Mantida a decisão que considerou inexistente ato de improbidade em conduta inadequada de professor da UnB com aluna deficiente visual

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), na 3ª Turma, entendeu que não é ato de improbidade administrativa a conduta de um professor universitário em relação a uma aluna com deficiência visual, mantendo decisão da 6ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que havia julgado extinto o processo considerando inexistente o ato de improbidade. A ação chegou ao TRF1 após o Ministério Público Federal (MPF) recorrer da decisão. Consta dos autos que um professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB) ministrava aulas no curso de Engenharia Química e apresentou dificuldade em lidar com uma aluna deficiente visual.

O MPF alegou que houve grave discriminação cometida pelo professor que viola os princípios da administração, e o educador deveria ser punido por afrontar o art. 88 da Lei nº 13.146/05 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), art. 116, incisos II, III, IX e XI da Lei nº 8.112/90, e art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, representando ato de improbidade administrativa.

Segundo afirmado pelo MPF, a conduta do professor “brota de uma incompreensão quanto à política pública de inclusão dos deficientes físicos, sobretudo em seus pontos mais sensíveis: como dar ritmo às aulas de Engenharia de demonstrações visuais e matemáticas precisarem ser traduzidas pelo professor. Se a linguagem verbal fosse capaz de ilustrar perfeitamente e com total eficiência todos os conceitos matemáticos, a linguagem matemática não seria necessária e engenheiros projetariam em documentos de texto e não em programas de desenho técnico como o AutoCAD”.

Condutas culposas – Ao analisar o recurso no TRF1, a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, argumentou que o comportamento do professor não foi adequado, pois este deveria estar acostumado com a diversidade natural do ambiente escolar. “Não é, contudo, um comportamento suficiente ou suscetível de caracterizar improbidade administrativa por total ausência de demonstração do elemento anímico, da desonestidade, da má-fé, do dolo do agente público para com a Administração”, revela. Além disso, na opinião da magistrada, a sentença está adequada ao considerar que a pretendida punição do professor não favoreceria a inclusão do aluno deficiente, podendo inclusive retardá-la.

A desembargadora esclareceu que a nova Lei de Improbidade Administrativa promoveu alterações substanciais na norma que tratava do tema, afastando condutas culposas, não sendo mais aplicável a regra revogada para situação ainda não submetida à decisão judicial definitiva, como no caso em questão, e cuja conduta não esteja mais tipificada legalmente por ter sido revogada.

Para Maria do Carmo Cardoso, mesmo que não tivesse sido revogada, a sentença não mereceria reforma porque deu solução adequada à matéria, considerando as sanções severas que a pretendida punição desencadearia, quais sejam: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. ALTERAÇÃO PELA LEI 14.230/2021. NORMA PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. NORMA MATERIAL. SUPERVENIÊNCIA DE LEI NOVA. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, I. REVOGAÇÃO E ROL TAXATIVO. AUSÊNCIA DE DOLO. SENTENÇA MANTIDA.

  1. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material.

  2. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

  3. Além de a novel legislação passar a exigir o dolo para caracterização do ato ímprobo, no tocante às condutas previstas no art. 11 da Lei 8.429/1992, também passou a vincular a ofensa aos princípios da administração pública a alguma das ações ou omissões dolosas que taxativamente passou a elencar nos incisos do referido artigo. Com a revogação expressa do inc. I do referido art. 11 não mais pode ser considerada improbidade administrativa praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

  4. Inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo não traz, isoladamente, nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba. O caput do artigo agora só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes da Turma: AC 0007032-57.2016.4.01.3904, PJe de 9/8/2022; e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000, PJe de 9/8/2022.

  5. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular.  Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas.

  6. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

  7. Os avanços sociais de inclusão de pessoas com deficiência, conquista indiscutível da sociedade moderna, e que deve ser valorizada e aprimorada, não significa dizer que todos os atores sociais, e nisso inclui o ambiente universitário, estejam preparados para essa realidade. Os autos provam o contrário, ao evidenciar a falta de capacidade do docente para ministrar aulas do curso de engenharia química para aluna portadora de deficiência visual. Mas também indicam que o caminho trilhado, com reuniões entre os envolvidos, e o reconhecimento da fragilidade das relações didático-pedagógicas e humanas, tendem a dar contornos da direção a ser seguida para o concerto dessas relações; seu aprimoramento para o futuro.

  8. O comportamento do docente, conquanto indesejado, não é suficiente ou suscetível de caracterizar improbidade administrativa, por total ausência de demonstração do elemento anímico, da desonestidade, da má-fé, do dolo do agente público para com a Administração. Nesse contexto, a pretendida punição do professor não favorece a inclusão do aluno deficiente, mas sim pode retardá-la.

  9. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.

O entendimento da relatora foi acompanhado pela 3ª Turma do TRF1 mantendo a decisão quanto à inexistência de ato de improbidade por parte do professor.

 

Processo: 1004755-40.2018.4.01.3400

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