Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a proibição genérica do consumo de álcool, imposta pelo juízo da execução penal como condição especial para o cumprimento da pena em regime aberto, deve levar em consideração as circunstâncias específicas do crime e a situação individual do reeducando, não sendo suficiente o argumento de que a medida busca preservar sua saúde ou prevenir futuros delitos.
O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao dar parcial provimento a uma reclamação e, nos termos de decisão anterior proferida pelo STJ em habeas corpus (HC 751.948), ordenar que o juízo da execução revise a determinação – fundamentando-a ou eliminando-a – de proibir a ingestão de bebida alcoólica, estabelecida a um condenado por roubo como condição para o cumprimento da pena em regime aberto.
Em decisão aplicável a todas as pessoas que cumprissem pena em regime aberto na comarca de Guaxupé (MG), o juízo da execução, entre outras medidas, havia proibido o consumo de qualquer tipo de bebida alcóolica.
Após a decisão do STJ no HC 751.948, determinando ao juízo que fundamentasse de forma individualizada eventuais condições especiais de cumprimento da pena, a vara de execuções penais manteve a proibição de ingestão de álcool, citando razões como o comportamento do reeducando no curso da execução penal e problemas de saúde enfrentados por ele.
Não há impedimento para consumo moderado de álcool na folga ou em casa
O relator da reclamação, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ponderou que, de fato, o apenado não deve ingerir álcool durante o horário de trabalho ou antes de dirigir – conduta que, inclusive, é tipificada como crime pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
“No entanto, não parece, a princípio, irrazoável que o executado, estando dentro de sua residência, no período noturno ou em dias de folga, venha a ingerir algum tipo de bebida alcóolica (uma cerveja, por exemplo), cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde”, concluiu o ministro ao determinar que o juízo revise a condição especial de cumprimento da pena, devendo observar a situação individual do apenado.
O recurso ficou assim ementado:
RECLAMAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DAS CONDIÇÕES DE CUMPRIMENTO DE PENA NO REGIME ABERTO PELO JUÍZO EXECUTÓRIO. DETERMINAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS, DE MANEIRA FUNDAMENTADA E INDIVIDUALIZADA, EM ORDEM EMANADA DESTA CORTE NO HC N. 751.948/MG. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO. REEDIÇÃO DE CONDIÇÕES GERAIS, SEM A OBSERVÂNCIA DE PONDERAÇÕES EFETUADAS NO JULGADO APONTADO COMO DESCUMPRIDO. PONDERAÇÕES EFETUADAS A TÍTULO DE OBTER DICTUM QUE NÃO INTEGRAM O COMANDO FINAL POSTO NO HC E, PORTANTO, NÃO AUTORIZAM O AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO. REEDIÇÃO DE UMA CONDIÇÃO ESPECIAL – RELATIVA À PROIBIÇÃO DE INGESTÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS – SEM AMPARO EM FUNDAMENTAÇÃO ATRELADA À SITUAÇÃO INDIVIDUAL DO REEDCUANDO. DESCUMPRIMENTO EVIDENCIADO, NO PONTO. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE.
1 – Situação em que, no julgamento do Habeas Corpus n. 751.948/MG, foi concedida a ordem d e ofício, por esta Corte, a fim de cassar o acórdão impugnado e a decisão do Juízo de Execução Penal de Guaxupé (MG), na parte em que aplicou condições, além das legais, para o cumprimento do regime aberto ao paciente, sem prejuízo de que fosse proferida nova decisão, estabelecendo condições especiais ao apenado, desde que de forma fundamentada e individualizada.
O reclamante, por meio da Defensoria Pública, aponta descumprimento da ordem emanada desta Corte, especificamente em relação às regras de n. 2 (recolhimento durante o período noturno, domingos, feriados e horários em que não houver trabalho), 3 (permissão para deixar a residência somente para o trabalho), 5 (proibição de frequentar bares, boates, botequins, casa de prostituição ou lugares semelhantes) e 6 (proibição de ingerir bebida alcoólica de qualquer espécie).
2 – Se o julgado apontado como descumprido afirmou, expressamente, que “a criação de regra que destoe das condições gerais e obrigatórias previstas nos incisos do art. 115 da LEP pressupõe, necessariamente, seja a imposição acompanhada de fundamentação que justifique adequadamente a adequação da restrição imposta ao executado à sua situação concreta”, a contrario sensu, pode-se depreender que a reprodução e/ou o detalhamento do espírito das condições gerais e obrigatórias dispensa fundamentação específica.
Tendo o julgado emanado desta Corte reconhecido que as condições de n.s 2, 3 e 5 impostas pelo Juízo de Execução correspondiam apenas a detalhamento das condições gerais descritas nos incisos I a IV do art. 115 da LEP, por óbvio não há como se reconhecer descumprimento em sua reedição, já que as condições gerais não demandam fundamentação específica.
3 – Ponderações efetuadas, no julgado desta Corte, a título de obiter dictum, sinalizando a existência de situações excepcionais nas quais o descumprimento da condição geral estabelecida pelo Juízo de Execução poderia ser admitido – por exemplo, deixar a residência para ir a hospital em virtude de problema de saúde – não correspondem a comando determinando ao Juízo de 1º grau que altere ou modifique condição geral de cumprimento de pena no regime aberto por ele estabelecida. De consequência, a ausência de manifestação do magistrado singular sobre referidas ponderações não configura descumprimento desafiador de reclamação.
4 – A proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres, diferentemente do que pretende fazer crer a Defensoria Pública, não constitui uma imposição derivada de preconcepções da magistrada de 1º grau. Dita vedação está prevista expressamente no § 1º, III, do art. 124 da LEP, nas condições da saída temporária. Isso sem contar que, ao estabelecer as condições para o cumprimento do livramento condicional, o § 2º, alínea “c”, do art. 132 da LEP também permite que seja imposta ao liberado condicional a obrigação de “não frequentar determinados lugares”.
5 – Já a condição especial que veda ao apenado ingerir bebidas alcoólicas de qualquer espécie (n. 6), com base na justificativa genérica de que a proibição visaria à manutenção da saúde mental do reeducando ou à prevenção do cometimento de novo delito, não atende ao comando da decisão emanada desta Corte, pois deixou de vincular a regra às circunstâncias concretas relacionadas ao(s) delito(s) pelo(s) qual(is) o executado cumpre pena e/ou ao comportamento do reeducando no curso da execução penal, ou até mesmo a problemas de saúde específicos de que sabidamente padeça e que justifiquem a contraindicação da ingestão de bebidas alcoólicas.
6 – Não se nega que o apenado não deve ingerir álcool durante o trabalho ou antes de conduzir veículo automotor, neste último caso, sob pena de incorrer no delito descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, não parece, a princípio, irrazoável que o executado, estando dentro de sua residência, no período noturno ou em dias de folga, venha a ingerir algum tipo de bebida alcóolica (como uma cerveja, por exemplo), cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde.
7 – Reclamação julgada procedente, em parte, para determinar que o Juízo de Execução Penal da Comarca de Guaxupé/MG dê cumprimento ao comando emanado desta Corte no Habeas Corpus n. 751.948/MG, revisando a condição especial referente à proibição de ingestão de bebida alcoólica, imposta para o cumprimento de pena no regime aberto, seja eliminando-a, seja apresentando fundamentação para sua manutenção relacionada à situação concreta do ora reclamante.