Apesar de a contratação ter sido por convênio, ficou comprovada a responsabilidade subsidiária
A falta de prova da fiscalização de empresa contratada para fornecer jovens aprendizes à Petróleo Brasileiro S.A. motivou a condenação da petroleira a pagar as verbas rescisórias e os salários atrasados desses profissionais. Essa decisão foi mantida pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou o exame do recurso apresentado pela Petrobras.
O processo foi iniciado a partir de notificação sigilosa recebida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de que a Organização de Direitos Humanos Projeto Legal não teria efetuado o pagamento das verbas rescisórias aos aprendizes que prestavam serviços à Petrobras, no Rio de Janeiro. Eles haviam sido dispensados após a extinção unilateral do contrato pela Petrobras e alegavam, ainda, que os salários estavam atrasados dois meses.
Convênio
Ao MPT, a Projeto Legal declarou que teria firmado um convênio com a Petrobras até 2015, por meio do qual havia encaminhado 101 jovens para cumprir a cota de aprendizagem. No entanto, em julho de 2013, a empresa teria atrasado o repasse das verbas, inviabilizando o pagamento dos salários dos aprendizes. O valor questionado ultrapassa os R$ 500 mil e também foi judicializado em ação que tramita na Justiça Comum Estadual.
Inidoneidade patente
A ação civil coletiva foi apresentada pelo MPT contra as duas empresas. Para a juíza da 31ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a Petrobras não conseguiu comprovar que teria verificado a capacidade econômica da ONG na época da contratação. “A inidoneidade financeira é patente, tanto que nem sequer pôde arcar com as verbas rescisórias dos aprendizes contratados”, registrou.
A sentença ainda registra que a Petrobras não apresentou nenhum elemento que demonstre ter fiscalizado o cumprimento das obrigações trabalhistas da conveniada. Sem conseguir se desincumbir da culpa pela falta de fiscalização e pela má escolha da prestadora de serviços, a estatal foi responsabilizada subsidiariamente pelas parcelas decorrentes da condenação. A decisão fundamentou-se na Súmula 331 do TST, que trata da terceirização.
Normas próprias
No recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), a petroleira sustentou que não se trata de terceirização, pois o contrato de aprendizagem tem normas próprias. Contudo, a sentença foi mantida.
Para o TRT, a aprendizagem, embora de caráter temporário e a prazo determinado, é uma modalidade de contrato de trabalho com intermediação de mão de obra, mediante celebração de convênio. “A Petrobras é, portanto, a real beneficiária do programa e deve agir com cautela ao contratar e, ao mesmo tempo, fiscalizar a realização dos serviços conveniados”, assinalou.
Reexame de provas
O ministro Evandro Valadão, relator do agravo pelo qual a Petrobras pretendia rediscutir a condenação no TST, explicou que a condenação subsidiária se fundamentou na ausência de prova da fiscalização. Nesse contexto, é inviável acolher o recurso, uma vez que o TST não reexamina fatos e provas.
A decisão foi unânime.
Contrato de Aprendizado
O contrato de aprendizagem visa propiciar a jovens uma preparação pré-profissional e tem particularidades próprias, entre elas a de só poder ser rescindido antecipadamente por motivos tipificados, como desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, ausência injustificada ou falta disciplinar grave.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PETROBRAS. ACÓRDÃO REGIONAL. PUBLICAÇÃO NA VIGÊNCIA LEI Nº 13.467/2017. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES RELATIVAS A CONTRATOS DE APRENDIZAGEM. DISPENSA DE APRENDIZES SEM O PAGAMENTO DAS RESPECTIVAS VERBAS RESCISÓRIAS. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TRANSCENDÊNCIA. NÃO RECONHECIMENTO.
I. As alegações constantes da minuta do agravo de instrumento não permitem que se reconheça a transcendência da causa, seja no seu vetor político – não se detecta contrariedade a súmula, orientação jurisprudencial ou precedente de observância obrigatória; no jurídico – não se requer a interpretação de lei nova ou de questão não pacificada; no econômico – o valor da causa ou da pretensão recursal não se qualificam como elevados para a caracterização da transcendência por este vetor; ou no social – não se busca a preservação de direitos sociais constitucionais supostamente violados de maneira intolerável.
II. Acrescente-se que a decisão regional, ao concluir pela legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento de ação civil pública em que se pleiteia o recebimento de verbas rescisórias não pagas aos aprendizes dispensados pela reclamada mostra-se em conformidade com a jurisprudência desta c. Corte Superior, no sentido de que o Ministério Público do Trabalho é parte legítima para o ajuizamento de demandas relacionadas aos contratos de aprendizagem. Precedentes. Por fim, eventual necessidade futura de apuração individual das parcelas devidas a cada aprendiz dispensado pela reclamada não altera a natureza do direito discutido, que permanece sendo individual homogêneo. Precedente da c. SBDI-1.
III . Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.
2. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL Nº 246. SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TST. ÔNUS DA PROVA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA QUE SE RECONHECE.
I. A questão jurídica concernente à responsabilidade subsidiária da administração pública (tomadora de serviços) pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa contratada mediante licitação (prestadora de serviços) oferece presumida transcendência política, por demandar a análise da conformidade do acórdão regional com a decisão vinculante proferida na ADC nº 16 e com a tese fixada no Tema de Repercussão Geral n° 246. Transcendência política que se reconhece.
II. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 760.931, submetido ao regime de repercussão geral, fixou a tese de que ” o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 ” (Tema nº 246).
III. A SBDI-1 do TST, no julgamento do recurso de embargos nº E-RR-925-07.2016.5.05.0281, em 12/12/2019 , firmou o entendimento de que o Supremo Tribunal Federal, ao fixar tese no Tema nº 246, não se manifestou sobre as regras de distribuição do ônus da prova, por tratar-se de matéria infraconstitucional. Assentou, ainda, que incumbe ao ente público o encargo de demonstrar que atendeu às exigências legais de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora de serviços. Combinando-se o teor da tese fixada no Tema nº 246 com o referido entendimento firmado pela SBDI-1, conclui-se que, havendo registro no acórdão regional 1) de inversão indevida do ônus da prova em desfavor da parte reclamante; 2) de ausência de prova ou de comprovação insuficiente da fiscalização do contrato, e 3) de que houve culpa da administração pública (ainda que deduzida pelo inadimplemento objeto da pretensão reconhecida), há que se impor ou manter, conforme o caso, a condenação subsidiária.
IV. No caso em exame, observa-se que a condenação subsidiária fundou-se na ausência de prova da fiscalização. Inviável, nesse contexto, acolher a pretensão recursal da parte agravante.
V. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.
Processo: AIRR-11339-83.2015.5.01.0031