A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu não ser possível o prosseguimento de uma investigação pela Polícia Federal após a Justiça Federal declinar da competência para o caso. Segundo o colegiado, fica ressalvada a possibilidade de, mediante provocação, o juízo autorizar o compartilhamento das investigações pelas Polícias Civil e Federal.
De acordo com os autos, um inquérito foi instaurado pela Polícia Federal para investigar a ocorrência de crimes de lavagem de capitais e de abuso de autoridade por um agente da corporação. Contudo, o juízo federal entendeu que a condição de servidor público do investigado não justificava a sua competência para julgar o caso, principalmente por não haver indicação de que as condutas imputadas ao policial tivessem sido praticadas durante o trabalho.
Apesar de o juízo federal ter declinado da competência para a Justiça estadual de Pernambuco, os autos não foram remetidos à Polícia Civil. No habeas corpus impetrado no STJ, a defesa alegou a nulidade do inquérito, por falta de atribuições da Polícia Federal para seguir com a investigação depois que o juízo federal se declarou incompetente.
Atuação da Polícia Federal foi irregular
O relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz, apontou que a jurisprudência do STJ considera não haver nulidade quando a investigação é iniciada por uma autoridade policial e depois ocorre a redistribuição do processo em razão de incompetência do órgão jurisdicional.
No entanto, segundo o magistrado, no caso dos autos, mesmo após a redistribuição para a Justiça estadual, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, apesar de determinação expressa do então detentor da jurisdição para que o inquérito fosse encaminhado à Polícia Civil – o que leva à anulação das provas obtidas nesse período.
“Embora não seja possível afirmar se a representação pela quebra de sigilos bancário e fiscal dos investigados antecedeu o declínio da competência em análise, é certo que as representações pelas prisões temporárias, buscas e apreensões e outras cautelares foram formuladas, pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça estadual. Assim, identifico flagrante ilegalidade na continuidade das investigações pela Polícia Federal”, concluiu o ministro.
Juízo deve avaliar se elementos independentes permitem seguir com o feito
Em seu voto, Schietti comentou que não há como verificar se a ilegalidade constatada prejudica por completo o inquérito ou se há elementos informativos autônomos que permitam a continuidade das investigações. Dessa forma, de acordo com o relator, o juízo de primeiro grau deverá examinar se o prosseguimento do feito pode ser embasado em elementos obtidos por fonte totalmente independente ou cuja descoberta seria inevitável.
Ao conceder a ordem de habeas corpus, o ministro ainda ressalvou a possibilidade de, mediante devida provocação, o juízo autorizar que as informações obtidas na investigação sejam compartilhadas pelas Polícias Civil e Federal. “Todavia, a medida só será válida a partir do momento em que proferida decisão judicial nesse sentido”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
HABEAS CORPUS. NULIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO INICIADA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. POSTERIOR DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA ESTADUAL. PROSSEGUIMENTO DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS PELA POLÍCIA FEDERAL. DETERMINAÇÃO EXPRESSA DE CONTINUIDADE PELA POLÍCIA CIVIL. NULIDADE. ILEGALIDADE CONSTATADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de prosseguimento da investigação pela Polícia Federal, mesmo após o declínio da competência para o processamento do feito para a Justiça Estadual.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar a ausência de nulidade quando a investigação tem início perante uma autoridade policial, com a consequente redistribuição do feito a outro órgão jurisdicional em razão da incompetência. Precedentes.
3. Todavia, no caso em análise, mesmo após a redistribuição do feito para a Justiça Estadual, motivada pela declaração de incompetência do Juízo Federal, a investigação continuou a ser presidida pela Polícia Federal, a despeito de determinação expressa do então detentor da jurisdição de encaminhamento do feito à Polícia Civil.
4. Embora não seja possível afirmar se a representação pela quebra de sigilo bancário e fiscal dos investigados antecedeu o declínio da competência em análise, é certo que as representações pelas prisões temporárias, buscas e apreensões e outras cautelares foram formuladas, pela Polícia Federal, quando os autos já estavam em trâmite perante a Justiça Estadual.
5. As circunstâncias descritas evidenciam a nulidade das investigações realizadas pela Polícia Federal a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual.
6. Entretanto, na limitada via deste writ, não há como aferir, com precisão, se a ilegalidade aqui declarada macula por completo o inquérito policial ou se há elementos informativos autônomos que possam ensejar a continuidade das investigações.
7. Fica ressalvada a possibilidade de, mediante devida provocação, autorizar o Juízo singular o compartilhamento das investigações pelas Polícias Civil e Federal. Todavia, a medida só será válida a partir do momento em que proferida decisão judicial nesse sentido.
8. Ordem concedida para reconhecer a ilegalidade, por falta de atribuições, das investigações realizadas pela Polícia Federal, no Inquérito Policial Federal n. 2021.19806, a partir do declínio da competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual, ocorrida em 26/4/2021. Deverá Juízo de primeiro grau, após descartar todos esses elementos viciados pela ilegalidade: a) averiguar se há outros obtidos por fonte totalmente independente ou cuja descoberta seria inevitável a permitir o prosseguimento do feito; b) cumprir a determinação, exarada em 26/4/2021, de envio dos autos à Polícia Civil, para continuidade das investigações.