Um candidato eliminado do cargo de Policial Rodoviário Federal (PRF) recorreu da decisão que negou seu pedido para invalidar o resultado da investigação social e/ou funcional que o desclassificou do certame. A 6ª Turma negou o recurso com base no entendimento de que os motivos que eliminaram o candidato são, de fato, incompatíveis com o cargo desejado.
Segundo consta dos autos, o autor foi aprovado em todas as etapas do certame menos na fase de investigação social e por isso ingressou com a ação na justiça. Contudo, de acordo com a decisão que analisou o recurso administrativo do candidato, os motivos que determinaram a sua exclusão final na fase de investigação social foram decorrentes de inúmeras infrações de trânsito, ocorrências, inexatidão de declarações, além de omissão de dados relativos a veículos de sua propriedade e a sua última ocupação profissional.
Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado pelo TRF1 Marcelo Albernaz, afirmou que em relação à eliminação do candidato do concurso, segundo a jurisprudência já firmada, “não se afigura legítima a exclusão do apelante com base em procedimentos criminais que não culminaram em sua condenação (sequer com recebimento de denúncia) nem em virtude de omissão de informações referentes a esses procedimentos. Afinal, se a informação omitida não era capaz de ensejar a exclusão do certame (fato mais grave), a omissão a seu respeito (fato menos grave) também não pode ensejar esse resultado”.
Nesse mesmo sentido, para o magistrado, é “pouco relevante a omissão da propriedade de veículo e de novo vínculo funcional estabelecido com a Polícia Militar do Distrito Federal já durante a realização do concurso”.
Contudo, como o concurso foi para o cargo de Policial Rodoviário Federal, que tem, entre as suas atribuições, “atividades de natureza policial envolvendo a fiscalização, patrulhamento e policiamento ostensivo, atendimento e socorro às vítimas de acidentes rodoviários e demais atribuições relacionadas com a área operacional do Departamento de Polícia Rodoviária Federal”, o juiz convocado afirmou que “não se afigura compatível com o exercício desse cargo a prática contumaz e recente de infrações de trânsito”.
Perfil incompatível – As infrações foram avaliadas durante a fase de investigação social do certame, em 2016. Na ocasião, ficou constatado que o apelante foi penalizado por 22 infrações de trânsito entre 2010 e 2016, sendo cinco graves e três gravíssimas, o que equivale a mais de três infrações por ano, além de outras infrações relevantes. Algumas delas decorrendo, por exemplo, de excesso de velocidade, o que segundo o relator do caso, “pode ensejar risco para a integridade física de pessoas”.
Com base nesse histórico, o magistrado destacou que “a toda evidência, essa prática reiterada de infrações de trânsito revela perfil manifestamente incompatível com o cargo de Policial Rodoviário Federal, o que, aliás, estava objetivamente previsto no edital do concurso”.
O recurso ficou assim ementado:
CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL (PRF). EDITAL N. 01/2013. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. TRANSAÇÃO PENAL. REITERADAS INFRAÇÕES DE TRÂNSITO. OMISSÃO NO PREENCHIMENTO DA FICHA DE INFORMAÇÃO PESSOAL (FIP).
1. No RE 560.900, o Supremo Tribunal Federal decidiu, sob o regime de repercussão geral, que, sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal (Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-204 17/08/2020).
2. O mesmo STF decidiu, em caso semelhante, ser “igualmente ilegítima a cláusula de edital de concurso público capaz de excluir candidato beneficiado por transação penal que resultou na extinção da sua punibilidade, ou seja, situação em que a ação penal sequer chegou a existir (ARE 1.034.405 AgR, relator Ministro Roberto Barroso, 1T, DJe-134 29/05/2020).
3. Não se afigura legítima a exclusão do apelante com base em procedimentos criminais que não culminaram com sua condenação (sequer com recebimento de denúncia) nem em virtude de omissão de informações referentes a esses procedimentos. Afinal, se a informação omitida não era capaz de ensejar a exclusão do certame (fato mais grave), a omissão a seu respeito (fato menos grave) também não pode ensejar esse resultado.
4. É pouco relevante a omissão da propriedade de veículo VW Fusca 2.0 e de novo vínculo funcional estabelecido com a PMDF já durante a realização do concurso.
5. Caso em que o concurso é para o cargo de Policial Rodoviário Federal, que tem, entre suas atribuições, “atividades de natureza policial envolvendo a fiscalização, patrulhamento e policiamento ostensivo, atendimento e socorro às vítimas de acidentes rodoviários e demais atribuições relacionadas com a área operacional do Departamento de Polícia Rodoviária Federal” (Lei n. 9.654/1998). É óbvio, portanto, que não se afigura compatível com o exercício desse cargo a prática contumaz e recente de infrações de trânsito.
6. No caso, a investigação social foi realizada no ano de 2016. Segundo a decisão do recurso administrativo interposto pelo apelante, ele foi penalizado por 22 infrações de trânsito entre 2010 e 2016, incluindo 5 graves e 3 gravíssimas, o que corresponde a mais de 3 infrações por ano. Algumas delas decorreram, por exemplo, de excesso de velocidade, o que, em tese, pode ensejar risco para a integridade física de pessoas. No ano de 2010, em menos de 3 meses, ele acumulou 20 pontos, o que seria suficiente para ter o direito de dirigir suspenso. No ano de 2013, ele acumulou 23 pontos, também suficientes para a suspensão do seu direito de dirigir. Entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016 (período imediatamente anterior à investigação social), ele acumulou 25 pontos, também suficientes para tal suspensão. Inclusive, há registro de que ele chegou a sofrer “penalidade de suspensão de sua carteira nacional de habilitação por três meses” no ano de 2006. Embora muito antes da realização do concurso, tal circunstância revela, em conjunto com o elevado número de infrações de trânsito mais recentes, contínuo desrespeito às regras de segurança no trânsito, comportamento incompatível com o exercício do cargo de Policial Rodoviário Federal.
7. Não há como acolher a alegação de que tais infrações não teriam sido praticadas pelo apelante, porquanto ele não apresentou prova nesse sentido. Mesmo tendo decorrido do uso de veículos registrados em seu nome, não consta que tenha havido atribuição formal da sua responsabilidade a outros condutores. Nesse cenário, subsiste a presunção de que foram praticadas pelo apelante.
8. A prática reiterada de infrações de trânsito revela perfil manifestamente incompatível com o cargo de Policial Rodoviário Federal, o que, aliás, estava objetivamente previsto no edital do concurso (“habitualidade em descumprir obrigações legítimas” e “contumácia em cometer infrações contidas no Código de Trânsito Brasileiro que coloquem em risco a integridade física ou a vida de outras pessoas”). Por essa razão, foi legítima a exclusão do apelante na fase de investigação social.
9. Os honorários advocatícios arbitrados em R$ 3.000,00 (três mil reais) não são excessivos, considerando a complexidade da causa. Mesmo não tendo havido dilação probatória, não há como o autor afirmar simplicidade de uma causa em que a petição inicial tem mais de 80 páginas e envolve questionamento de ato administrativo em inúmeros pontos.
10. Apelação não provida.
11. Honorários advocatícios majorados para R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
O Colegiado acompanhou o voto do relator e negou o recurso entendendo que “foi legítima a exclusão do apelante na fase de investigação social”.
Processo: 0034838-27.2016.4.01.3400