A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou sentença para garantir que um réu, ainda incerto e não localizado, fosse obrigado tanto à reparação quanto à indenização por danos morais coletivos em razão do desmatamento de área protegida na Amazônia.
O Colegiado acompanhou, por unanimidade, o entendimento do relator, desembargador federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira. O magistrado votou pela fixação de danos morais coletivos no valor de R$126.347,40 por 235,24 hectares desmatados, além da já determinada obrigação de reparar o local.
Quem apelou ao TRF1 foi o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). A instituição recorreu depois que o juízo de primeiro grau determinou tão somente a obrigação de fazer do réu consistente em recompor a área degradada, cuja extensão foi apontada em laudo no âmbito do projeto Amazônia Protege.
O argumento utilizado na sentença foi o de que os danos morais coletivos decorrem de uma agressão gravíssima contra determinada comunidade, o que não teria sido demonstrado no caso.
No entanto, segundo o desembargador federal, é preciso considerar que o meio ambiente tem natureza difusa e está inserido entre os chamados direitos humanos de terceira geração. “Constitucionalmente está definido como de uso comum do povo, diverso dos bens que o integram, adquirindo, portanto, natureza própria. Nessa conformação, tendo a coletividade direito ao uso sustentável dos recursos naturais, é também dever de todos defendê-lo”, apontou o magistrado ao votar.
“Para ficar configurado o dano moral coletivo, dispensa-se a demonstração da dor e do sofrimento, bastando a prática de ato ilícito, que cause prejuízo à coletividade, passível de gerar a obrigação de indenizar, porque o meio ambiente é bem de uso comum de todos, garantido constitucionalmente (art. 5, incisos V e X), tendo toda a sociedade direito a um meio ambiente sadio e equilibrado”, concluiu.
Ação civil pública contra réu incerto e não localizado – Conforme é possível extrair do voto proferido pelo desembargador federal Jamil Rosa de Jesus, a condenação de réu incerto e não localizado (ainda) é possível em uma ação civil pública ambiental pela natureza objetiva e do tipo propter rem (“própria da coisa”) da responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais.¿
“A obrigação de reparar o meio ambiente acompanha a coisa, independentemente de quem quer que seja o efetivo causador do dano ambiental de modo que aquele que se encontra presente no imóvel ambiental, seja a título de propriedade, seja a título de posse, deve arcar com a reparação do dano, sob pena de a restituição ao¿status quo ante¿da área degradada ficar à mercê do sucesso ou do insucesso da localização do infrator ainda presente no imóvel degradado”, sublinhou, no voto, o relator.¿
Três princípios fundamentam esse tipo de ação, explicou ainda o desembargador federal Jamil Rosa de Jesus. ¿O princípio do poluidor-pagador, que prevê a reparação por aquele que causa degradação por sua atividade impactante; o princípio da obrigatoriedade da proteção ambiental, que dispõe sobre o dever irrenunciável do poder público de promover a proteção do meio ambiente, por sua natureza difusa, e, ainda, o princípio da precaução, que deve ser observado quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, não havendo falar em postergação de medidas eficazes e viáveis para precaver a degradação ambiental, nos termos já delimitados pelo Princípio 15 da Declaração do Rio (ECO/1992).
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. MEIO AMBIENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROJETO “AMAZÔNIA PROTEGE”. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL. DESMATAMENTO ILEGAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA PESSOA INCERTA E NÃO LOCALIZADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 623 DO STJ. POSSIBILIDADE. BEM DIFUSO. PREJUÍZO CAUSADO À COLETIVIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública ambiental movida pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA em face de pessoa incerta e não localizada, pela impossibilidade de se identificar, ainda, o proprietário da área ou o eventual autor a ser responsabilizado pelo dano ambiental.
2. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos dos autores, resolvendo o mérito na forma do art. 487, inciso I, do CPC, para condenar o réu à obrigação de fazer, consistente na recomposição da área degradada, identificada no laudo/demonstrativo de alteração na cobertura vegetal, mediante sua não utilização e seu cerceamento, para que seja propiciada a regeneração natural.
3. A responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais é de natureza objetiva e do tipo propter rem, isto é, adere-se à propriedade e possibilita a responsabilidade do atual proprietário ou possuidores anteriores por atos praticados por possuidores ou proprietários passados, conforme previsão expressa do art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012. Eis o teor da Súmula n. 623 do Superior Tribunal de Justiça: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
4. A obrigação de reparar o meio ambiente acompanha a coisa, independentemente de quem quer que seja o efetivo causador do dano ambiental, de modo que aquele que se encontra presentemente no imóvel, ou nele se encontrar futuramente, seja a título de propriedade, seja a título de posse, deve arcar com a reparação do dano ambiental, porque essa obrigação adere à coisa.
5. Considerando-se a natureza de bem difuso do meio ambiente, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça “quanto à possibilidade de condenação por danos morais coletivos sempre que constatada prática ilícita que viole valores e interesses fundamentais de uma coletividade” (REsp 1820000/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 17/09/2019, DJe 11/10/2019), bastando a prática de ato ilícito, que cause prejuízo à coletividade, passível de gerar a obrigação de indenizar.
6. Na fixação do quantum indenizatório para os danos morais coletivos, com base na razoabilidade e na proporcionalidade, deve ser levada em consideração a gravidade da infração ambiental, com sérios reflexos às florestas nativas. À míngua de critério legal, arbitra-se a indenização por danos morais no montante de 5% (cinco por cento) do valor por danos materiais. Fixação dos danos morais, na espécie, em R$ 126.347,40 (cento e vinte e seis mil, trezentos e quarenta e sete reais e quarenta centavos).
7. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que não cabe a condenação em honorários advocatícios do requerido em ação civil pública, quando inexistente má-fé, assim como ocorre com a parte autora, por força da norma contida no art. 18 da Lei n. 7.345/1985 (REsp n. 1.986.814/PR, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 18/10/2022).
8. Apelação provida.
Processo: 1005963-25.2020.4.01.4100