Para a 5ª Turma, empresas e sindicatos têm autonomia para negociar a prorrogação em jornada insalubre
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um empregado da BRF S.A. que pretendia invalidar a prorrogação da jornada de trabalho em atividade insalubre sem autorização prévia do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), prevista em norma coletiva. Segundo o colegiado, no período posterior à Reforma Trabalhista, empresas e sindicatos têm autonomia para estabelecer normas que afastem ou limitem direitos, desde que não envolvam direitos absolutamente indisponíveis.
Banco de horas
O trabalhador foi contratado em março de 2015 como separador conferente da unidade da BRF em Vitória de Santo Antão (PE) e permaneceu na empresa até janeiro de 2021, quando foi dispensado. Na reclamação trabalhista, ele pediu a nulidade do banco de horas porque sua atividade era insalubre, e a prorrogação de jornada dependeria da autorização do MTE. Sem a compensação, ele sustentava ter direito a horas extras.
Validade do acordo
O juízo da Vara do Trabalho de Vitória de Santo Antão assinalou que o acordo coletivo de 2018 passou a permitir a prorrogação da jornada sem essa exigência, e, conforme a sentença, trata-se de uma das hipóteses em que a celebração de norma coletiva tem prevalência sobre a legislação.
Por outro lado, até a celebração do acordo, diante da ausência da licença prévia das autoridades competentes, o banco de horas instituído pela empresa era inválido, e o trabalhador tinha direito às diferenças de horas extras.
O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) manteve a sentença.
Diálogo responsável
O relator do recurso de revista do separador, ministro Douglas Alencar Rodrigues, explicou que, em relação ao período anterior à vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a decisão do TRT quanto à invalidade da compensação está de acordo com a jurisprudência do TST (Súmula 85, item VI). No período posterior, a prorrogação passou a ser permitida também pela via negocial coletiva, dispensando-se, nesse caso, a licença prévia.
Segundo o relator, contudo, a previsão de sobrejornada em ambiente insalubre impõe a verificação prévia dos métodos de trabalho e da eficiência dos equipamentos de proteção adotados. “Nesse contexto, eventuais danos sofridos pelos trabalhadores em razão das condições inadequadas de trabalho deverão ser reparados pelos atores sociais responsáveis, na forma legal”, assinalou.
Outro aspecto destacado pelo ministro é a possibilidade de fiscalização das condições de trabalho por auditores fiscais do trabalho ou pelo Ministério Público do Trabalho, com as medidas administrativas e judiciais correlatas. Ele ressaltou que a previsão do artigo 611-A, inciso III, da CLT objetivou apenas estimular o diálogo social responsável, “jamais permitir a construção, pela via negocial coletiva, de condições que submetam os trabalhadores a condições aviltantes e indignas de trabalho”.
O recurso ficou assim ementado:
I. AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. 1. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. ATIVIDADE INSALUBRE. AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Demonstrada possível à tese de ofensa ao art. 7º, XXII, da CF, bem como de contrariedade à Súmula 85, VI, do TST, impõe-se a reforma da decisão agravada. 2. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Demonstrada possível à tese de contrariedade às Súmulas 366 e 429 do TST, impõe-se a reforma da decisão agravada. Agravo provido.
II. RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. 1. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. ATIVIDADE INSALUBRE. AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Situação em que o Tribunal Regional, soberano na análise de fatos e provas, manteve a sentença, na qual foi reputado inválido o banco de horas, no período de 17/03/2015 até 31/01/2018, e, após essa data, foi confirmada a validade de acordo coletivo, no qual foi pactuada a prorrogação da jornada em atividade insalubre, sem necessidade de prévia autorização do Ministério do Trabalho. Em relação ao período anterior à vigência da Lei 13.467/2017, a decisão do Regional quanto à invalidade da compensação de jornada em face da atividade insalubre, sem a necessária autorização da autoridade competente, está em consonância com a Súmula 85, VI, do TST. No tocante ao período posterior à vigência da Lei 13.467/2017, a prorrogação da jornada em ambiente insalubre passou a ser permitida também pela via negocial coletiva, dispensando-se, nesse caso, a licença prévia antes mencionada (CLT, art. 611-A, XIII). Essa inovação, no contexto do crescente prestígio à autonomia negocial coletiva (CF, art. 7º, XXVI) e que foi objeto de decisões paradigmáticas da Suprema Corte, impôs aos atores sociais novas e maiores responsabilidades, notadamente em questões como a posta nos autos, em que a previsão de sobrejornada em ambiente insalubre há de impor a verificação prévia dos métodos de trabalho e da eficiência dos equipamentos de proteção adotados, sem o que o objeto negocial estará viciado (CF, arts. 6º, “caput”, 7º, XXII, 196 c/c o arts. art. 104, II, do CC, e 157, I, da CLT). Nesse contexto, eventuais danos sofridos por trabalhadores em razão das condições inadequadas de trabalho, quando evidenciado o nexo etiológico com o ambiente laboral insalubre, deverão ser reparados pelos atores sociais responsáveis, na forma legal (CF, art. 7º, XXVIII c/c o arts. 186 e 927 do CC). De se notar, ainda que segue preservada a possibilidade de fiscalização das condições de trabalho por auditores fiscais do trabalho (CF, art. 21, XXIV, c/c o 200 art. da CLT) e/ou pelo Ministério Público do Trabalho (CF, art. 129, III c/c o art. 83, III, da LC 75/1993), com as medidas administrativas e judiciais correlatas. A delegação legal inserta no art. 611-A, III, da CLT, objetivou apenas estimular o diálogo social responsável entre os atores sociais, jamais permitir a construção, pela via negocial coletiva, de condições que submetam os trabalhadores a condições aviltantes e indignas de trabalho. Vale destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02.06.2022 (Ata publicada no DJE de 14/06/2022), ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633 (Relator Ministro Gilmar Mendes), com repercussão geral, decidiu pela constitucionalidade das normas coletivas em que pactuada a restrição ou supressão de direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, independente da fixação específica de vantagens compensatórias. Segundo o entendimento consagrado pelo STF no referido julgamento, alçada a autonomia negocial coletiva ao patamar constitucional (art. 7º, XXVI, da CF), as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, em que previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos revestidos com a nota da indisponibilidade absoluta. Logo, a decisão Regional foi proferida em sintonia com a legislação trabalhista e o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Recurso de revista não conhecido. 2. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Na hipótese, o Tribunal Regional, soberano na análise de fatos e provas, manteve a sentença, na qual, para o período anterior à vigência da Lei 13.467/2017, foi reputado inválido o instrumento normativo por aplicação da Súmula 449 do TST, e, para o período posterior à vigência da Lei 13.467/2017, foi aplicado o disposto no art. 58, § 2º, da CLT, com redação dada pela referida legislação. Com efeito, a Lei 13.467/2017, com vigência em 11/11/2017, alterou a redação do art. 58, § 2º, da CLT, que previa como à disposição o tempo despendido pelo empregado em transporte fornecido pelo empregador para local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o qual passou a estipular que o tempo ” despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador “. Assim, o tempo despendido com o deslocamento da portaria até o vestiário e vice-versa, após a vigência da Lei 13.467/2017, não é considerado tempo à disposição do empregador. Outrossim, extrai-se do acórdão regional que o tempo gasto com a troca de uniforme obrigatória era, em média, de 5 (cinco) minutos, razão pela qual o acórdão regional está em conformidade com a Súmula 429/TST. Recurso de revista não conhecido.
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-RRAg-713-29.2021.5.06.0201