A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o procurador-geral de Justiça adjunto tem legitimidade para opor embargos de declaração contra acórdão que julgou apelação interposta por outro procurador. No julgamento, o colegiado ressaltou que as questões relativas às atribuições dos membros do Ministério Público (MP) devem ser dirimidas pelo próprio órgão, e não pelo Judiciário.
Os ministros determinaram que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) julgue os embargos de declaração opostos pelo procurador-geral adjunto, após a corte haver considerado que essa autoridade não teria legitimidade para recorrer, uma vez que não atuou no processo anteriormente.
No recurso submetido ao STJ, o MP estadual afirmou que não há dúvidas quanto à competência funcional do procurador-geral de Justiça – chefe da instituição – ou do procurador-geral adjunto – seu substituto – para exercerem atribuições previstas em lei, seja como parte ou custos legis (fiscal da lei). Para o recorrente, a parte embargante não era o procurador-geral adjunto, mas a própria instituição do MP.
Membros do MP podem substituir um ao outro
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) preceitua, em seu artigo 1º, como princípios institucionais, a unidade, a indivisibilidade e a independência.
O primeiro princípio, explicou, comporta a ideia de que os membros do MP integram um só órgão sob a direção de um só chefe, enquanto a indivisibilidade “significa que, observados os preceitos legais, um membro do Ministério Público poderá substituir outro quando tal se fizer necessário”.
Segundo o magistrado, a Lei 8.625/1993 distingue dois grupos de atribuições dos procuradores de Justiça: o primeiro, residual, relativo a tudo o que não seja atribuição do chefe da instituição na atuação perante os tribunais; e o segundo grupo, de atribuições supletivas, se refere às delegadas pelo procurador-geral de Justiça.
“A atuação supletiva dos procuradores de Justiça não impede que o próprio procurador-geral ou o procurador-geral adjunto exerçam alguma das atribuições que são delegadas. Pela teoria dos poderes implícitos e por dedução argumentativa, se o procurador-geral delega a atuação, nada impede que possa exercê-la”, afirmou.
Divisão interna de atribuições do MP é questão do próprio órgão
Na avaliação do ministro, o TJRN se imiscuiu em matéria que não lhe era permitida – questões de cunho institucional atinentes ao MP –, e o próprio Colégio de Procuradores de Justiça, que participa das medidas adotadas no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça e as aprova, não se manifestou sobre eventual afronta a princípios institucionais ou arbitrariedade na conduta do procurador-geral adjunto.
“A divisão interna de atribuições no âmbito do Ministério Público é questão que a ele compete. Não pode o Poder Judiciário imiscuir-se em tal seara, sob pena de ofensa à autonomia funcional da instituição, prevista nos artigos 127, parágrafo 2º, e 128, parágrafo 5º, da Constituição Federal”, declarou o relator.
Se houvesse divergência entre os membros do MP estadual – finalizou Schietti –, tal conflito de atribuições deveria ser dirimido pelo respectivo procurador-geral, como previsto no artigo 10, X, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PELO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA ADJUNTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE RECURSAL PREVISTA NA LEI ORGÂNICA ESTADUAL DO MP. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
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Na estrutura dialética do processo penal brasileiro, o Ministério Público desempenha suas funções orientado por princípios constitucionais expressos, entre os quais se destacam o da unidade e o da indivisibilidade, que engendram a atuação, em nome da mesma instituição, de diversos de seus membros, sem que isso importe em fragmentação do órgão, porquanto é a instituição, presentada por seus membros, que pratica o ato.
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Em capítulo destinado à organização do Ministério Público, a Lei n. 8.625/1993, ao tratar dos órgãos de execução do Ministério Público junto à segunda instância, referiu-se ao Procurador-Geral de Justiça e aos Procuradores de Justiça (art. 7º). Segundo o disposto no art. 10 da Lei n. 8.625/1993, “Compete ao Procurador-Geral de Justiça: I – exercer a chefia do Ministério Público, representando-o judicial e extrajudicialmente; […] XIV – exercer outras atribuições previstas em lei”. Em relação ao chefe do Ministério Público, verifica-se que o art. 29 da citada lei elencou suas atribuições. Já no que concerne aos Procuradores de Justiça, previu o art. 31 o seguinte: “Cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais, desde que não cometidas ao Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por delegação deste”.
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É possível distinguir as atribuições dos Procuradores de Justiça em dois grupos: 1) residuais, relativas a tudo o que não seja atribuição do chefe da instituição na atuação perante os tribunais; e 2) supletivas, quando se tratar de atribuições que sejam delegadas pelo Procurador-Geral de Justiça. Relativamente a esse último grupo, a própria Resolução n. 344/2014 do MPRN, em seu art. 1º, confere a possibilidade de atuação, por delegação, dos Procuradores de Justiça em processos judiciais de natureza cível e criminal, na condição de fiscal da lei, em qualquer juízo ou tribunal, com todas as prerrogativas do Ministério Público.
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Especificamente no que tange à atuação supletiva, previu a Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (Lei Complementar estadual n. 141/1996) que cabe ao Procurador de Justiça a ciência, pessoalmente e com exclusividade, dos acórdãos proferidos nos feitos em que tenha oficiado (art. 38, III).
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A atuação supletiva dos Procuradores de Justiça não impede que o próprio Procurador-Geral ou o Procurador-Geral Adjunto exerçam alguma das atribuições que são delegadas. Deveras, pela teoria dos poderes implícitos e por dedução argumentativa, se o Procurador-Geral delega a atuação, nada impede que possa exercê-la.
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A intimação dos atos processuais tem por objetivo dar conhecimento ao interessado sobre o ato praticado, permitindo-lhe, eventualmente, a ele reagir, em autêntica expressão procedimental do princípio do contraditório, o qual se efetiva no plano concreto com a participação das partes no desenvolvimento do processo e na formação das decisões judiciais. No caso do Ministério Público, a intimação, com o início da contagem do prazo para impugnar decisão judicial, efetiva-se com a entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado, conforme entendimento consolidado em recurso repetitivo (REsp n. 1.349.935/SE, Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 14/9/2017).
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Na espécie, o procedimento relativo ao registro e à distribuição de processos encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça está previsto no art. 2º da Resolução n. 344/2014 do MPRN, de onde se verifica que a intimação deve ser dirigida à Secretaria Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, e não a um determinado procurador específico, como, equivocadamente, afirmou o acórdão recorrido.
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Se o próprio Colégio de Procuradores de Justiça, que participa das medidas adotadas no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça e as aprova, não se manifestou sobre eventual afronta a princípios institucionais ou arbitrariedade na conduta do Procurador-Geral de Justiça Adjunto, o Tribunal de origem se imiscuiu em uma matéria que não lhe era permitida (questões de cunho institucional atinentes ao Ministério Público). A divisão interna de atribuições no âmbito do Ministério Público é questão que a ele compete. Não pode o Poder Judiciário imiscuir-se em tal seara, sob pena de ofensa à autonomia funcional da instituição, prevista nos arts. 127, § 2º, e 128, § 5º, da CF.
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Se divergência houvesse entre os membros do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, esse conflito de atribuições deveria ser dirimido pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça, conforme o previsto no art. 10, X, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
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Equivocou-se a Corte estadual ao negar conhecimento aos embargos de declaração, quando devolveu o prazo para que a 3ª Procuradoria de Justiça, que oficiara no feito na condição de custos juris, tomasse ciência do acórdão da apelação. Isso porque a intimação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte foi plenamente satisfeita e houve atuação diligente do órgão ministerial.
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Das matérias controvertidas, somente a relacionada ao não conhecimento dos embargos de declaração é que será objeto de análise nesta oportunidade; assim, devem ser afastadas de exame aquelas relacionadas à absolvição dos recorridos, as quais dependerão da direção que será dada ao julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão da apelação. Com a devolução dos autos à origem, caberá à Corte estadual avaliar os argumentos externados pelo Parquet nos aclaratórios e examinar se deve subsistir ou não a absolvição dos réus.
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Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, a fim de que prossiga no julgamento dos embargos de declaração regularmente opostos pelo Ministério Público estadual ao acórdão da apelação (ED na Apelação Criminal n. 2014.023416-1/0001.00)
Leia o acórdão no REsp 1.594.250.