Uma das novidades trazidas pela Reforma (Lei 13.467/2017) ao Processo do Trabalho foi que as partes agora podem optar pela jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial. Foi regulamentada entre os artigos 855-B e 855-E da CLT. Ou seja, anteriormente à Reforma Trabalhista, apenas se admitiam a realização de acordos para solução de conflitos nas ações trabalhistas em curso. A partir da alteração da legislação, as partes podem requerer ao juízo a homologação de um acordo negociado extrajudicialmente.
Para que seja cabível a homologação do acordo extrajudicial em juízo devem ser observados alguns requisitos especiais: a petição conjunta deve estar subscrita pelas partes requerentes, as quais devem estar representadas por advogados diferentes. Isso indica que o legislador buscou preservar a vontade livre e desembaraçada do trabalhador.
Contudo, não há obrigatoriedade de que a Justiça do Trabalho homologue todo e qualquer acordo extrajudicial firmado entre empregados e empregadores, se este não estiver dentro de parâmetros que o juiz considere razoáveis e isentos da possibilidade de fraude.
Nessa NJ Especial veremos como tem decidido a Justiça do Trabalho mineira a esse respeito, especialmente no que tange aos efeitos e alcance da transação extrajudicial. Acompanhe três interessantes casos julgados e suas esclarecedoras decisões:
JT mineira deixa de homologar acordo extrajudicial que conferia eficácia liberatória a todas as obrigações do contrato
Após a dispensa do trabalhador, empregado e empregador apresentaram um acordo por eles celebrado. Informaram que ele se deu em razão da controvérsia existente acerca do pagamento de horas extras e diferenças de verbas rescisórias. E assim, visando a prevenir eventual conflito, ajustaram um pagamento em duas parcelas, discriminando que eram de diferenças de horas extras, férias proporcionais, vencidas e indenizadas, salário proporcional e indenizado, aviso prévio e PLR.
Levado o termo de ajuste à homologação judicial pela 4ª Vara do Trabalho de Betim, o juiz Henrique Macedo de Oliveira deixou de homologar o acordo extrajudicial, extinguindo o procedimento de jurisdição voluntária. Como explicou o julgador, além dos requisitos formais previstos na CLT, as nuances do acordo extrajudicial devem ser analisadas sob a ótica do direito comum (artigo 8º, §1º, da CLT), em razão da parca sistematização do instituto na CLT. Especialmente sob as luzes do Código Civil, o qual não só dispõe sobre os elementos de validade do negócio jurídico, como também trata dos efeitos e alcances da transação. “Nesse sentido, além de não ter validade o acordo entabulado em estado de perigo ou em contextos inequivocamente lesivos, conforme artigos 156 e 157 do Código Civil, é igualmente incabível a homologação de acordo quando o magistrado verifica que as partes envolvidas não pactuaram concessões mútuas ao estabelecerem os termos da avença – o que, aliás, é da própria essência da transação, conforme artigo 840 do mesmo diploma legal. A inobservância de tais parâmetros indica a violação do dever geral de boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil), especialmente porque terminam por sujeitar uma das partes (o trabalhador, via de regra, em razão de sua histórica hipossuficiência) à vontade e ao arbítrio de outra (o empregador) – situação vedada pelo artigo 122 do Código Civil” – explanou.
Analisando os termos do acordo, o julgador considerou que o valor ajustado era efetivamente compatível com o tempo de contrato de trabalho e com as parcelas discriminadas (diferenças de horas extras e parcelas rescisórias). Porém, no seu sentir, especificamente quanto aos efeitos do ato homologatório, o instituto não se harmoniza com a eficácia liberatória geral com relação a todas as obrigações do contrato, conforme pretendido pelas partes.
“Conclusão diversa implicaria em renúncia pura e simples ao direito constitucional de ação (artigo 7º, XXXV, da CRFB), o que não ocorreria, por óbvio, se já houvesse demanda ajuizada e na qual, presume-se, o obreiro já teria tido a oportunidade de deduzir as pretensões referentes ao período de vigência do contrato de trabalho” – expôs o magistrado, concluindo que, para que o ajuste pudesse surtir os efeitos visados, seria imprescindível que as partes tivessem ressaltado que a decisão homologatória alcançaria apenas as pretensões explicitamente indicadas no termo da conciliação, de modo que permanecesse viva a possibilidade de o trabalhador ingressar em Juízo para requerer eventuais outros direitos que entendesse ainda possuir.
(0012161-73.2017.5.03.0087 – sentença em 18/12/2017)
TRT mineiro confirma: acordo extrajudicial somente pode dar quitação pelas parcelas e valores nele consignados.
Nesse mesmo processo acima, o trabalhador recorreu ao TRT mineiro, insistindo na homologação do acordo. Alegou que não sofreria qualquer prejuízo, já que não havia outras pretensões, além daquelas já especificadas na petição de acordo. Para a empregadora, a fundamentação adotada pelo juízo sentenciante era incompatível com a previsão legal (artigo 855-B da CLT, incluído pela Reforma Trabalhista), que não estabelece qualquer restrição aos efeitos liberatórios do acordo.
Mas os argumentos não convenceram a desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, que relatou o recurso na 1ª Turma do TRT mineiro, votando por confirmar a decisão recorrida. Como pontuou, a ação foi proposta após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, aplicando-se a ela as disposições do capítulo III-A da CLT. Porém, conforme ponderou a julgadora, apesar das disposições dos artigos 855-B e seguintes da CLT, a homologação do acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo das partes à homologação, conforme entendimento já sedimentado por meio da Súmula 418/TST:
“MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO À HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 217/2017 – DEJT divulgado em 20, 24 e 25.04.2017) – A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança.”.
Nesse sentido, ela citou também o Enunciado n. 110 da II Jornada de Direito Material e Processual do trabalho da Anamatra: JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. RECUSA À HOMOLOGAÇÃO. O JUIZ PODE RECUSAR A HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO, NOS TERMOS PROPOSTOS, EM DECISÃO FUNDAMENTADA.
Acerca dos requisitos para homologação do acordo extrajudicial, foi citado o enunciado n. 123, também editado na II Jornada de Direito Material e Processual do trabalho: HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL I – A FACULDADE PREVISTA NO CAPÍTULO III-A DO TITULO X DA CLT NÃO ALCANÇA AS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. II – O ACORDO EXTRAJUDICIAL SÓ SERÁ HOMOLOGADO EM JUÍZO SE ESTIVEREM PRESENTES, EM CONCRETO, OS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 840 A 850 DO CÓDIGO CIVIL PARA A TRANSAÇÃO; III – NÃO SERÁ HOMOLOGADO EM JUÍZO O ACORDO EXTRAJUDICIAL QUE IMPONHA AO TRABALHADOR CONDIÇÕES MERAMENTE POTESTATIVAS, OU QUE CONTRARIE O DEVER GERAL DE BOA-FÉ OBJETIVA (ARTIGOS 122 E 422 DO CÓDIGO CIVIL).
Diante disso, a julgadora ponderou que os acordos extrajudiciais celebrados devem ser analisados caso a caso, avaliando-se a extensão da quitação e a pertinência ou não da homologação.
E, no caso em questão, ela registrou que os requisitos legais ditados pelo artigo 855-B, §1º, da CLT foram atendidos, já que o acordo foi proposto por petição conjunta e as partes foram representadas por diferentes procuradores. Além do que os valores fixados no acordo são compatíveis com o tempo de contrato de trabalho e com as verbas rescisórias discriminadas.
Contudo, na ótica da relatora, não houve parâmetros para essa análise, especialmente em relação às horas extras, pela ausência de documentos, como cartões de ponto e recibos de pagamento, que possibilitassem um exame da pertinência dos valores ajustados entre as partes. No aspecto, seu entendimento harmonizou-se com o do juízo sentenciante, no sentido de que a quitação total outorgada pelo empregado até aquele momento do contrato era incompatível com as normas que regem o Direito do Trabalho, citando, como exemplo, o disposto no §2º do artigo 477/CLT. De forma que, na sua visão, o acordo extrajudicial também deve especificar a natureza de cada parcela paga ao empregado, discriminando o respectivo valor, com quitação restrita às parcelas e valores quitados. “Admitir-se que o acordo extrajudicial previsto pelo 855-B/CLT assuma essa característica de liberação geral do empregador relativamente a toda e qualquer parcela anterior à sua celebração, quitada ou não, implica em permitir que o trabalhador seja submetido ao poderio patronal, em detrimento do princípio da proteção” – expressou-se a julgadora, esclarecendo que pode ocorrer de o trabalhador somente vir a perceber algum inadimplemento contratual no futuro, não podendo a Justiça Trabalhista chancelar renúncia antecipada a direitos, que sequer foram discriminados, o que, como exemplificou, envolve, inclusive, possível adoecimento do trabalhador por causa do trabalho, com consolidação posterior da celebração do acordo.
“Ressalte-se que nos acordos realizados em procedimento contencioso é vislumbrada a possibilidade de quitação ampla e geral das parcelas Porém, naquele procedimento, o contraditório já foi instalado e é possibilitado que o juízo verifique, a partir da prova carreada aos autos ao longo da instrução probatória a pertinência do acordo, caso em que, inclusive, será verificada claramente a existência de concessões recíprocas, característica essencial das transações”- frisou a julgadora, registrando que a transação tem elementos constitutivos essenciais, assim como todo negócio jurídico, e, sem a presença destes, será inválida.
Nessa linha de pensamento, a relatora concluiu que não há obrigatoriedade de homologação dos acordos extrajudiciais entabulados entre empregados e empregadores pela Justiça do Trabalho, quando verificada a desobediência a quaisquer dos requisitos previstos nos artigos 855-B e seguintes da CLT, bem como aos arts. 840 a 850 do CC, tal como previsto na Súmula 418/TST.
Observou a magistrada que, no caso, a quase totalidade das verbas objeto do acordo refere-se a direitos certos, tais como férias, 13º salário, aviso prévio e PLR, já que não havia dúvida sobre a existência e duração do contrato de trabalho entre as partes, sendo que o pagamento de verbas legalmente exigíveis não pode ser considerado como concessão, porque representa o simples cumprimento de um dever legal por parte do empregador, em face do trabalho despendido em seu proveito. Nesse sentido, constatou o descumprimento da previsão contida no art. 840/CC, aplicável ao direito do trabalho por força do § 1º do art. 8º/CLT. Pontuou que esse dispositivo legal prevê ser “lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas“, hipótese que não ocorreu neste feito, como demonstrou. E, como registrou, não seria cabível a homologação parcial da transação, já que, pelo disposto no artigo 848 CC, “sendo nula qualquer das cláusulas da transação, nula será esta“.
Na ótica da julgadora, contrariamente ao entendimento adotado pelo juiz de primeiro grau, nesse particular, nem mesmo quanto aos valores ajustados na avença pode-se dizer, com segurança, que são compatíveis com o tempo do contrato de trabalho e com as parcelas discriminadas, considerando que não foi apresentada a documentação necessária para tanto.
Outro ponto destacado pela relatora foi o de que o acordo apresentado pelas partes envolveu também quitação ampla e geral de verbas incertas, o que não pode ser acolhido, já que não cumprida a condição relativa à existência de concessões recíprocas. E aí a magistrada aponta ofensa ao princípio da boa-fé objetiva. Com base nos ensinamentos de Caio Mário, a julgadora pondera que a boa-fé objetiva exige mais que a abstenção de prejudicar, pois alcança o dever de cooperação. No caso, ela entendeu que, apesar da afirmação do trabalhador de que não sofreu prejuízos, a ausência de explicitação do possível direito transacionado, bem como das concessões recíprocas das partes, revela a inobservância do dever de cooperação.
Na sua visão, o mesmo se pode concluir em relação à previsão no acordo quanto à quitação ampla e geral de todas as verbas relativas ao contrato de trabalho até o momento de sua celebração, pois, nesse ponto, a empresa pretendeu beneficiar-se da cláusula de eficácia liberatória geral, o que é incompatível com o princípio da boa-fé objetiva, ante a possibilidade de o trabalhador não haver se apercebido, naquele momento, de outro possível inadimplemento contratual.
Para a desembargadora, na transação extrajudicial apresentada não é possível concluir pela existência de concessões recíprocas, mas mera quitação ampla e geral em prol do empregador, ocultando possível renúncia a direitos não explicitados. E ao trabalhador restou a concordância, sob pena de não receber as verbas rescisórias, cujo prazo legal deve ser o previsto no §6º do artigo 477, não comportando a dilação prevista no acordo, que sequer previu o pagamento da multa estipulada pelo §8º desse mesmo dispositivo. Como registrou a relatora, o próprio artigo 855-C da CLT dispõe sobre a incidência desse prazo e da aplicação da multa. Só que, no caso, não houve comprovação do pagamento dos valores rescisórios, nem mesmo aqueles objeto da transação discutida. Também não houve prova da formalização da rescisão contratual em outro momento.
Diante desse contexto, a julgadora concluiu que, apesar de a rescisão contratual realizar-se por meio do acordo para o qual as partes buscam a chancela judicial, ele não menciona os depósitos do FGTS e nem o pagamento da multa de 40%, tampouco o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas. Também não houve qualquer menção à entrega de guias TRCT e CD/SD ou quitação do adicional de 1/3 devido sobre as férias.
“De há muito essa Justiça do Trabalho vem convivendo com tentativas de fraude em prejuízo do trabalhador, o que é vedado pelo art. 9º/CLT, devendo ser reputados nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação. Foi o que ocorreu na época da instituição das Comissões de Conciliação Prévia, restando assentado o entendimento de que não era possível utilizar esse caminho para a mera quitação de verbas rescisórias, como pretende a reclamada neste caso” – arrematou a julgadora, citando julgados nesse sentido.
Finalizando, ela acentuou que não se pode permitir a utilização do disposto no artigo 855-B/CLT para fraudar todo o sistema de proteção ao trabalhador contida nesse dispositivo legal, pontuando que a transação nele disciplinada deve observar os demais preceitos legais que regem a autêntica transação, quais sejam, os arts. 422, bem como 840 e seguintes/CC, além do disposto no § 2º do art. 477/CLT.
Por todos esses fundamentos, refutou a alegada afronta ao disposto no artigo II, da CF e à Súmula Vinculante nº 10/STF, repisando que se está coibindo é a quitação ampla e irrestrita de parcelas rescisórias, uma vez que o acordo extrajudicial, não obstante pressuponha convergência de interesses das partes, somente pode dar quitação pelas parcelas e valores nele consignados.
“Ademais, cabe ao magistrado coibir o mau uso da previsão legal, deixando de homologar qualquer transação cujo principal objetivo seja a renúncia do trabalhador a direitos não especificados, o que não pode ser acolhido, em face do que dispõe o art. 9º/CLT. Para a quitação das verbas rescisórias, inexistindo a basta o pagamento em res dubia, conformidade com a legislação trabalhista, sendo suficiente a coleta do recibo pertinente, devidamente assinado pelo trabalhador” – finalizou a desembargadora, mantendo a sentença que deixou de homologar o acordo extrajudicial entabulado entre as partes, já que não observados todos os requisitos essenciais à transação.
0012161-73.2017.5.03.0087