O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) anulou uma sentença e determinou o retorno do processo ao juízo de primeira instância para que seja feita perícia judicial em ação que envolve a análise de abertura de via pública em área de preservação permanente no Balneário Sereia do Mar, localizado no município de Arroio do Sal (RS). A decisão foi proferida por unanimidade pela 4ª Turma em 26/4. O colegiado considerou que, no caso, somente com a produção de prova pericial é que “se poderá formar juízo de certeza quanto aos danos ambientais perpetrados na área”.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em agosto de 2019. Segundo o MPF, o proprietário de um terreno, localizado no Balneário Sereia do Mar, obteve licença ambiental da prefeitura para realizar a abertura de via pública, com extensão de 60 metros, para servir de acesso ao imóvel. O órgão ministerial afirmou que a intervenção foi feita em área de preservação permanente, com vegetação fixadora de dunas, e que ocorreu degradação ambiental no local.
Em junho de 2020, o juízo da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa (RS) condenou o proprietário a realizar o desfazimento completo da intervenção e a remoção dos entulhos, além de elaborar e executar Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) “com vistas à restauração integral do meio ambiente afetado ao nível mais próximo do seu estágio natural”.
A sentença ordenou ao município de Arroio do Sal “a fiscalização da área em questão, adotando as providências administrativas cabíveis (autuação, interdição, embargo) a fim de evitar quaisquer formas de ocupação ou outras intervenções no local”. A decisão ainda determinou que o proprietário e o município pagassem R$ 5 mil cada um a título de indenizações por danos ambientais materiais irrecuperáveis e por danos extrapatrimoniais.
Os réus recorreram ao TRF4. O proprietário sustentou que não cometeu ato ilícito, pois adquiriu o imóvel por meio de leilão ofertado pelo Poder Judiciário estadual, acrescentando que o licenciamento ambiental foi efetivado pela prefeitura.
Já o município requereu a reforma da sentença alegando cerceamento de defesa em razão da falta de perícia no processo e argumentando não haver estudo constatando “a existência de vegetação fixadora de duna ou restinga no local”.
A 4ª Turma deu provimento parcial ao recurso do município, anulando a sentença e determinando o retorno do processo ao juízo de origem para produção de prova pericial.
“O cerceamento de defesa no caso resta evidenciado pela ausência de perícia judicial, somente por meio de prova técnica elaborada por profissionais equidistantes das partes é que se poderá formar juízo de certeza quanto aos danos ambientais perpetrados na área em litígio. Assim, a prova pericial se torna essencial para a elucidação das questões suscitadas pelo município, o que leva anulação da sentença”, destacou o relator, desembargador Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DANO AMBIENTAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. DÚVIDA SOBRE O REAL E EFETIVO LOCAL DA DEGRADAÇÃO EM APP. COMPLEXIDADE DA CAUSA. NECESSIDADE DE PROVA TÉCNICA. VERIFICADA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA COM REFLEXOS EM BENS DE TERCEIROS QUE NÃO PARTICIPARAM DA LIDE. ASSISTENTES SIMPLES. APELAÇÃO DE TERCEIRO PREJUDICADO. POSSIBILIDADE. IMPRESCINDÍVEL A OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ART. 5º, LIV, DA CF/88.
- O CERCEAMENTO DE DEFESA NO CASO RESTA EVIDENCIADO PELA AUSÊNCIA DE PERÍCIA JUDICIAL, SOMENTE POR MEIO DE PROVA TÉCNICA ELABORADA POR PROFISSIONAIS EQUIDISTANTES DAS PARTES, HABILITADOS AO MÚNUS É QUE SE PODERÁ FORMAR JUÍZO DE CERTEZA QUANTO AOS DANOS AMBIENTAIS PERPETRADOS NA ÁREA EM LITÍGIO. ASSIM, A PROVA PERICIAL SE TORNA ESSENCIAL PARA A ELUCIDAÇÃO DAS QUESTÕES SUSCITADAS PELO MUNICÍPIO E ASSISTENTES SIMPLES, O QUE LEVA ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
- PENDENTE CAUSA ENTRE 2 (DUAS) OU MAIS PESSOAS, O TERCEIRO JURIDICAMENTE INTERESSADO EM QUE A SENTENÇA SEJA FAVORÁVEL A UMA DELAS PODERÁ INTERVIR NO PROCESSO PARA ASSISTI-LA, CONFORME PREVÊ O ARTIGO 119 DO CPC. NA HIPÓTESE, TENHO QUE OS REFLEXOS DA SENTENÇA PROFERIDA NA DEMANDA ATINGIU A ESFERA JURÍDICA DE QUEM NÃO PARTICIPOU DA AÇÃO, PORTANTO, DEMONSTRADO O SEU INTERESSE JURÍDICO PARA ENSEJAR A ASSISTÊNCIA.
- CONSOANTE O ART. 996 DO CADERNO PROCESSUAL CIVIL, O RECURSO DE TERCEIRO PREJUDICADO ESTÁ CONDICIONADO À DEMONSTRAÇÃO DE MANIFESTO PREJUÍZO JURÍDICO COM A DECISÃO JUDICIAL E NÃO ECONÔMICO, EXIGINDO NEXO DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O INTERESSE DO TERCEIRO E A RELAÇÃO JURÍDICA SUBMETIDA À APRECIAÇÃO JUDICIAL (REFLEXOS DA SENTENÇA), OCORRENTE NO PRESENTE CASO, EVIDENCIADO, POIS, SUA LEGITIMIDADE PARA RECORRER.
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A NULIDADE DA SENTENÇA SE IMPÕE, UMA VEZ QUE O DIREITO DE OUTRAS PESSOAS NÃO ENVOLVIDAS OU NÃO PARTICIPANTES NA LIDE FOI AFETADO PELO DECRETO CONDENATÓRIO, SIGNIFICANDO AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, ISTO PORQUE NINGUÉM SERÁ PRIVADO DE SEUS BENS SEM OBSERVAR O CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA (AMPLA INSTRUÇÃO PROCESSUAL), CONSOANTE O COMANDO DO ART. 5º, LIV, DA CARTA MAGNA.
Em seu voto, ele ressaltou que “para uma prestação jurisdicional eficiente e segura, no caso, torna-se imprescindível a prova pericial para afastar dúvidas”.