A empresa Renault do Brasil deve indenizar um motorista do Paraná por defeito de informação sobre o funcionamento do sistema de air bag do veículo Sénic, que não foi acionado por ocasião de acidente nas exatas circunstâncias descritas na publicidade.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a empresa não cumpriu a promessa constante da peça publicitária, que garantia a ativação do air bag na hipótese de o veículo colidir frontalmente, com forte desaceleração.
Segundo as informações disponibilizadas aos consumidores, o acionamento do sistema de air bag se daria sempre que houvesse risco de impacto do motorista com o volante, o que se verificaria, necessariamente, diante de forte e brusca desaceleração causada por colisão frontal.
A decisão ocorreu por maioria de votos na Turma. Os ministros Marco Aurélio Bellizze, João Otávio de Noronha e Paulo de Tarso Sanseverino, de um total de cinco ministros que compõem a Terceira Turma, entenderam que houve defeito de informação em relação ao funcionamento do item, o que justifica a indenização, decorrente da frustração da legítima expectativa gerada no íntimo do consumidor pela informação defeituosa.
Os ministros que ficaram vencidos no julgamento, Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro, entendiam que a causa de pedir na ação indenizatória estava restrita ao defeito de produto, e não propriamente ao defeito de informação, o que inviabilizava o pedido de indenização no STJ. Os ministros vencidos consideravam ainda que havia o óbice da Súmula 7 do tribunal, que impede reanálise de provas na instância superior.
Recurso
O juízo de primeira instância fixou indenização no valor de R$ 30 mil, mas o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou essa decisão sob o fundamento de que não havia nexo causal entre os alegados danos sofridos pelo motorista e uma eventual falha do equipamento.
O motorista recorreu ao STJ sustentando que, quando da compra do veículo, foi motivado pela propaganda segundo a qual a segurança ali não era item opcional. Ele sofreu diversas lesões na face em razão do acidente.
A Renault argumentou que o sistema de air bag funcionou exatamente como foi projetado para funcionar. O sistema – explicou – não é ativado em qualquer situação de colisão, mas apenas quando o cinto de segurança, diante da súbita desaceleração, não se mostra suficiente para proteger o motorista de eventual impacto contra o volante. Como não teria havido defeito de fabricação do item, a indenização seria incabível.
Expectativa frustrada
De acordo com o ministro Bellizze, é desnecessário investigar se houve defeito de fabricação, já que é dever do fornecedor reparar os danos morais por defeito de informação.
Segundo ele, o não acionamento do mecanismo em situação de acidente grave, em descompasso com a publicidade promovida pela empresa, frustrou, por si só, a legítima expectativa de segurança gerada no consumidor, com significativo abalo em sua ordem psíquica.
O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) reconhece a responsabilidade do fornecedor por defeito relacionado à segurança que se espera do produto nos casos em que a informação sobre sua utilização e riscos seja insuficiente ou inadequada.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. NÃO ACIONAMENTO DO SISTEMA DE AIR BAGS DE VEÍCULO ENVOLVIDO EM ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO, COM COLISÃO FRONTAL E SIGNIFICATIVA DESACELERAÇÃO. ABALO PSICOLÓGICO CONSISTENTE NO RISCO DE VIDA E NAS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS NÃO EVITADAS PELO REFERIDO SISTEMA DE SEGURANÇA, DISTANCIANDO-SE DA PUBLICIDADE VEICULADA, DE MODO A FRUSTRAR A LEGÍTIMA EXPECTATIVA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR POR DEFEITO DO PRODUTO, RELACIONADO COM A SEGURANÇA QUE DELE LEGITIMAMENTE SE ESPERA, SOB O VIÉS EXTRÍNSECO (DEFEITO DE INFORMAÇÃO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. A pretensão ressarcitória funda-se no não acionamento do sistema de air bag, a despeito de colisão brusca e frontal do veículo com a traseira de um caminhão, de modo a causar-lhe abalo psíquico, este consistente no risco de vida e nas possíveis consequências não evitadas pelo referido sistema de segurança, distanciando-se da publicidade veiculada, de modo a frustrar a legítima expectativa do consumidor, bem como danos estéticos sofridos pelo condutor no acidente.1.1. Portanto, integra a causa de pedir a responsabilidade do fornecedor por defeito do produto, relacionado com a segurança que dele legitimamente se espera, não apenas sob o aspecto intrínseco (defeito de produção), mas também, de modo expresso, sob o viés extrínseco (defeito de informação).2. Especificamente sobre o defeito de informação, ressai dos autos, conforme bem reconhecido na sentença, que, segundo as informações disponibilizadas aos consumidores, veiculadas em informe publicitário, devidamente acostado aos autos, o acionamento do sistema de air bag dar-se-ia sempre que houvesse risco de impacto do motorista ao volante, o que se verificaria, necessariamente, diante de forte e brusca desacelaração propiciada por colisão frontal.2.1. Assim veiculada a informação aos consumidores sobre o funcionamento do sistema de air bags, e, considerada a dinâmica do grave acidente em que o veículo dos demandantes restou envolvido (forte desaceleração, decorrente de colisão frontal, nos termos da sentença e do acórdão recorrido, ressalta-se), o não acionamento do referido mecanismo de segurança (em franco descompasso, repisa-se, com a publicidade ofertada) tem o condão de frustrar, por si, a legítima expectativa de segurança gerada no íntimo do consumidor, com significativo abalo de ordem psíquica. Nesse contexto, é de se reconhecer a presença dos requisitos necessários à responsabilização objetiva do fornecedor, indubitavelmente.3. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença de procedência.
Leia a íntegra do voto vencedor.