Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), shopping center e empresa administradora de estacionamento são responsáveis por indenizar consumidor vítima de roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento. Segundo o colegiado, ao disponibilizar obstáculo físico para controlar a entrada de terceiros no estacionamento, os estabelecimentos provocam uma sensação de segurança, ainda que a cancela não tenha sido ultrapassada no momento do ato criminoso.
Após ter seu relógio roubado enquanto aguardava para ingressar em estacionamento de um shopping center, um consumidor ajuizou ação para que o shopping e a administradora do estacionamento fizessem a reparação de danos materiais e morais por ele sofridos em razão do assalto. As instâncias ordinárias condenaram os réus ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 33.750 e por danos morais arbitrados em R$ 10 mil.
No recurso ao STJ, o shopping center e a administradora do estacionamento alegaram que não tinham o dever de indenizar o consumidor, pois, no momento do roubo, o veículo ainda se encontrava na via pública, responsabilidade do Estado. Sustentaram, também, que o roubo à mão armada seria um evento fortuito que não possui relação com a conduta dos recorrentes, pois decorre de um fato estranho à vontade deles, fora de suas dependências e cujo efeito não era possível evitar.
CDC incide nos momentos que antecedem e sucedem a prestação de serviço
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a proteção do Código de Defesa do Consumidor incide não somente durante a prestação do serviço em si, mas também nos momentos que o antecedem e o sucedem, desde que estejam vinculados à sua execução.
Nesse sentido, a ministra destacou que, na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado pela fornecedora, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, o fornecedor será obrigado a indenizá-lo, sob pena de violar o comando da boa-fé objetiva e o princípio da proteção contratual do consumidor.
“Quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estacionamento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela – barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício – incide a proteção consumerista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que este esteja localizado na via pública”, declarou.
Estacionamento gera legítima expectativa de segurança ao cliente
Nancy Andrighi ressaltou que a jurisprudência do STJ entende que, para ser considerado fortuito externo, a causa do evento danoso não pode apresentar conexão com a atividade desempenhada pelos fornecedores, ou seja, tem de estar fora dos riscos assumidos pela atividade e, portanto, da esfera de proteção e atuação dos fornecedores.
A relatora apontou que a jurisprudência do STJ, conferindo interpretação extensiva à Súmula 130, entende que estabelecimentos comerciais, tais como shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores.
“Não cabe dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos”, concluiu a ministra ao negar provimento ao recurso especial.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC⁄15. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO DO ACÓRDÃO EMBARGADO. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489, § 1º, DO CPC⁄15. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. SHOPPING CENTER E UNIDADE GESTORA DO ESTACIONAMENTO. ROUBO À MÃO ARMADA NA CANCELA. ABRANGÊNCIA DA PROTEÇÃO CONSUMERISTA. ÁREA DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA PROTEÇÃO CONTRATUAL DO CONSUMIDOR. BARREIRA FÍSICA IMPOSTA PARA BENEFÍCIO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE SEGURANÇA. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO. ROUBO À MÃO ARMADA. FATO DE TERCEIRO INCAPAZ DE EXCLUIR O NEXO CAUSAL. NEXO DE IMPUTAÇÃO VERIFICADO. FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE DO SHOPPING CENTER. SÚMULA 130⁄STJ. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE SEGURANÇA AO CLIENTE. ACRÉSCIMO DE CONFORTO (ESTACIONAMENTO) AOS CONSUMIDORES EM TROCA DE BENEFÍCIOS FINANCEIROS INDIRETOS. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DESTA CORTE. RESPONSABILIDADE DO ESTACIONAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS OBJETIVAMENTE CONSIDERADAS A INDICAR A EXISTÊNCIA DE RAZOÁVEL EXPECTATIVA DE SEGURANÇA. CONTROLE DE ENTRADA E SAÍDA. CANCELA. RISCO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. HIPÓTESE EM QUE O CONSUMIDOR FOI VÍTIMA DE ROUBO À MÃO ARMADA AO PARAR O VEÍCULO NA CANCELA PARA INGRESSO NO ESTACIONAMENTO DE SHOPPING CENTER. MANUTENÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ.1. Ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada em 15⁄5⁄2018, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais, interpostos em 5⁄7⁄2021 e 7⁄7⁄2021 e conclusos ao gabinete em 5⁄10⁄2022.2. O propósito recursal consiste em decidir se o shopping center e a empresa administradora de estacionamento são responsáveis por indenizar o consumidor vítima de roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estacionamento.3. Violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC⁄15. Não há ofensa aos dispositivos mencionados quando o Tribunal de origem examina de forma fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte. Precedentes.4. Abrangência da proteção consumerista. Quando o consumidor se encontra, de fato, na área de prestação de serviço oferecimento pelo estacionamento comercial, incidem os deveres inerentes às relações consumeristas, como a boa-fé objetiva e a responsabilidade civil por defeito na prestação de serviço5. Na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, será o fornecedor obrigado a indenizá-lo.6. Roubo na cancela do estabelecimento comercial. O shopping center e o estacionamento vinculado podem ser responsabilizados por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial.7. Nexo de causalidade, fato de terceiro e fortuito externo. Admite-se a exoneração da responsabilidade quando ocorre fortuito externo à atividade empresarial desempenhada, isto é, evento imprevisível e totalmente alheio aos deveres anexos dos fornecedores e aos riscos por estes assumidos. Para ser considerado fortuito externo, a causa do evento danoso não pode apresentar conexão com a atividade desempenhada pelos fornecedores. Precedentes.8. Fortuito interno. A manutenção da responsabilidade se dá na hipótese de fortuito interno, o qual, embora seja circunstância alheia ao comportamento do fornecedor, pode ser considerado risco inerente à atividade do fornecedor. O fato de terceiro não será capaz de afastar o dever do fornecedor de indenizar a vítima do evento lesivo caso se insira nos riscos inerentes à atividade empresarial e no padrão mínimo de segurança que se espera de seu exercício.9. Responsabilidade de shopping center. No que tange especificamente à responsabilidade de shoppings centers, este Superior Tribunal de Justiça, “conferindo interpretação extensiva à Súmula n° 130⁄STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores” (EREsp 1.431.606⁄SP, 2ª Seção, DJe 2⁄5⁄2019) – com exceção da hipótese em que o estacionamento representa “mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos”.10. Não há dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos.11. O shopping center que oferece estacionamento responde por roubo perpetrado por terceiro à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento, uma vez que gerou no consumidor expectativa legítima de segurança em troca dos benefícios financeiros que percebera indiretamente.12. Responsabilidade da administradora do estacionamento. Precedentes desta Corte a identificar um conjunto de circunstâncias, objetivamente consideradas, capazes de (I) indicar a existência de razoável expectativa de segurança por parte do consumidor-médio, e (II) configurar a responsabilidade do estabelecimento ou instituição, assentando-se o nexo de imputação na frustração da confiança a que fora induzido o consumidor. Dentre as circunstâncias relevantes, destacam-se: “pagamento direto pelo uso do espaço para estacionamento; natureza da atividade exercida (se empresarial ou não, se de interesse social); ramo do negócio; porte do estabelecimento; nível de acesso ao estacionamento (fato de o estacionamento ser ou não exclusivo para clientes ou usuários do serviço); controle de entrada e saída por meio de cancelas ou entrega de tickets; aparatos físicos de segurança na área de parqueamento (muros, cercas, grades, guaritas e sistema de vídeo-vigilância); presença de guardas ou vigilantes no local; nível de iluminação” (REsp 1.426.598⁄PR, 3ª Turma, DJe 30⁄10⁄2017).13. Ao disponibilizar obstáculo físico para o ingresso no estacionamento de shopping center, apto a controlar a entrada de terceiros e provocar sensação de segurança no consumidor, deve o estabelecimento ser responsabilizado por roubo à mão armada ocorrido na cancela, ainda que esta não tenha sido efetivamente ultrapassada no momento do ato criminoso. Não há que se falar, portanto, de fortuito externo apto a romper o nexo de causalidade.14. Revisão do quantum indenizatório. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a modificação do valor fixado a título de danos morais somente é permitida quando a quantia estipulada for irrisória ou exagerada. No particular, o montante fixado não se revela excessivo. Danos materiais arbitrados a partir da apreciação do acervo fático-probatório. Incidência da Súmula 7⁄STJ.15. Hipótese em que o consumidor foi vítima de roubo à mão armada ao parar o veículo na cancela para ingresso no estacionamento de shopping center. O acórdão recorrido manteve a sentença que julgou procedente a pretensão consumerista e condenou os recorrentes ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 33.750,00 e por danos morais em R$ 10.000,00, ambos devidamente corrigidos. Necessidade de manutenção da decisão.16. Recurso especial interposto por CONDOMINIO DOWNTOWN conhecido e desprovido; recurso especial interposto por CENTER PARK ESTACIONAMENTOS LTDA – EPP (GEPARK) parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
Leia o acórdão no REsp 2.031.816.