Quando um trabalhador estrangeiro presta serviços em território brasileiro, as leis que regem o contrato são as do país de origem ou as leis brasileiras? A matéria especial desta semana é sobre o empregado estrangeiro no Brasil e o trabalhador brasileiro que atua em outros países, panorama e decisões da Justiça do Trabalho sobre as demandas decorrentes dessas relações.
TST cancela Súmula sobre o princípio da “lex loci executionis”
A diretriz da Justiça do Trabalho era de que a relação jurídica deveria ser regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço, conforme previsto no Enunciado de Súmula nº 207/TST, que foi cancelado pelo Tribunal Superior do Trabalho em abril deste ano, com base no voto de relatoria da vice-presidente, ministra Maria Cristina Peduzzi, no processo RR-219000-93.2000.5.01.0019.
A súmula, editada em 1985, adotava o princípio da lex loci executionis que diz ser a relação jurídica trabalhista regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação. Mas o Tribunal há muito vinha estendendo a todas as categorias profissionais a aplicação da Lei nº 7.064/1982 que garantia somente aos empregados de empresas de engenharia no exterior, o direito à norma trabalhista mais benéfica (seja do país de contratação ou de prestação de serviço).
E o legislador, atento à jurisprudência que veio se firmando no TST, por meio da Lei nº 11.962/2009, alterou a redação do artigo 1º da Lei nº 7.064/82, estendendo o direito a todos os trabalhadores contratados no Brasil transferidos por seus empregadores para prestar serviços no exterior.
“Recentes construções jurisprudenciais , que têm afastado a aplicação da Súmula nº 207 …. indicam a prevalência do princípio da norma mais favorável sobre o princípio da territorialidade”, afirmou a ministra Peduzzi, ressaltando que essa tendência também tem sido verificada no ordenamento jurídico de outros países.
Trabalhadores estrangeiros têm os mesmos direitos dos brasileiros
O notável crescimento da economia brasileira nos últimos anos despertou o interesse de grande número de estrangeiros em trabalhar no Brasil. Conforme estatísticas do Ministério da Justiça houve um crescimento de 57% no número de trabalhadores estrangeiros, chegando a um total de 1,51 milhão em dezembro do ano passado.
Destaque-se nessa conjuntura, o aumento expressivo do fluxo de imigrantes dos países da América do Sul, como bolivianos, peruanos e paraguaios, na maioria sem curso superior e que veem aqui uma oportunidade para melhorar as condições de vida.
Qual é o perfil desses estrangeiros que vêm a trabalho para o nosso País? Uma grande quantidade de jovens qualificados tem vindo em busca de novas experiências em empresas menores, que oferecem oportunidade de crescimento rápido. Não se pode deixar de mencionar os imigrantes ilegais, que, a despeito dessa condição, constituem significativa força de trabalho, como os bolivianos e peruanos que atuam como ambulantes e operários na indústria da construção civil e confecções. Presentes, sobretudo no estado de São Paulo, possuem baixa escolaridade e qualificação.
Ao trabalhar no país, o estrangeiro passa a ter os mesmos direitos trabalhistas de um empregado natural do Brasil, como 13º salário, FGTS e férias de 30 dias, entre outros. Também vale destacar a jornada padrão de oito horas diárias ou 44 por semana, com um dia de folga, preferencialmente aos domingos.
São inúmeras as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas quais estrangeiros conseguem o reconhecimento de direitos decorrentes da relação de emprego.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que a Justiça Trabalhista brasileira é competente para julgar ação de um engenheiro argentino que trabalhou durante anos de forma concomitante no Brasil e na Argentina. Demitido após 23 anos de trabalho no grupo econômico Macri (empresa da área de engenharia de telecomunicações, com filiais no Brasil), o engenheiro pediu o reconhecimento do vínculo empregatício e direitos decorrentes. Mas teve os pedidos negados na primeira e segunda instâncias. Para o ministro Alberto Bresciani, relator do processo, como houve prestação de serviços em território brasileiro “não há porque negar-se a jurisdição nacional”.
Outro caso, julgado pela Sexta Turma do TST em setembro de 2006, abriu importante precedente. Um trabalhador paraguaio, em situação irregular no Brasil, conseguiu o direito de acionar a Justiça do Trabalho após exercer a função de eletricista por 17 anos na Comercial Eletromotores Radar Ltda., e ter sido demitido sem receber as verbas rescisórias e o FGTS.
O relator, ministro Horácio de Senna Pires, deferiu o recurso do trabalhador com base em princípios constitucionais e em dispositivo do Protocolo de Cooperação do Mercosul, que prevê tratamento igualitário entre os nascidos nos países que firmaram o pacto (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), nos respectivos territórios.
O artigo 3º do Protocolo dispõe que “os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados Partes gozarão, nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado Parte, do livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e interesses”.
Exigências para o estrangeiro trabalhar no Brasil
Como em qualquer país há exigências legais para a permanência dos trabalhadores estrangeiros, no Brasil não poderia ser diferente. Foi a Lei nº 6.815/80, regulamentada pelo Decreto nº 86.715/81, que definiu a situação jurídica desses trabalhadores em nosso País e criou o Conselho Nacional de Imigração (Cnig) – órgão do Ministério do Trabalho e Emprego responsável, entre outras coisas, pela formulação da política de imigração e coordenação de suas atividades no País.
O Cnig estabelece e orienta a concessão de autorização de trabalho para estrangeiros que pretendem permanecer aqui por algum tempo ou definitivamente. Essa autorização, exigida pelas autoridades consulares brasileiras, é necessária para a concessão de visto temporário ou permanente.
Cabe ao Ministério das Relações Exteriores emitir a autorização consular registrada no passaporte, denominada “visto”, permitindo a esse trabalhador entrar e permanecer no País.
O visto pode ser temporário ou permanente, sendo no primeiro caso para aqueles que veem ao País em viagem cultural, missão de estudos, a negócios, na condição de artista ou desportista, estudante, cientista, correspondente de rádio, jornal, televisão ou agência de notícias estrangeira, entre outros. Já o visto permanente é para aqueles que pretendam residir definitivamente no Brasil.
Desde 2006 observou-se um aumento do número de autorizações para trabalhadores estrangeiros. Esse fato se deve, segundo Paulo Sérgio Almeida, coordenador geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, aos crescentes investimentos no Brasil, sobretudo nos setores da indústria, óleo, gás e energia, e isso, devido à aquisição de equipamentos no exterior.
Há uma demanda pela “vinda de profissionais especializados na supervisão de montagem e da execução de etapas mais sensíveis no processo de implantação desses equipamentos e para transferência de tecnologia”, afirmou Almeida em matéria publicada no site do MTE. Mas é bom lembrar que o requisito básico para a vinda desse profissional é não ocupar vaga que possa ser preenchida por trabalhadores brasileiros.
Contudo, desse profissional especializado é exigida a comprovação da qualificação e/ou experiência profissional, que deverá ser feita por meio de pedido de autorização, junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, mediante a apresentação de diplomas, certificados ou declarações das instituições onde tenha desempenhado suas atividades.
Novos critérios para a autorização de trabalho desses profissionais, com visto temporário, foram estabelecidos pela Resolução Normativa nº 64 de 13/09/2005 do Conselho Nacional de Imigração. De acordo com essa resolução, para demonstrar a qualificação ou experiência o candidato terá que comprovar alternativamente experiência de dois anos no exercício de profissão de nível médio, com escolaridade mínima de nove anos ou experiência de um ano no exercício de profissão de nível superior.
Sujeição a trabalhos mal remunerados
Em que pese o aumento expressivo de imigrantes sul-americanos nos últimos anos, convém lembrar que muitos chegam ao Brasil em condições irregulares, com baixa escolaridade e pouca qualificação. Como vêm em busca de melhores condições de vida, sujeitam-se a trabalhos mal remunerados. Prova disso são os recentes casos noticiados pela imprensa de imigrantes vindos da Bolívia e do Peru encontrados em condições de escravidão contemporânea na cidade de São Paulo, em oficinas de costura, fabricando peças de roupas da grife Zara, Casas Pernambucanas e Lojas Marisa, entre outras.
Nesse sentido, a Justiça do Trabalho tem julgado ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho contra a exploração dessa mão de obra. Um exemplo emblemático foi a ação ajuizada pelo MPT de São Paulo em fevereiro contra as Casas Pernambucanas pela exploração de trabalhadores – a maioria bolivianos – na cadeia produtiva das marcas Argonaut e Vanguard.
Essa foi a primeira ação civil pública sobre trabalho escravo urbano envolvendo estrangeiros no Brasil. O MPT-SP solicitou, na Justiça do Trabalho de São Paulo a antecipação de tutela (suspensão imediata dessa prática), além de indenização por danos morais à coletividade de trabalhadores no valor de R$5milhões, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Até o momento a ação civil pública não foi julgada.
Caso halal
Após tomar conhecimento da reportagem da BBC sobre um grupo de 25 estrangeiros trabalhando na fábrica da Sadia, em Samambaia, no Distrito Federal, que atuavam no abate de frangos pelo método halal (exigido pelos países islâmicos para consumo de carne) e viviam em condições precárias nos alojamentos da empresa, o MPT e o Ministério do Trabalho e Emprego realizaram inspeções para apurar as denúncias de maus tratos.
O caso da fábrica de Samambaia se repete em diversos estados brasileiros. Outra unidade da Sadia, localizada no município de Dois Vizinhos (PR), foi processada pelo Ministério Público do Trabalho do Paraná por meio de ação civil pública na Justiça do Trabalho que concedeu liminar proibindo o trabalho de 30 mulçumanos em uma unidade terceirizada pela empresa para realizar o abate halal. Segundo os procuradores, a terceirização – feita pelo Grupo de Abate Halal – é irregular porque o abate de animais constitui atividade fim da empresa.
Mas a Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI2) do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança do Grupo de Abate Halal S/S Ltda. para cassar a decisão liminar, proferida pela Vara do Trabalho de Dois Vizinhos.
Para o relator ministro Pedro Paulo Manus, a manutenção desses empregados terceirizados no estabelecimento da Sadia, com recebimento de salários e demais garantias trabalhistas atende mais aos interesses sociais do que a proibição de prestação de serviços, como sugeriu a Vara do Trabalho, por não haver garantias de contratação pela Sadia do pessoal que seria dispensado.