Não houve, no caso, lesão minimamente relevante.
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso de revista de uma empregada de pet shop em Ponta Porã (MS) que alegava ter sofrido dano moral por ter sido mordida por um filhote de cão. Segundo o relator do recurso, ministro Cláudio Brandão, para a caracterização do dano é necessária a ocorrência de lesão minimamente relevante, o que não se verificou no caso.
Risco
Na reclamação trabalhista, a empregada disse que a mordida causou deformidade em sua mão esquerda e perda da capacidade de trabalho. No seu entendimento, a atividade de banhista de cães e gatos “indubitavelmente e por sua própria natureza”, acarretam margem de risco considerável para quem a executa, por ser “é evidente o risco de o trabalhador ser atacado por reação dos animais”.
“Linguicinha”
A microempresa, em sua defesa, afirmou que o animal que mordeu a empregada era um filhote da raça Dachshund, “popularmente conhecido como ‘linguiçinha’”, de pequeno porte. O cão havia sido entregue em consignação por um cliente para venda e havia sido vacinado e tomado vermífugo. Ainda conforme a empresa, a banhista havia descumprido determinações sobre uso de focinheira, guias e outros equipamentos de segurança.
Abalo
O juízo de primeiro grau considerou que a situação “fugiu à normalidade do dia a dia” e gerou abalo psicológico à empregada. Com isso, condenou a pet shop ao pagamento de indenização de R$ 3 mil.
O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), no entanto, afastou a configuração do dano moral. A decisão levou em conta, entre outros fatores, que a empresa treinava seus empregados para o exercício de suas funções e que, de acordo com o laudo pericial, havia orientação para o uso de luvas de silicone e, no dia do acidente, a banhista não as utilizou.
No recurso de revista, a empregada questionou a conclusão do Tribunal Regional quanto à gravidade do acidente e reiterou ter havido “dor, sofrimento e humilhação no episódio”, adotando-se como parâmetro o “homem médio”.
Filhote
Mas o relator, ministro Cláudio Brandão, não lhe deu razão. “O ordinário a se presumir é que um trabalhador que lida diariamente com cães e gatos não tenha sua personalidade violada ao ser mordido por um filhote enquanto o manuseia”, afirmou. “Não se trata de ferimento causado por animal adulto, com força nas mandíbulas e dentes firmes, já estruturados”.
Conforme constou expressamente na decisão do TRT, o cão era um filhote de apenas três meses e de pequeno porte. E, de acordo com a perícia, a cicatriz é imperceptível e não houve comprometimento físico da empregada. “Nem mesmo o afastamento por alguns dias, com aplicação de vacinas e medicação intravenosa, a título de profilaxia, permite concluir pela lesão alegada”, afirmou o relator. “Na verdade, apenas evidencia que ela recebeu o máximo de atenção e cuidado pela ocorrência”.
Banalização
O ministro observou que a Justiça do Trabalho está atenta às inúmeras situações de abuso moral praticado contra empregados e reconhece o dano que prescinde de comprovação (in re ipsa) nas hipóteses de doença ocupacional ou de ofensas praticadas pelo empregador. “É certo, no entanto, que não se pode banalizar o instituto, ao ponto de se deferir reparação por todo e qualquer aborrecimento, contratempo ou dissabor da relação de trabalho, como se verifica na presente situação”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACIDENTE DE TRABALHO. MORDIDA DE ANIMAL. DANO MORAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para melhor exame de possível violação dos artigos 157, I, da CLT e 5º, V, da Constituição Federal.
RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACIDENTE DE TRABALHO. MORDIDA DE FILHOTE DE CACHORRO. EMPREGADA DE LOJA TIPO PET SHOP. AFASTAMENTO PARA PROFILAXIA. CICATRIZ IMPERCEPTÍVEL E AUSÊNCIA DE SEQUELAS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. No caso, o Tribunal Regional registrou que: a autora trabalhava em loja do tipo pet shop; foi mordida por um filhote de cachorro, enquanto o manuseava para dar banho; a cicatriz decorrente da mordida é imperceptível; não houve redução da capacidade de trabalho; ficou afastada no dia do evento, para atendimento médico e, depois, por mais uma semana; recebeu vacinas e medicação intravenosa. Na petição inicial, a empregada alegou que “levou uma mordida em sua mão esquerda causando deformidade no membro e perda da capacidade laborativa” e, após a conclusão da Corte a quo , no sentido de que o acidente não teve gravidade, a recorrente afirma ter havido “dor, sofrimento e humilhação no episódio ora tratado” , adotando-se como parâmetro o “homem médio” . Sem razão. O ordinário a se presumir é que um trabalhador que lida diariamente com cães e gatos não tenha sua personalidade violada ao ser mordido por um filhote, enquanto o manuseia. Não se trata de ferimento causado por animal adulto, com força nas mandíbulas e dentes firmes, já estruturados. Trata-se, como expressamente constou no acórdão recorrido, de filhote de cachorro que, segundo esclarece a defesa, sem qualquer insurgência da autora, tinha apenas 3 meses de vida e era de pequeno porte (da raça Dachshund, popularmente conhecido como “salsicha”). É certo que, no dano moral, não se exige prova da dor e do sofrimento suportados pela vítima. O direito à reparação se origina da própria ação violadora, cuja demonstração há de ser feita; o dano mostra-se presente a partir da constatação da conduta que atinge os direitos da personalidade. Não significa, porém, que todo e qualquer acidente ou afastamento autorizem presumir a ofensa extrapatrimonial. É necessária a ocorrência de lesão minimamente relevante. Na hipótese, não houve cicatriz, tampouco comprometimento físico. Nem mesmo o afastamento por alguns dias, com aplicação de vacinas e medicação intravenosa, a título de profilaxia, permite concluir pela lesão alegada. Na verdade, apenas evidencia que a autora recebeu o máximo de atenção e cuidado pela ocorrência. Ainda que a Justiça do Trabalho esteja atenta às inúmeras situações de abuso moral praticado contra empregados e tenha evoluído no sentido de reconhecer o dano in re ipsa , quando há doença ocupacional ou ofensas praticadas pelo empregador, não se pode banalizar o instituto, ao ponto de se deferir reparação por todo e qualquer aborrecimento, contratempo ou dissabor da relação de trabalho, como se verifica na presente situação. Ausente o dano, mostra-se despicienda a apreciação da culpa. Recurso de revista não conhecido.
Processo: RR-24223-05.2012.5.24.0066