima para compor o polo passivo da demanda, uma vez que somente a Anvisa poderia autorizar a importação do medicamento.

Direito fundamental

Ao votar contra a pretensão da União, o relator, ministro Francisco Falcão, afirmou que não houve omissão, já que os dispositivos legais citados pela União se limitam a definir a finalidade institucional da Anvisa.

Segundo o ministro, a União pode figurar no polo passivo da ação, pois a controvérsia não trata de fornecimento de medicamento pelo poder público, mas de autorização de importação para garantir acesso ao produto.

“Não se mostra razoável a conclusão de que a garantia de acesso aos medicamentos, inclusive pelo meio de importação direta, deva ficar restrita ao ente público responsável pelo registro. Tal qual ocorre no caso em análise, por vezes, o acesso aos fármacos e insumos não é obstado por questões financeiras, mas sim por entraves burocráticos e administrativos que prejudicam a efetividade do direito fundamental à saúde”, explicou o ministro.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.  ART. 1.022 DO CPC⁄2015. SÚMULA N. 284⁄STF. DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER.  MENOR PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL GRAVE. USO DO CANABIDIOL (CBD). INDISPONIBILIDADE NA REDE PÚBLICA. IMPORTAÇÃO REALIZADA PELOS PAIS. OBSTÁCULO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. REGISTRO ANVISA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282⁄STF. INAPLICABILIDADE NO CASO.
I – A recorrente afirma, em linhas gerais, que o acórdão recorrido incorreu em omissão ao deixar de se pronunciar sobre questões invocadas nos declaratórios, sem desenvolver argumentos para demonstrar a suposta mácula. Incidência da Súmula n. 284⁄STF no tocante à apontada violação do art. 1.022 do CPC⁄2015.
II – Na origem, trata-se de ação ajuizada pelos pais de menor que sofre de paralisia cerebral com quadro grave, que após vários tratamentos infrutíferos, tiveram notícias sobre a utilização do canabidiol, associado ao tratamento para epilepsia, com melhora eficaz nos sintomas da doença.
III – Diante da indisponibilidade de tal medicamento na rede pública, os próprios pais providenciaram a importação, pugnando para que a União e Anvisa se abstivessem de “destruir, devolver ou de alguma outra forma fazer com que o canabidiol” não chegasse ao destino.
IV – Legitimidade passiva da União, diante do pedido específico relacionado à importação, e também em decorrência do  entendimento jurisprudencial firmado no sentido da responsabilidade solidária relativa às demandas que envolvam tratamento médico.
V – Ausência de prequestionamento quanto ao art. 19-T da Lei n. 8.080⁄90, sobre eventual necessidade de registro do medicamento na Anvisa.
VI – Apenas para argumentar, quanto à necessidade de registro na Anvisa, por não se tratar de fornecimento de medicamento, mas apenas de autorização para a importação, não se aplica o entendimento firmado no tema 106 deste Superior Tribunal de Justiça, decorrente do REsps. 1657156 e 1102457, julgados sob a sistemática de recursos repetitivos.
VI – Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1657075

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