Em sustentação oral, Augusto Aras defendeu prevalência do direito à moradia sobre os princípios da autonomia contratual e da livre iniciativa
Bem de família de fiador em contratos de locação comercial não pode ser penhorado, a não ser que a pessoa tenha sido remunerada para assumir os riscos, na chamada fiança onerosa. Esse foi o teor da sustentação oral do procurador-geral da República, Augusto Aras, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.307.334, iniciado nesta quinta-feira (5) pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Para o PGR, o direito à moradia e o princípio da dignidade humana devem prevalecer sobre o direito à livre iniciativa, à autonomia contratual e à atividade econômica do proprietário do imóvel, ressalvadas as situações de fiança onerosa. O caso está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, e teve a repercussão geral reconhecida. Portanto, a tese firmada pelo STF irá orientar julgamentos futuros.
O recurso extraordinário questiona decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que possibilitou a penhora do bem de família de um fiador dado em garantia no contrato de locação de imóvel comercial. Na sustentação oral, Aras reiterou manifestação enviada ao Supremo em maio deste ano, ressaltando que o direito à moradia é um direito fundamental, previsto na Constituição e em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Segundo ele, o direito à moradia concretiza o princípio da dignidade humana, garantindo a proteção da família quanto a suas necessidades materiais básicas.
O PGR lembrou que a Lei 8.009/1990 tornou impenhorável o imóvel residencial familiar (bem de família), ressalvadas algumas exceções. O STF já havia permitido a penhora de bem de família de fiador nos contratos de locação residencial. Mas, segundo Aras, no caso de locação comercial, a situação é distinta: o conflito ocorre entre o direito à moradia, de um lado, e os princípios da autonomia contratual e da livre iniciativa, de outro. “As exceções à garantia da impenhorabilidade do bem de família configuram restrição ao direito fundamental à moradia e, portanto, para que sejam válidas, precisam ser proporcionais, ou seja, adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito”, disse.
Para Augusto Aras, a medida é desproporcional e desnecessária, já que existem outras formas de se garantir o cumprimento do contrato de locação comercial, como caução e seguro-fiança, por exemplo. A penhora atinge de forma excessiva o direito fundamental à moradia do fiador, sem trazer ganhos proporcionais na promoção dos princípios da livre iniciativa e da autonomia contratual no contexto do contrato de locação comercial. A exceção está presente apenas no caso de fiança onerosa, quando o fiador é remunerado pelo risco assumido. “Nessa hipótese, há de se prestigiar a livre iniciativa, já que as partes precificaram o risco”, explicou. Para o PGR, na fiança onerosa, deve ser permitida a penhora do bem familiar do fiador.
Aras manifestou-se pela procedência do recurso extraordinário e, ao final da sustentação, sugeriu que o STF fixe a tese nos seguintes termos: “É impenhorável o bem de família de fiador em contrato de locação comercial, tendo em conta a prevalência do direito à moradia frente aos princípios da autonomia contratual e da livre iniciativa, salvo no caso de fiança onerosa”.