A causa impeditiva de prescrição ou decadência em favor dos incapazes, prevista no artigo 169, I, do Código Civil de 1916 e no artigo 198, I, do CC/2002 não pode ser estendida para beneficiar terceiros, mesmo que aqueles sejam interessados na demanda.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso para julgar improcedente, com base na decadência, um pedido de anulação de venda de imóvel ajuizado 15 anos após a celebração do negócio. Em primeira e segunda instância, o pedido foi acolhido com a justificativa de que, na época da propositura da ação, os filhos de um dos contratantes eram parte interessada na anulação e, por serem ainda incapazes, estavam protegidos pela não fluência do prazo de decadência.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, afirmou que a causa impeditiva de prescrição ou decadência em favor dos incapazes não pode ser aproveitada por terceiros. O intuito da proteção, segundo a magistrada, é a tutela dos direitos do menor incapaz, não alcançando terceiros inclusive nos casos em que há um direito em comum.
Proteção exclusiva
“Não cabe ao intérprete ampliar o seu espectro de incidência, a fim de abarcar terceiros a quem a lei não visou proteger. Em outras palavras, a suspensão do prazo prescricional ou decadencial prevista no artigo 169, I, do CC/16 aproveita exclusivamente ao absolutamente incapaz”, disse a ministra.
No caso analisado, o sócio de uma empresa buscou anular a venda de terreno feita pelo outro sócio a sua mulher, alegando simulação. O juízo de primeira instância julgou procedente a demanda, deixando de aplicar o prazo decadencial de quatro anos previsto no artigo 178, parágrafo 9º, do CC/16. O entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
Segundo o acórdão recorrido, os filhos eram beneficiários da anulação, já que parcela do patrimônio retornaria ao pai, e após liquidação seria partilhado novamente. Dessa forma, foi considerada a causa impeditiva da decadência, viabilizando a anulação da venda 15 anos após o negócio.
A não extensão da causa impeditiva de prescrição ou decadência a terceiros, segundo Nancy Andrighi, não significa prejuízo para os filhos menores de idade, já que estes podem pleitear a anulação do negócio quando forem capazes.
A ministra lembrou que a não fluência do prazo prescricional devido a causas suspensivas ou impeditivas só é admitida para resguardar interesses superiores à própria segurança jurídica, como a proteção de incapazes ou de indivíduos que estejam a serviço do país, por exemplo.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C⁄C PEDIDO DE DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. SIMULAÇÃO. CUMULAÇÃO SUBJETIVA DE AÇÕES. VIABILIDADE. AFINIDADE DE QUESTÃO POR PONTO COMUM DE FATO. ARTS. 46 E 292 DO CPC⁄73. AÇÃO ANULATÓRIA. DECADÊNCIA. CAUSA SUSPENSIVA EM FAVOR DO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. ARTIGO 169, I, DO CC⁄16. NÃO APROVEITAMENTO A TERCEIROS.1. Ação ajuizada em 07⁄08⁄2012. Recurso especial interposto em 27⁄06⁄2016. Autos distribuídos em 24⁄01⁄2017.2. Cuida-se de ação ajuizada por sócio com o fito de anular contrato de compra e venda de imóvel (pertencente à sociedade comercial), celebrado entre o outro sócio – já falecido – e sua esposa, em alegada simulação. Reconhecida esta, postula a devolução de parte dos alugueis recebidos pela mulher, além da dissolução e liquidação da sociedade, com o rateio do patrimônio desta, composto exclusivamente pelo bem imóvel em questão.3. Embora trate da matéria de forma assistemática, o Código de Processo Civil de 1973 – do mesmo modo que o CPC⁄2015 – admite a cumulação objetiva e subjetiva de ações, caracterizada esta última quando diversas demandas são exercitadas em face de diferentes sujeitos, formando-se um litisconsórcio em algum dos polos do processo.4. Viabiliza-se a cumulação subjetiva de demandas quando satisfeitos os requisitos do art. 292 do CPC⁄73 (compatibilidade entre as pretensões, unidade de competência e adequação do procedimento), combinado com alguma das situações previstas no art. 46.5. No particular, foram atendidos os requisitos do art. 292 do CPC⁄73, havendo, entre as demandas deduzidas, afinidade de questão por um ponto comum de fato a ser elucidado, qual seja, a prática da simulação, de modo a viabilizar a cumulação (art. 46, inc. IV).6. Na vigência do CC⁄1916, o direito de postular a anulação de negócio jurídico simulado submetia-se ao prazo decadencial de 4 (quatro) anos previsto no art. 178, § 9º, V, “b” (embora com equivocada referência à prescrição), contado a partir da data de sua celebração.7. Dada a imperiosa necessidade de imprimir estabilidade e segurança às relações jurídicas, a prescritibilidade é a regra no ordenamento jurídico pátrio, de modo que a não fluência do prazo prescricional (ou decadencial), devido a uma causa suspensiva ou impeditiva, apenas deve ser admitida nas estritas hipóteses legais, previstas para resguardar interesses superiores.8. A norma contida no art. 169, I, do CC⁄16, segundo a qual não corre a prescrição, tampouco a decadência, contra o absolutamente incapaz somente a este aproveita, não sendo extensível a terceiros que compartilhem do mesmo direito daquele.9. Na hipótese dos autos, o fato de a anulação do contrato de compra e venda também favorecer aos filhos do sócio falecido não justifica a suspensão do prazo decadencial em favor do autor, sendo impositivo o acolhimento da prejudicial de mérito.10. Recurso especial provido, para acolher a prejudicial de decadência e, consequentemente, julgar improcedentes os pedidos iniciais, com a inversão da sucumbência.
Leia o acórdão.