A União e o tabelião de um cartório de notas de Brasília (que faleceu antes da sentença e foi substituído pelo espólio) foram condenados a indenizar dois compradores de um imóvel pelas quantias de R$ 500.000,00 (danos materiais) e R$ 50.000,00 (dano moral). Isso porque o negócio de compra e venda foi realizado com uso de procuração falsa.
Na 1ª instância, o juízo destacou na sentença ser notória a diferença entre a assinatura da proprietária, constante do reconhecimento de firma do cartório, e a assinatura que figurava na procuração.
Os réus apresentaram apelação ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), e a relatoria do processo coube ao desembargador federal Souza Prudente, membro da 5ª Turma do TRF1.
Já a União, em seu recurso, alegou ilegitimidade para figurar no polo passivo (isto é, de ser ré) por não poder ser prejudicada, já que a suposta falsificação da procuração não poderia ser atribuída a um servidor federal. Quanto ao mérito (pedido principal), apontou que em nenhum momento constatou-se ou foi comprovado pelos autores o envolvimento de servidor público e que não tem como avaliar a veracidade de todas as assinaturas em procurações emitidas pelos tabelionatos de notas.
Por sua vez, o espólio do tabelião argumentou no recurso que a culpa ou dolo do tabelião não é inequívoca e que o documento utilizado para a identificação na lavratura da procuração não possuía qualquer rasura ou indício de falsidade, “motivo pelo qual não pode ser atribuído ao serventuário responsabilidade em decorrência da inexistência de quaisquer das modalidades que caracterizam a culpa.”
Na análise do processo, o relator verificou que a União tem legitimidade para ser ré na ação, segundo firmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 777, de que o Estado responde pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que causem danos a terceiros no exercício de suas funções e, no caso, o serviço cartorário do DF é atividade delegada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), cabendo à União a sua manutenção e organização.
Nulidade absoluta – Quanto ao dever de indenizar, o magistrado verificou que é indiscutível o fato de que a alienação do imóvel se deu com base na falsa procuração pública, o que gera nulidade absoluta do contrato firmado entre as partes, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“O egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral, reiterou sua firme jurisprudência no sentido de que o ato notarial ou de registro que gera dano ao particular deve ser atribuído como responsabilidade direta do Estado, que deverá, obrigatoriamente, sob pena de improbidade administrativa, ajuizar a respectiva ação de regresso contra o tabelião ou o registrador que perpetrou o dano de modo a investigar sua responsabilidade subjetiva na espécie”, ressaltou o desembargador.
Desse modo, fica a União responsabilizada, objetivamente, pelos danos que o serventuário do cartório causou a terceiros em razão da venda sem autorização da proprietária do imóvel, já que a procuração foi lavrada no cartório que estava sob a responsabilidade do tabelião. Com essas considerações, concluiu o relator seu voto pela manutenção da sentença.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. POSSIBILIDADE. FALSIDADE DA PROCURAÇAO PÚBLICA UTILIZADA PARA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL EM BRASÍLIA/DF. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO FEDERAL E DO TABELIÃO TITULAR DO CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DE NOTAS DA CAPITAL FEDERAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS RECONHECIDOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. OBSERVÁNCIA DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 870.947 – TEMA 810) E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM REGIME DE RECURSO REPETITIVO (RESP 1.495.146/MG – TEMA 905). LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. SENTENÇA CONFIRMADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. (ART. 85, § 11, DO CPC). APLICABILIDADE.
I – No caso em exame, busca-se o pagamento de indenização por dano material, a fim de que a perda do valor utilizado para a compra do bem imóvel seja suportado, de forma solidária, pelos promovidos, alienado por intermédio da falsa procuração, bem assim o recebimento dos danos morais suportados pelos autores.
II – Considerando que, no caso em exame, o serviço cartorário do Distrito Federal é atividade delegada do Poder Público (art. 236, CF), mais especificamente atividade delegada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), cuja manutenção e organização competem a União Federal (art. 21, XIII, da CF/88), a União poderá ser responsabilizada, objetivamente, pelos danos que os serventuários de cartórios extrajudiciais causarem a terceiros, aplicando-se a regra do art. 37, § 6º, da CF, motivo pelo qual reconheço a legitimidade passiva ad causam da União Federal no presente feito.
III – O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que o uso de procuração falsa é vício insanável que gera a nulidade absoluta do contrato de compra e venda firmado entre partes, o que, inclusive, já restou decidido, no caso, na ação ajuizada no TJDFT, de nº 2010.01.1.009492-2 (anulação da escritura de compra e venda do imóvel), transitado em julgado.
IV – Deve ser reconhecida a responsabilidade solidária da União Federal e do Tabelião do Cartório do 1º Ofício de Notas de Brasília/DF, José Eduardo Guimarães Alves (falecido no curso da demanda), em razão do incidente que culminou na venda, sem a autorização da legítima proprietária, do imóvel em questão, pois a procuração fora lavrada no cartório que à época dos fatos encontrava-se sob a responsabilidade do citado tabelião.
V – Correta a sentença ora apelada, que fixou a indenização por danos matérias, no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), devidamente corrigido, com base na Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, constante dos autos, que demonstra transação naquele valor, sendo este, inclusive, o valor levado em consideração para fins de incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, para que a indenização vindicada possa alcançar o valor atual de mercado do bem imóvel mencionado neste feito, a fim de repor a perda do valor experimenta pelos postulantes, em razão da anulação da escritura de compra e venda do imóvel.
VI – No que diz respeito ao valor da indenização por danos morais, inexiste parâmetro legal definido para a sua fixação, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. O quantum da reparação, portanto, não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido, afigurando-se razoável, na espécie, o valor fixado na instância de origem, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão da gravidade da lesão e dos danos sofridos pelos autores.
VII – Os juros de mora e a correção monetária devem incidir conforme a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 870.947/SE (TEMA 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.495.146/MG (TEMA 905).
VIII – Apelações da União Federal e do espólio de José Eduardo Guimarães Alves desprovidas. Sentença confirmada.
IX – Conforme definido na sentença, a verba honorária devida pelos apelantes será fixada durante a fase de liquidação do julgado, nos percentuais previstos nos incisos I a V, do parágrafo 3 e 4, inciso II, com o acréscimo de 2% do valor apurado a titulo de honorários advocatícios, nos termos do parágrafo 11, do artigo 85, do CPC vigente.
O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto e manteve a sentença em todos os termos, inclusive na indenização por dano moral no montante de R$50.000,00, devidamente corrigido, de forma a alcançar o valor atual de mercado a fim de repor a perda dos requerentes do valor utilizado para a compra do imóvel.
Processo: 0082179-54.2013.4.01.3400