Para Augusto Aras, parte dos pedidos apresentados por entidades que representam servidores públicos deve ser acolhida
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestações em dez ações diretas de inconstitucionalidade propostas por entidades de classe e associações representativas de servidores públicos contra aspectos da Reforma da Previdência, instituída pela Emenda Constitucional 103/2019. As ações questionam, entre outros dispositivos, a instituição de uma tabela de alíquotas progressivas, a possibilidade de criação de contribuição extraordinária para servidores, em caso de desequilíbrio na Previdência, novas regras para o cálculo de pensão por morte, a ampliação da base de contribuição para aposentados e pensionistas e as regras de transição.
Em seis ações, o PGR considerou que as entidades não têm legitimidade para ajuizar ADIs e, por isso, opinou pelo não conhecimento dos pedidos. Já nas quatro ações em que as autorias foram consideradas total ou parcialmente legítimas, Aras opinou pela inconstitucionalidade de alguns trechos da reforma. Foi o caso das novas regras para pensão por morte, o aumento da base de contribuição imposta a aposentados e a previsão de contribuição extraordinária para servidores. Por outro lado, deu parecer pela constitucionalidade de outros trechos questionados, como a criação da alíquota progressiva de contribuição.
Uma das ações analisadas é a ADI 6.255/DF, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). De forma preliminar, Augusto Aras defendeu que apenas AMB e Conamp teriam legitimidade para propor a ação. As demais, conforme destacou, não representam a totalidade da categoria afetada pela Reforma da Previdência, requisito legal para que configure entre os entres legitimados.
A ADI questiona a tabela de alíquotas progressivas para a Previdência Social, e afirma que o aumento da contribuição poderia violar a independência funcional de juízes e de membros do Ministério Público (arts 2º e 127, parágrafo 1º da Constituição), e o princípio da irredutibilidade de subsídio. Além disso, aponta inconstitucionalidade no aumento da contribuição para aposentados e pensionistas e na possibilidade da criação de contribuição extraordinária, em caso de déficit da Previdência.
Ao apreciar os pedidos, o PGR, pontuou que a existência de uma tabela progressiva é constitucional e, inclusive, não se restringe à contribuição previdenciária. “A simples majoração das alíquotas não tem o condão de vilipendiar a independência funcional de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, haja vista que a medida em nada interfere na liberdade de atuação institucional dos integrantes dessas carreiras”, afirma. Aras explica, ainda, que a elevação de carga tributária tem o efeito prático de reduzir o rendimento líquido de magistrados, promotores e procuradores, mas isso não viola o princípio da irredutibilidade de subsídios.
O procurador-geral salientou também que a tabela progressiva atinge todos os servidores da ativa – não apenas juízes e membros do MP –, foi criada para garantir a sustentabilidade da Previdência e está de acordo com os princípios da igualdade, da equidade e da capacidade contributiva. O aumento da carga tributária instituída pela tabela “não se revela insuportável, desarrazoada ou desproporcional, tampouco compromete a capacidade econômica e a dignidade dos contribuintes, de modo a impedir-lhes o pleno exercício de direitos sociais ou obstar-lhes o desempenho de atividades profissionais ou funcionais”, sustenta.
Ainda sobre esse aspecto, o parecer menciona a carga tributária global (contribuição previdenciária e imposto de renda), que passou a incidir sobre os subsídios dos agentes a partir da Reforma da Previdência. Tomando como referência o valor mensal do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, as regras introduzidas pela EC 103/2019 acarretaram acréscimo de 4,13%, equivalente a R$ 1.624,41. Embora considere que o novo percentual (37,39%) não viola o “princípio que veda o efeito de confisco de um tributo”, o PGR foi taxativo ao afirmar que o “órgão ministerial entende que os atuais 37,39% atingiram as fronteiras da razoabilidade”.
Dispositivo inconstitucional – No caso de aposentados e pensionistas, o entendimento do PGR é que a ampliação da base de contribuição de aposentados e pensionistas do regime próprio viola os princípios da isonomia e da dignidade humana ao comprometer as condições de subsistência dessas categorias, reduzindo de forma excessiva seu poder aquisitivo. Aras também considerou inconstitucional o dispositivo que prevê a criação de contribuições extraordinárias para servidores, em caso de déficit ou grave desequilíbrio da Previdência, nos próximos 20 anos.
O procurador-geral afirma que a medida é temerária, ultrapassa a fronteira da razoabilidade e “assume contornos de ‘carta branca’ outorgada em favor do legislador ordinário”. A instituição da tabela progressiva já seria suficiente para restabelecer e manter o equilíbrio financeiro da Previdência, sem necessidade de qualquer contribuição extra. Com base nesses argumentos, o PGR opinou pela procedência parcial da ADI 6.255/DF.
Regras de transição e situação das mulheres – A revogação das regras de transição para servidores públicos, estabelecidas pelas reformas anteriores, foi questionada na ADI 6.254/DF, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), sob o argumento de violação ao princípio da segurança jurídica. Segundo Aras, é possível revogar regras anteriores de transição, já que não há direito adquirido em matéria previdenciária. No entanto, a reforma atual manteve parte das regras de transição para os servidores que entraram no serviço público até 2003, estabelecendo outras mais rigorosas para quem ingressou nos anos posteriores. Na opinião do PGR, o dispositivo cria tratamento desigual e viola o princípio constitucional da isonomia.
A ação também aponta violação do princípio da isonomia, já que a reforma prevê que as mulheres da iniciativa privada filiadas à Previdência terão acréscimo no benefício da aposentadoria a cada ano que exceder os 15 anos de contribuição, enquanto as do serviço público somente terão direito ao benefício a cada ano que exceder os 20 anos de contribuição. Para Augusto Aras, a previsão respeita a Constituição, pois as trabalhadoras da iniciativa privada não têm estabilidade e enfrentam maiores percalços do que as servidoras públicas, quadro que justificaria o tratamento diferenciado.
A ADI 6.916, proposta pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia do Brasil, questiona o novo regramento da pensão por morte, instituído pela Reforma da Previdência, que diminuiu o valor do benefício. Para o PGR, houve redução excessiva nos valores, o que compromete a independência e subsistência dos pensionistas e viola o princípio da dignidade humana. O dispositivo seria, portanto, inconstitucional. Apesar de concordar com o pedido da Adepol, Augusto Aras pontuou que a entidade não teria legitimidade para apresentar a ação, já que as finalidades da entidade não estão relacionadas com o dispositivo questionado.
Nas demais ADIs, Augusto Aras opinou pelo não conhecimento dos pedidos, pois as entidades autoras foram consideradas ilegítimas para a propositura desse tipo de ação, por não representarem a totalidade da categoria afetada ou por não guardarem pertinência temática com as regras questionadas.
Íntegras das manifestações