A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em processo de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, manteve o valor de indenização estabelecida pela Justiça estadual em favor dos pais de recém-nascido morto em decorrência de erro médico. A indenização, fixada em R$ 50 mil pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), deverá ser paga de forma solidária pelo hospital e pelo médico responsável pelo atendimento da gestante.
“Não se vislumbra, em face do valor único fixado pelo acórdão recorrido, a ser pago aos autores da ação, razão para a intervenção deste tribunal”, ressaltou o relator, para quem a quantia é até módica “diante da gravidade da situação representada pela perda de um filho recém-nascido”, a qual, todavia, não pode ser majorada ante a falta de recurso da parte autora.
A turma analisou ainda a responsabilidade de médico residente no episódio e concluiu pela retomada dos termos da sentença, que afastou sua culpa.
Negligência profissional
A ação que originou o recurso especial, proposta pelos pais do bebê, discutiu a responsabilidade do hospital e dos médicos, pois teriam agido com negligência e realizado análise equivocada do estado gestacional da mãe.
O juízo de origem concluiu que o médico plantonista, ao dar alta à gestante, que buscou atendimento com queixas de dor, agiu com negligência, o que configura conduta culposa, implicando sua responsabilização – e também da casa de saúde – pelos danos causados à saúde do recém-nascido, o qual, mesmo encaminhado à UTI neonatal posteriormente ao parto, morreu 15 dias depois.
Tal conduta teria acarretado demora excessiva para realização do parto, o que fez com que a criança aspirasse mecônio, causa mortis apontada em atestado médico. A sentença condenou o hospital e o médico responsável pelo plantão, afastando a responsabilização do médico residente, também presente ao atendimento da mãe.
Esse último ponto foi reformado pelo TJRS. Em apelação interposta pelo médico plantonista, a corte gaúcha entendeu ter o residente agido de forma solidária para a consecução do ato lesivo. Além disso, o tribunal elevou a indenização de R$ 30 mil para R$ 50 mil.
Perícia e legitimidade
Ambos os profissionais recorreram ao STJ. O médico plantonista, entre outras alegações, argumentou que o juízo de primeiro grau não teria observado o conteúdo das provas periciais.
O ministro Bellizze destacou que o juiz, ao analisar os autos, não está vinculado ao laudo pericial e pode formar sua convicção com base em outros elementos provados no processo, desde que haja fundamentação cabível para tanto, nos moldes do artigo 436 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época do julgamento.
Por sua vez, o médico residente alegou que o TJRS não teria observado a falta de legitimidade recursal do plantonista para protestar contra a sentença que julgou o pedido improcedente em relação a outro demandado. Sustentou que essa iniciativa caberia apenas aos autores da ação, os quais aceitaram o resultado do julgamento nesse ponto.
“Assim como as apelações destes últimos (hospital e médico plantonista) não poderiam beneficiá-lo (plantonista), também não devem atingi-lo”, afirmou Bellizze em seu voto. O ministro disse que o fato de os pais não terem recorrido em relação à não condenação do residente “tornou a decisão do juízo de primeiro grau imutável, inviabilizando, por conseguinte, que o TJRS o incluísse para efeito de condenação conjunta”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. FALECIMENTO DE RECÉM-NASCIDO. 1. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO CONFIGURADA. 2. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. FALTA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DO CORRÉU PARA SE INSURGIR CONTRA A EXCLUSÃO DE UM DOS LITISCONSORTES DO POLO PASSIVO DA DEMANDA. PRECEDENTE. 3. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL E JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. 4. ALTERAÇÃO DO POLO ATIVO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE, ANTE AS PECULIARIDADES DO CASO. 5. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DOS MÉDICOS E OS DANOS CAUSADOS À SAÚDE DO MENOR. REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. 5.1. PROVA PERICIAL. NÃO VINCULAÇÃO DO JULGADOR. 6. REDUÇÃO DO VALOR DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. 7. RECURSO ESPECIAL DO PRIMEIRO RECORRENTE CONHECIDO E PROVIDO, E CONHECIDO E DESPROVIDO O DO SEGUNDO INSURGENTE. 1. Consoante dispõe o artigo 535 do CPC/1973, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa. 2. Tratando-se de litisconsórcio passivo facultativo, uma vez julgado improcedente o pedido em relação ao terceiro réu, ora recorrente – o qual, devido à sua condição de médico residente, não foi considerado responsável pelos atos que provocaram o falecimento do menor -, a ausência de recurso por parte dos autores da demanda torna a questão preclusa, pelo que a apelação interposta por um dos demais corréus não poderia ter sido provida para permitir a condenação em relação ao excluído, à mingua da devida legitimidade recursal. Precedente (REsp n. 259.732/RS, Relator o Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, DJ de 16/10/2006). 3. Embora da leitura da petição inicial possa se verificar, na parte dos pedidos, a ausência de postulação expressa à condenação por dano moral, os demandantes deixam claro na fundamentação que pretendem indenização em razão da morte do filho, em decorrência de erro médico atribuído à conduta dos réus, o que se mostrou suficiente para permitir a condenação sob esse fundamento, notadamente, por terem os requeridos tratado do tema em suas peças de contestação, afastando, assim, a ocorrência de julgamento extra petita. Segundo entendimento desta Corte, “o pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo especial ou sob a rubrica dos pedidos” (REsp n. 120.299/ES, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 21/9/1998). 4. A correção do polo ativo após a citação, na espécie, para que nele constasse o nome dos pais em substituição à sucessão da criança, não tem o condão de ensejar a extinção do processo, ainda que a mãe do infante só tenha atingido a maioridade 2 (dois) meses após o início da ação, uma vez que, tais fatos, consideradas as especificidades do caso, não acarretaram nenhum prejuízo ao exercício do direito de defesa dos réus (pas de nullité sans grief).
Há que se observar, outrossim, os princípios da economia processual e da efetividade, bem como o respeito aos fins de justiça do processo. 5. A partir da análise dos elementos fáticos da demanda, concluiu o Tribunal de origem que, ao liberarem a gestante, que contava com elevada idade gestacional, os profissionais envolvidos no atendimento agiram com negligência, configurando, portanto, a conduta culposa que implicou sua responsabilização pelos danos causados à saúde do recém-nascido que, embora internado na UTI neonatal após o parto, veio a óbito 15 (quinze) dias depois. A revisão do julgado com o consequente acolhimento da pretensão recursal não prescindiria do reexame do acervo fático-probatório da causa, o que não se admite em âmbito de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 deste Tribunal. 5.1. Acresce-se que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo, inclusive, formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, desde que dê a devida fundamentação, conforme o disposto no art. 436 do CPC/1973, vigente à época do julgamento.
6. É possível a intervenção deste Superior Tribunal de Justiça para reduzir o valor da indenização por danos morais apenas nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostrar exorbitante, distanciando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, situação que não se faz presente no caso, diante da sua fixação em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor dos pais da criança.
7. Recurso especial do primeiro recorrente conhecido e provido, e conhecido e desprovido o do segundo insurgente.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1328457