Prazo prescricional para trabalhador exposto a pesticida sem proteção começa a contar da data em que tomou conhecimento de possível contaminação

Um agente de saúde pública da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) teve reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) o direito a indenização por dano moral, por ter trabalhado na manipulação de pesticida do tipo Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) sem o fornecimento de equipamento de proteção individual e sem treinamento.

A sentença obtida anteriormente pelo autor da ação havia declarado a prescrição de seu direito em pedir indenização, ao fundamento de que o termo inicial para contagem do prazo é a data em que servidor foi redistribuído para o Ministério da Saúde (MS), tendo deixado de ter contato com o pesticida, sendo de 5 anos, conforme previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.

Inconformado, o apelante argumentou que só soube da possível contaminação por intermédio dos meios de comunicação e, por isso, não se poderia considerar a data de redistribuição para o MS. Pediu também para que, após anulada a sentença que reconheceu a prescrição, o processo fosse julgado pelo tribunal, em vez de retornar para a primeira instância, conforme autoriza o art. 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil (CPC).

O apelante também informou que manuseou os inseticidas sem EPI e treinamento, contrariando o Manual de Controle de Vetores, tendo como consequência vários problemas de saúde e incômodos físicos, e buscou indenização decorrente desta atividade.

Contato com o pesticida – Na relatoria do processo, o desembargador federal Daniel Paes Ribeiro primeiramente verificou que a Funasa, no processo, informou que o servidor ocupava o cargo de Agente de Saúde Pública (Guardas de Endemias) na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), posteriormente incorporada pela fundação. No cargo, conforme o documento, ficou comprovado que ele trabalhava na aplicação de pesticidas.

Prosseguindo na análise do recurso, Paes Ribeiro destacou que “está pacificado na jurisprudência pátria o entendimento de que nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição à substância tóxica”.

Embora o apelante não tenha comprovado o que alegou em relação a possíveis patologias adquiridas, a indenização por dano moral é devida pelo simples conhecimento de que teve contato com o pesticida, “sendo irrelevante que, aparentemente não tenha sido desenvolvida nenhuma doença relacionada ao manuseio da substância tóxica”, conforme a jurisprudência do TRF1, acrescentou o relator.

Concluindo, o magistrado votou no sentido de reconhecer o direito do autor de receber, da União e da Funasa, indenização por dano moral no valor de R$ 3.000,00 por ano de contato com o pesticida, além de determinar aos entes públicos o pagamento dos honorários sucumbenciais e recursais.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (FUNASA) E UNIÃO. EXPOSIÇÃO AO DICLORO-DIFENIL-TRICLOROETANO (DDT) SEM O FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO NÃO ACOLHIDA. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. PRELIMINAR QUE SE REJEITA. CONFIRMADA A MANIPULAÇÃO DE PESTICIDAS. INFORMAÇÃO TRAZIDA AOS AUTOS PELA FUNASA. SENTENÇA ANULADA. APLICAÇÃO DO ART. 1.013, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC). APELAÇÃO PROVIDA. ACOLHIDO O PEDIDO INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA.

1. No que diz respeito à prescrição, e conforme entendimento deste Tribunal, “afigura-se cabível, na espécie, a aplicação do princípio da actio nata, eis que o prazo prescricional somente tem início com a ciência da contaminação” (AC n. 0010160-49.2006.4.01.3900/PA, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, e-DJF1 de 11.11.2015, p. 649).

2. Acerca do tema está pacificado na jurisprudência pátria o entendimento de que nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição à substância tóxica, afastando-se, inclusive, como marco inicial, a vigência da Lei n. 11.936/2009, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico (REsp n. 1.809.204/DF, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 10/02/2021, sob o regime dos recursos repetitivos, DJe 24/02/2021).

3. Ademais, também é certo que, se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância (REsp n. 1.684.797/RO, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 11/10/2017).

4. Anula-se a sentença, de ofício, e, conforme autoriza o art. 1.013, § 4º, do CPC, passa-se ao mérito do recurso.

5. É possível constatar que o servidor foi redistribuído para o Ministério da Saúde com a edição da Portaria n. 1.659, de 29/06/2010, como admitido pela própria União e confirmado pelos comprovantes de rendimento trazidos à lide, o que justifica a presença do ente público na relação processual.

6. Não há dúvidas, portanto, de que a Funasa e a União têm legitimidade passiva para responder por eventual condenação decorrente do manuseio da substância tóxica sem as devidas precauções. A responsabilidade da União deve respeitar o período compreendido entre a redistribuição do postulante para o Ministério da Saúde e a aposentadoria iniciada a partir da publicação da Portaria n. 1.649 no Diário Oficial da União de 31/08/2011.

7. O postulante busca ser indenizado por manipular substâncias tóxicas sem o fornecimento de EPI e de treinamento, situação que, de acordo com os argumentos apresentados, coloca em risco sua higidez física.

8. No entanto, embora faça menção a inúmeros incômodos decorrentes de prováveis patologias adquiridas ao longo dos anos em que lidou com o DDT e com os demais pesticidas referidos, não trouxe, por si mesmo, prova do alegado, tais como atestados médicos, ou documentos similares, aptos a comprovar a assertiva.

9. Ocorre que há declaração fornecida pela própria Funasa confirmando que o demandante ocupava o cargo de Agente de Saúde Pública, inicialmente junto à Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), que foi incorporada pela aludida Fundação, sendo certo que desenvolvia atividades diretamente relacionadas à aplicação de pesticidas, tal como discriminado no quadro descritivo que ilustra a informação trazida aos autos.

10. A sentença merece ser reformada para reconhecer ao apelante o direito à reparação do dano moral na proporção de R$ 3.000,00 (três mil reais), por ano de contato com o pesticida, montante a ser apurado na fase de liquidação de sentença (AC n. 1005957-86.2017.4.01.3400, Relator Desembargador Federal Souza Prudente, PJe 13/05/2022), sendo irrelevante que, aparentemente não tenha sido desenvolvida nenhuma doença relacionada ao manuseio da substância tóxica (AC n. 0053614-75.2016.4.01.3400, Relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, PJe 13/05/2022 e AC n. 0010356-63.2013.4.01.4000, Desembargador Federal Souza Prudente, PJe 09/07/2021).

11. Relativamente à forma de fixação dos juros de mora e da correção monetária, matéria de ordem pública, e de acordo com o julgamento proferido, sob o rito do recurso repetitivo, no REsp n. 1.492.221/PR, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 20.03.2018, os juros de mora, na espécie, correspondem aos seguintes encargos: até dezembro/2002, juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; à taxa Selic, no período posterior à vigência do Código Civil de 2002 e anterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, vedada a acumulação com qualquer outro índice; no período posterior à vigência da Lei n. 11.960/2009, os juros de mora calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e a correção com base no IPCA-E.

12. A incidência dos juros de mora deve ser feita em consonância com os ditames da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça, a partir do evento danoso.

13. A correção monetária deverá incidir a partir da data do arbitramento.

14. Apelação provida para julgar procedente o pedido indenizatório formulado contra a Funasa e a União e reconhecer ao autor o direito à reparação do dano moral decorrente do contato com o pesticida sem proteção e treinamento, observada a proporcionalidade do tempo de prestação de serviço nos respectivos órgãos..

15. Condena-se cada uma das rés ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.

16. Arcarão, também, com o pagamento de honorários advocatícios recursais fixados em R$ 400,00 (quatrocentos reais) em relação a cada uma das apeladas, como determina o art. 85, § 11, do CPC.

17. Sem custas a restituir. O demandante litigou sob o pálio da justiça gratuita.

O colegiado, por unanimidade, reformou a sentença, nos termos do voto.

Processo: 0002380-58.2015.4.01.3313

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