A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.149), definiu que não é obrigatório o registro de professores, instrutores, técnicos ou treinadores de tênis no Conselho Regional de Educação Física (CREF), nem há exclusividade dos profissionais de educação física para o desempenho de tais funções.
Com a fixação da tese, poderão voltar a tramitar os processos que, por tratarem da mesma matéria, estavam suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.
O ministro Herman Benjamin, relator do recurso repetitivo, observou que o artigo 1º da Lei 9.696/1998 define que profissionais com registro regular no respectivo conselho regional poderão atuar na atividade de educação física. Contudo, segundo o magistrado, não existe previsão legal que obrigue a inscrição de técnico ou treinador de tênis nos conselhos ou que estabeleça exclusividade para o desempenho de tal função aos profissionais diplomados na área.
O relator destacou que o artigo 3º da lei apenas elenca, de forma ampla e abstrata, as atividades executáveis pelos profissionais de educação física, não restringindo a atuação de outros trabalhadores em qualquer atividade correlata ao desporto ou a atividades físicas.
Instrutor de tênis se limita a difundir técnicas e estratégias do esporte
O ministro ressaltou que o instrutor de tênis não ministra rotina alguma para a preparação ou o condicionamento físico de quem pratica esse esporte, restringindo-se suas atividades a coordenar e alterar a estratégia nas partidas, dar orientações durante os jogos e ensinar fundamentos básicos, jogadas, técnicas e regras do tênis.
O magistrado explicou que a simples caracterização de algo como desporto não legitima a fiscalização e a regulação dos profissionais que o exercem pelo CREF. “É pacífica a impossibilidade de a lei estabelecer limitações injustificadas, excessivas ou arbitrárias, para que não seja dificultado o acesso com restrições exclusivamente corporativas do mercado de trabalho”, afirmou.
Segundo Herman Benjamin, “interpretar a Lei 9.696/1998 entendendo que o exercício da profissão de instrutor de tênis de campo é prerrogativa exclusiva dos profissionais que têm o diploma de educação física e o respectivo registro no CREF ultrapassa os limites da norma que pode ser extraída do texto dos artigos 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal (CF).
Constituição consagra o princípio do livre exercício de profissão
De acordo com o ministro, a CF adotou o princípio da ampla liberdade para o exercício de qualquer trabalho, e, assim, a liberdade individual só pode ser afetada por meio de lei. Além disso, o relator lembrou que a administração pública só pode aplicar o que a lei determina.
“As classificações, feitas por normas infralegais, que elencam o técnico de desporto individual ou coletivo como subcategoria do gênero profissional de educação física são irrelevantes para obrigar a inscrição perante conselhos profissionais, em evidente limitação à liberdade profissional”, disse.
Ao negar provimento ao recurso especial do Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região, o relator indicou ainda que a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que se dispensa o registro no CREF para técnico, instrutor ou treinador de tênis quando tais atividades se voltam apenas às técnicas e estratégias do esporte.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSTRUTOR DE TÊNIS. INSCRIÇÃO DESNECESSÁRIA. PRECEDENTES DO STJ. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 2º E 3º DA LEI 9.696⁄1998.HISTÓRICO DA DEMANDA1. Cuida-se, na origem de Mandado de Segurança impetrado por jogador de tênis contra ato atribuído ao Presidente do Conselho Regional de Educação Física de São Paulo (CREF4⁄SP), com o fim de obter provimento jurisdicional que lhe assegure o exercício da profissão de treinador de tênis de campo independentemente de registro na entidade de classe.2. O impetrante, em sua petição inicial, alegou, em síntese, que a atividade não é privativa de profissional de Educação Física, haja vista que se circunscreve ao treinamento, instrução e elaboração de táticas de jogo, todas relacionadas ao trabalho de treinador. A segurança foi concedida, e a Apelação não foi provida.DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA3. O Tema 1.149⁄STJ visa: “Definir, à luz dos arts. 2º, III, e 3º da Lei 9.696⁄1998, se os professores, instrutores, técnicos ou treinadores de tênis devem ser inscritos no conselho profissional da classe dos profissionais de educação física.”4. A controvérsia pressupõe decidir se é obrigatório o registro dos professores, instrutores, técnicos ou treinadores de tênis no Conselho Regional de Educação Física e se há exclusividade do desempenho de tal função por profissionais da Educação Física.INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUE DETERMINE A OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO DOS TÉCNICOS DE TÊNIS NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA.5. O art. 1º da Lei 9.696⁄1998 define que profissionais com registro regular no respectivo Conselho Regional poderão atuar na atividade de Educação Física e receber a designação de “Profissional de Educação Física”.6. Contudo, não existe previsão legal que obrigue a inscrição de técnico ou treinador de tênis nos Conselhos de Educação Física ou estabeleça exclusividade do desempenho de tal função aos profissionais diplomados na Lei 9.696⁄1998.7. Os arts. 2º e 3º da Lei 9.696⁄1998 somente reforçam a obrigatoriedade de os graduados em Educação física, para exercerem as atividades próprias de tal graduação, estarem inscritos no Conselho Regional de Educação Física, sujeitando-se assim à fiscalização da entidade.8. O art. 3º da Lei 9.696⁄1998, por sua vez, apenas elenca, de forma ampla, genérica e abstrata, as atividades, atribuições e competências executáveis pelos profissionais de educação física. Não estatui quem são os profissionais que devem se inscrever, tampouco restringiu a atuação de outras categorias de trabalhadores de toda e qualquer atividade correlata ao desporto ou a atividades físicas.9. Tanto é assim que os clubes e academias onde se praticam diversos esportes, a exemplo do tênis, têm profissionais de várias disciplinas, como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fisiologistas, nutricionistas, preparadores físicos, etc., os quais são registrados nas respectivas autarquias de controle do exercício de profissão regulada por lei.A ATIVIDADE DOS INSTRUTORES E TÉCNICOSDE TÊNIS LIMITA-SE A DIFUNDIR ASTÉCNICAS E ESTRATÉGIAS DO ESPORTE10. O instrutor de tênis de campo coordena e altera a estratégia durante as partidas, além de dar orientações durante os jogos e intervalos, de modo a assegurar o melhor resultado. Ademais, ensina aos interessados nesse esporte seus fundamentos básicos, jogadas, técnicas e regras, com o objetivo de assegurar conhecimentos táticos e técnicos específicos e suficientes para a prática do tênis.11. O profissional não ministra qualquer rotina para a preparação ou condicionamento físico de quem pratica o tênis. Pelo menos não há na petição inicial nenhuma afirmação em tal sentido, e esse não é o objetivo para o qual impetrado o writ.12. A simples caracterização de algo como desporto não legitima a fiscalização e a regulação dos profissionais que o exercem pelo CREF. Tanto que é notória a existência de outros esportes (inclusive olímpicos) que não se valem majoritariamente de atividades físicas na sua execução, como hipismo, tiro esportivo, golfe, xadrez, bilhar, entre outros.13. É pacífico o entendimento no sentido da impossibilidade de a lei estabelecer limitações injustificadas, excessivas ou arbitrárias para que, assim, não seja dificultado o acesso com restrições exclusivamente corporativas do mercado de trabalho.A CF⁄1988 CONSAGRA O PRINCÍPIO DO LIVREEXERCÍCIO DE PROFISSÃO, QUE SOMENTE PODE SER LIMITADO POR LEI, O QUE INEXISTE NO CASO DOS AUTOS14. Interpretar a Lei 9.696⁄1998, entendendo que o exercício da profissão de treinador ou instrutor de tênis de campo é prerrogativa exclusiva dos profissionais que têm o diploma de Educação Física e o respectivo registro no Conselho Regional de Educação Física, ultrapassa os limites da norma que pode ser extraída do texto dos arts. 5.º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição da República.15. A leitura do referido dispositivo evidencia que a CF adotou o princípio da ampla liberdade quanto à escolha do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Por isso, a liberdade individual só pode ser afetada por meio de lei, recordando-se, ademais, que a Constituição positivou o princípio da legalidade, no art. 5º, II, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.16. Além disso, não se olvida que, no âmbito da Administração Pública, ela só poderá aplicar o que a lei determina, de modo que os administrados somente podem ser obrigados a fazer ou deixar de fazer algo caso lei adequada assim o determine.17. As normas restritivas de direitos ou sancionatórias, especialmente quando em relação a direitos fundamentais, devem ser interpretadas restritivamente. Portanto, inequívoco que a pretensão da parte recorrente não possui respaldo na Lei 9.696⁄1998.18. Finalmente observo que alegadas classificações – feitas por normas infralegais que catalogam o técnico de desporto individual ou coletivo como subcategoria do gênero profissional de educação física – são irrelevantes para obrigar a inscrição perante Conselhos Profissionais, em evidente limitação à liberdade profissional. Não só porque o escopo de tais atos normativos secundários destina-se ao cumprimento das obrigações com finalidades diversas, como previdenciárias e trabalhistas, não podendo, destarte, fundamentar a pretensão de exigir inscrição no Conselho, mas principalmente porque normas infralegais expedidas pelo Poder Executivo e, mesmo Legislativo, não substituem a necessidade de Lei em sentido formal.A JURISPRUDÊNCIA DO STJ É PACÍFICA QUANTOÀ INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DOREGISTRO DE TÉCNICOS E INSTRUTORESNO CONSELHO DE EDUCAÇÃO FÍSICA19. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à inexistência de obrigatoriedade de registro no Conselho Profissional de Educação Física do técnico, instrutor ou treinador de tênis quando tais atividades se voltam apenas às técnicas e estratégias do esporte. Nessa linha: AgInt no AREsp 1.963.679⁄SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 31.3.2022; AgInt no AREsp 1.943.602⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.2.2022; AgInt no AREsp 1.945.448⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.2.2022; AgInt no AREsp 1.887.346⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 19.11.2021; AgInt no REsp 1.954.286⁄SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 19.11.2021; AgInt no AREsp 1.921.558⁄SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 12.11.2021; AgInt no AREsp 1.535.150⁄CE, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 20.5.2020; AgInt no AREsp 1.176.148⁄SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 16.10.2018; AgRg no REsp 1.513.396⁄SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.8.2015.20. No mesmo sentido dos precedentes acima referidos já decidiu o STJ em casos relativos ao tênis de mesa e squash: AgInt no AREsp 1.928.220⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 15.3.2022; AgInt no AREsp 1.945.549⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 17.12.2021; AgInt no AREsp 1.388.277⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28.6.2019; AgInt no AREsp 1.222.766⁄SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 3.10.2019; AgInt no AREsp 1.388.440⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 28.3.2019; AgInt no AREsp 958.427⁄SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 14.2.2018; AgInt no AREsp 904.218⁄SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 28.6.2016.21. Confiram-se também os precedentes concernentes a diversas outras modalidades esportivas cuja inscrição dos respectivos profissionais no Conselho de Educação Física não é determinada pela Lei 9.696⁄1998: AgInt no AREsp 2.018.033⁄DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 8.6.2022; AgInt no AREsp 1.622.469⁄RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 31.5.2022; AgInt no AREsp 1.928.203⁄RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 16.2.2022; AgInt no REsp 1.880.660⁄PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 6.4.2021; AgInt no REsp 1.767.702⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 21.8.2020; AgInt no AREsp 1.541.601⁄SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 27.4.,2020; AgInt no REsp 1.762.503⁄SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 18.10.2019; AgInt no AREsp 1.385.154⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 15.3.2019; AgInt no AREsp 1.339.011⁄MA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 22.11.2018; AgInt no REsp 1.726.955⁄SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 27.11.2018; AgInt no AREsp 1.241.612⁄SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 14.8.2018; AgInt no AREsp 1.210.609⁄SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 27.6.2018; AgInt no AREsp 1.158.811⁄PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 19.4.2018; AgInt no REsp 1.602.901⁄RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 9.10.2017.; AgRg no REsp 1.551.746⁄RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 22.11.2016; AgRg no REsp 1.562.666⁄RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16.5.2016; AgRg no REsp 1.541.312⁄RS, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, DJe de 31.3.2016; AgRg no REsp 1.520.395⁄SP, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, DJe de 31.3.2016; AgRg no AREsp 700.269⁄SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 2.9.2015; AgRg no AREsp 702.306⁄SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 1.7.2015; REsp 1.383.795⁄SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 9.12.2013.DEFINIÇÃO DA TESE REPETITIVA22. Para o fim preconizado no art. 1.039 do CPC⁄2015, firma-se a seguinte tese repetitiva para o Tema 1.149⁄STJ: “A Lei 9.969⁄1998 não prevê a obrigatoriedade de inscrição de técnico ou treinador de tênis nos Conselhos de Educação Física, nem estabelece a exclusividade do desempenho de tal função aos profissionais regulamentados pela referida norma, quando as atividades desenvolvidas pelo técnico ou treinador de tênis restrinjam-se às táticas do esporte em si e não se confundam com preparação física, limitando-se à transmissão de conhecimentos de domínio comum decorrentes de sua própria experiência em relação ao referido desporto, o que torna dispensável a graduação específica em Educação Física”.SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO23. O aresto recorrido negou provimento à Apelação interposta da sentença que concedera a ordem para assegurar à parte impetrante o livre exercício da profissão de técnico de tênis sem o registro perante o Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região – CREF4⁄SP. A Corte de origem, pelas razões expendidas neste Voto, deu a correta solução ao caso.CONCLUSÃO24. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC⁄2015.
Leia o acórdão no REsp 1.959.824.