Prestação de contas em atraso somente configura improbidade administrativa quando houver má-fé do agente

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que a prestação de contas em atraso só configura ato de improbidade administrativa quando na conduta do agente houver a comprovação de dolo ou má-fé. O Colegiado suspendeu a sentença que condenou por improbidade administrativa um prefeito que demorou a prestar contas da construção de uma unidade de saúde no Pará, realizada com recursos do Ministério da Saúde.

A denúncia contra o prefeito havia sido feita pelo Ministério Público Federal (MPF) e a sentença proferida pela 1ª Vara Federal do Pará. A União e o prefeito recorreram da decisão com apelações. A União alegou que a obra não havia sido concluída no prazo previsto e que não houve a prestação de contas do convênio firmado com o Ministério da Saúde (MS). Portanto, o prefeito deveria ressarcir os valores recebidos, pois cometeu ato de improbidade administrativa.

Já o prefeito sustentou que as contas foram prestadas corretamente e que não houve violação aos princípios da administração pública, nem ato de improbidade administrativa.

Ao julgar os recursos, o relator, juiz federal convocado Marllon Sousa, afirmou que o prefeito apresentou no processo documentação que comprova a prestação de contas do convênio. Ficou constatado em parecer que a unidade de saúde objeto do convênio estava com 100% da sua estrutura total construída, 95,7% da obra foi executada conforme o projeto aprovado, restando 4,3% da obra em desacordo com o projeto.

Para o relator, como o prefeito não ofendeu os princípios da administração pública, “com desonestidade e intenção de causar dano ao erário e de obter vantagem indevida, não pode ser punido pelo seu despreparo ou inabilidade”.

Por fim, considerou que “o atraso na apresentação da prestação de contas pelo ex-gestor ocorreu em lapso de tempo razoável, ainda mais se considerar o atraso do repasse da verba para o início da obra, o que consequentemente gerou atraso na entrega da mesma e, por óbvio, na apresentação da prestação de contas”.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, VI, DA LEI 8.429/92. RECURSOS PÚBLICOS REPASSADOS PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. EX-PREFEITO. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. PRELIMINAR AFASTADA. PRESTAÇÃO DE CONTAS TARDIA. MERAS IRREGULARIDADES FORMAIS. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA.

1. Caracteriza improbidade administrativa toda ação ou omissão dolosa praticada por agente público ou por quem concorra para tal prática, ou ainda dela se beneficie, qualificada pela deslealdade, desonestidade ou má-fé, que acarrete enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10), ou afronte os princípios da Administração Pública (art. 11).

2. A improbidade administrativa não pode ser confundida com mera ilegalidade do ato ou inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé (REsp 827445/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 08/03/2010).

3. Não há falar em ilegitimidade ad causam da União, vez que se trata de recursos federais repassados pelo Ministério da Saúde à municipalidade para a construção de Unidade de Saúde.

4. A prestação tardia das contas não é circunstância suficiente para caracterizar o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992, eis que trata de mera irregularidade, decorrente de inabilidade técnica.

5. O requerido não agiu com vontade livre e consciente de ofender princípios da administração pública. Não se pode punir o gestor público despreparado, inábil, mas apenas o desonesto, que tenha a intenção de causar dano ao erário, obter vantagem indevida, o que não é o caso dos autos.

6. Verifica-se no caderno processual, a existência de documentos aptos a embasar a afirmação de que não houve omissão no tocante à prestação de contas relativas aos repasses realizados pelo Ministério da Saúde ao ente municipal, mas, tão somente, que as contas foram extemporaneamente prestadas.

7. Os equívocos que não comprometem a moralidade ou que não atinjam o erário não se enquadram no raio de abrangência do art. 11, caso contrário restaria para o administrador público o risco constante de que qualquer ato que viesse a ser considerado nulo fosse ímprobo, e não é esta a finalidade da lei.

8. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional, a prestação de contas em atraso só configura ato de improbidade administrativa quando verificada a existência do elemento subjetivo na conduta do agente, consubstanciado no dolo, ou na existência de má-fé, circunstâncias não ocorridas na espécie.

9. Não se verifica no caso indícios de atos de improbidade administrativa, notadamente, porque o entendimento jurisprudencial desta Corte Regional trafega no sentido de que a existência de meras irregularidades formais na apresentação das contas não configura ato ímprobo, razão pela qual merece ser reformada a sentença guerreada, em face da inocorrência de dolo ou má-fé do agente.

10. Não há falar em condenação do requerido em honorários advocatícios, vez que o entendimento do STJ é no sentido da aplicação do princípio da simetria aos réus nas ações civis públicas, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/1985, que prevê condenação em honorários sucumbenciais na hipótese de comprovada má-fé.

11. Sentença a qua reformada. Apelação da União não provida. Apelação da parte requerida provida para absolvê-la e conceder a gratuidade da justiça.

A 3ª Turma do TRF1, por unanimidade, negou provimento à apelação da União e deu provimento ao recurso do prefeito.

Processo: 0000207-56.2009.4.01.3900

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