Primeira Seção define critérios de validade de sentença homologatória trabalhista como prova em ação previdenciária

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que a sentença trabalhista homologatória de acordo somente será considerada início válido de prova material, para os fins do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, quando estiver baseada em elementos probatórios contemporâneos aos fatos alegados, aptos a evidenciar o exercício da atividade laboral, o trabalho desempenhado e o respectivo período que se pretende ter reconhecido em ação previdenciária.

A tese foi fixada por maioria de votos em pedido de uniformização de interpretação de lei (Puil) apresentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). Segundo a autarquia, a TNU admitiu como início de prova material anotação em carteira de trabalho decorrente de sentença trabalhista baseada exclusivamente em prova oral, sem a apresentação de qualquer outro documento da função que a parte alega ter exercido.

No voto que prevaleceu no colegiado, a ministra Assusete Magalhães lembrou que, nos termos do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, a comprovação do tempo de serviço para os efeitos legais, inclusive por meio de justificação administrativa ou judicial, só produz efeito quando baseada em indício de prova material contemporânea dos fatos, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, exceto na hipótese de caso fortuito ou força maior.

Segundo a ministra, os colegiados de direito público do STJ possuem jurisprudência no sentido de que, não havendo instrução probatória ou exame de mérito da demanda trabalhista – os quais poderiam demonstrar a atividade profissional desempenhada e o período correspondente –, não haverá início válido de prova material.

“Nessas hipóteses, a sentença trabalhista meramente homologatória do acordo não constitui início válido de prova material, apto à comprovação do tempo de serviço, na forma do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, uma vez que, na prática, equivale à homologação de declaração das partes, reduzida a termo”, completou a magistrada.

Anotações em carteira profissional possuem valor probatório relativo

Ainda de acordo com Assusete Magalhães, a jurisprudência do STJ considera que, embora não seja exigível que o documento apresentado como início de prova material abarque todo o período discutido no processo, é indispensável a contemporaneidade entre o documento e os fatos alegados – devendo, portanto, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado, em conjunto com prova testemunhal robusta e idônea.

A ministra também destacou entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho de que o valor probatório das anotações em carteira profissional de empregado não é absoluto, tendo os registros presunção relativa de veracidade.

“Ainda que fosse possível admitir a sentença trabalhista meramente homologatória de acordo como início de prova material, na forma exigida pelo artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991 – mesmo desacompanhada ela de outros elementos probatórios do tempo de serviço, inclusive de início de prova material –, persistiria o óbice da ausência de contemporaneidade, porquanto a sentença, em regra, é posterior ao período que o segurado pretende comprovar, na ação previdenciária”, enfatizou.

No caso concreto analisado pelo colegiado, Assusete Magalhães apontou que a TNU, ao manter pensão com base em sentença trabalhista meramente homologatória de acordo, divergiu do entendimento definido pela seção. Como consequência, o colegiado determinou a devolução dos autos à TNU para a reanálise do caso com base na tese fixada.

O recurso ficou assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, DIRIGIDO AO STJ. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. ART. 14, § 4º, DA LEI 10.259⁄2001. PENSÃO POR MORTE. SENTENÇA TRABALHISTA MERAMENTE HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213⁄91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA DOS FATOS ALEGADOS. NECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ. TESE JURÍDICA FIRMADA. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI ACOLHIDO.
I. Trata-se de Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, fundamentado no art. 14, § 4º, da Lei 10.259⁄2001, apresentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em face de acórdão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, no qual se discute a validade da sentença trabalhista, meramente homologatória de acordo, como início de prova material, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91.
II. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da Primeira e da Segunda Turmas, é firme no sentido de que “a sentença trabalhista somente será admitida como início de prova material caso ela tenha sido fundada em outros elementos de prova que evidenciem o labor exercido na função e no período alegado pelo Segurado. (…) Nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄1991, a comprovação do tempo de serviço, para os efeitos dessa lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, só produzirá efeito quando baseada em indício de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito” (STJ, AgInt no AREsp 1.078.726⁄PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 01⁄10⁄2020). Em igual sentido: “A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária. Na espécie, ao que se tem dos autos, a sentença trabalhista está fundada apenas nos depoimentos das partes, motivo pelo qual não se revela possível a sua consideração como início de prova material para fins de reconhecimento da qualidade de segurado do instituidor do benefício e, por conseguinte, como direito da parte autora à pensão por morte” (STJ, AgInt no AREsp 1.405.520⁄SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12⁄11⁄2019). Adotando igual orientação: “Ação Trabalhista. Homologação de acordo. Necessidade de início de prova material. (…) O uso de sentença trabalhista homologatória de acordo como início de prova material somente é aceito por este Superior Tribunal quando referida decisão estiver fundamentada em elementos de prova” (STJ, AgInt no REsp 1.411.870⁄PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11⁄09⁄2017); “Pensão por morte. Art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213⁄1991. Sentença homologatória de acordo trabalhista. Inexistência, no caso, de elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida. Ausência de outra prova material. A sentença homologatória de acordo trabalhista é admitida como início de prova material para fins previdenciários, mesmo que o INSS não tenha participado da lide laboral, desde que contenha elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador, o que não ocorreu no caso dos autos” (STJ, AgInt no AREsp 529.963⁄RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28⁄02⁄2019). Outros precedentes, inter plures: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.917.056⁄SP, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF⁄5ª Região), PRIMEIRA TURMA, DJe de 25⁄05⁄2022; RCD no AREsp 886.650⁄SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 25⁄05⁄2016; EREsp 616.242⁄RN, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, DJU de 24⁄10⁄2005.
III. O entendimento firmado no STJ está fundamentado na circunstância de que, não havendo instrução probatória, com início de prova material, tampouco exame de mérito da demanda trabalhista – a demonstrar, efetivamente, o exercício da atividade laboral, apontando o trabalho desempenhado, no período correspondente –, não haverá início válido de prova material, apto à comprovação de tempo de serviço, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91.
IV. A Súmula 149⁄STJ dispõe que “a prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
V. O art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91 – que estabelece norma especial, com regramento específico para a prova do tempo de serviço no RGPS – teve a sua constitucionalidade reconhecida pelo STF: “A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213⁄91, o tempo de serviço há de ser relevado mediante início de prova documental, não sendo admitida, exceto ante motivo de força maior ou caso fortuito, a exclusivamente testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos do artigo 5º, incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal” (STF, RE 226.772-4⁄SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, SEGUNDA TURMA, DJU de 06⁄10⁄2000).
VI. O § 3º do art. 55 da Lei 8.213⁄91 – que exige início de prova material para comprovação do tempo de serviço, não admitindo, para tal fim, a prova exclusivamente testemunhal, “exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento” – teve a sua redação alterada pela Lei 13.846⁄2019, que acrescentou a exigência de início de prova material contemporânea dos fatos.
VII. A jurisprudência desta Corte, embora não exija que o documento apresentado como início de prova material abranja todo o lapso controvertido, considera indispensável a sua contemporaneidade com os fatos alegados, devendo, assim, corresponder, pelo menos, a uma fração do período alegado, corroborado por idônea e robusta prova testemunhal, que amplie sua eficácia probatória. Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.562.302⁄AM, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04⁄06⁄2020; AREsp 1.550.603⁄PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11⁄10⁄2019; REsp 1.768.801⁄PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 16⁄11⁄2018.
VIII. Em regra, a sentença trabalhista homologatória de acordo não é, por si só, contemporânea dos fatos que provariam o tempo de serviço, referindo-se ela a fatos pretéritos, anteriores à sua prolação, e, nessa medida, não atende ao art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91, que exige início de prova material contemporânea dos fatos, e não posterior a eles.
IX. Tese jurídica firmada: “A sentença trabalhista homologatória de acordo somente será considerada início válido de prova material, para os fins do art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91, quando fundada em elementos probatórios contemporâneos dos fatos alegados, aptos a evidenciar o exercício da atividade laboral, o trabalho desempenhado e o respectivo período que se pretende ter reconhecido, em ação previdenciária.”
X. Caso concreto em que a Turma Nacional de Uniformização, ao manter o reconhecimento do direito à pensão por morte, com fundamento, ao que se infere dos autos, em sentença trabalhista meramente homologatória de acordo, divergiu da tese e do entendimento ora firmados. Nesse contexto, devem os autos retornar à origem, para que se prossiga na análise do pedido da parte autora, à luz da tese ora firmada, mesmo porque não consta do processo a sentença trabalhista homologatória de acordo, não se podendo afirmar, com certeza, que nela não se produziu “início de prova material contemporânea dos fatos” alegados, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213⁄91.
XI. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei acolhido, devendo os autos retornar à origem, para que se prossiga na análise do pedido da parte autora, à luz da tese ora firmada.

Leia o acórdão no PUIL 293.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): PUIL 293

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