Provas em ação penal originária não se dirigem exclusivamente ao relator

Na hipótese de ação penal originária em órgão colegiado, a prova não é dirigida exclusivamente ao relator, mas ao colegiado. Por isso, cabe ao colegiado, e não só ao relator, determinar os atos instrutórios da ação, como a quebra de sigilo fiscal e bancário.

Esse foi o entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar habeas corpus em que o impetrante pretendia a anulação de decisão do órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que deferiu a quebra do sigilo bancário e fiscal de um réu acusado de associação criminosa, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e concussão.

Para a defesa, houve supressão de instância, pois a competência para determinar as provas seria do relator, juiz da instrução, e não do colegiado. No caso analisado, a denúncia foi recebida pelo órgão especial do TJSP em razão de um dos corréus ser promotor de Justiça.

A defesa alegou também que o colegiado extrapolou sua jurisdição, pois mesmo sendo incompetente para presidir a instrução em caráter originário, decidiu de forma contrária ao relator e conheceu da matéria mesmo sem ter havido interposição de agravo regimental pelo Ministério Público contra o indeferimento da medida, o que teria violado a privacidade e a intimidade do paciente.

Instância única

Em seu voto, o ministro relator do habeas corpus, Reynaldo Soares da Fonseca, não acolheu as alegações da defesa. Para ele, “de fato, o julgador é o destinatário final da prova e, na hipótese de ação penal originária, a prova não é dirigida, exclusivamente, ao relator, mas sim ao colegiado, que entendeu, no caso, pela necessidade das medidas”.

Segundo o ministro, não houve supressão de instância, pois, de acordo com o regimento interno do TJSP, o órgão especial era competente para o julgamento, “sendo os atos instrutórios delegados ao relator, com o objetivo de celeridade”.

“De plano, não há falar em supressão de instância, uma vez que o TJSP, na hipótese dos autos, é instância única, quer se trate de decisão monocrática, quer se trate de decisão colegiada”, concluiu.

Precedente

O ministro também destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou o entendimento de que os atos praticados em processos originários não são exclusividade do relator ou de órgão fracionário responsável pela análise dos autos.

“O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 143.333, noticiado no informativo 897/STF, admitiu a remessa dos autos ao plenário para julgamento, considerando não se tratar de violação ao princípio do juízo natural nem do devido processo legal, por ser o plenário do Supremo Tribunal Federal o órgão naturalmente competente para julgar todas as causas da corte, havendo essa divisão em turmas apenas para se conseguir manter uma funcionalidade”, ressaltou.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEBRA DO SIGILO FISCAL E BANCÁRIO. COMPETÊNCIA DO RELATOR. JUIZ DA INSTRUÇÃO. DECISÃO COLEGIADA. ALEGAÇÃO DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. INSTÂNCIA ÚNICA. 2. DESTINATÁRIO DA PROVA. ÓRGÃO JULGADOR. MAIOR LEGITIMIDADE. 3. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. FINALIDADE DA NORMA ATINGIDA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 4. ORDEM DENEGADA.
1. Pretende o impetrante, em síntese, anular a decisão do Órgão Especial do TJSP, que deferiu o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, por entender que houve supressão de instância, em virtude de a competência para determinar provas ser do Relator, uma vez que este é o juiz da instrução. De plano, não há se falar em supressão de instância, uma vez que o TJSP, na hipótese dos autos, é instância única, quer se trate de decisão monocrática, quer se trate de decisão colegiada. Ademais, o órgão competente, segundo o Regimento Interno, é Órgão Especial do TJSP, sendo os atos instrutórios delegados ao Relator, com o objetivo de celeridade.
2. A decisão instrutória monocrática se encontra dentro da legalidade assim como a decisão colegiada, a qual revela, ademais, maior legitimidade, por ser proferida por todos os integrantes do órgão competente para o julgamento de mérito da Ação Penal. De fato, o julgador é o destinatário final da prova e, na hipótese de ação penal originária, a prova não é dirigida, exclusivamente, ao relator, mas sim ao colegiado, que entendeu, no caso, pela necessidade das medidas.
3. Não há se falar em violação ao devido processo legal, porquanto devidamente atingida a finalidade da norma, conferindo, outrossim, maior legitimidade ao pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal.
Não se pode descurar que “admitir a nulidade sem nenhum critério de avaliação, mas apenas por simples presunção de ofensa aos princípios constitucionais, é permitir o uso do devido processo legal como mero artifício ou manobra de defesa e não como aplicação do justo a cada caso, distanciando-se o direito do seu ideal, qual seja, a aplicação da justiça” (HC 117.952/PB, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 27/05/2010, DJe 28/06/2010).
4. Ordem denegada.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 437033

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