A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que a denunciação caluniosa contra promotor de justiça estadual na função de promotor eleitoral é infração penal em detrimento de interesse ou serviço da União, e por este motivo atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o caso, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.
No mesmo processo, o réu alegou não ter sido comprovado o dolo e que não haveria provas cabais do delito, e pediu a absolvição pela aplicação do princípio in dubio pro reo.
Conforme salientou o relator, desembargador federal Néviton Guedes, “a função de promotor eleitoral, segundo a Lei Complementar 75/1993, compete ao Ministério Público Federal, que delega as funções, em virtude da inexistência de estrutura própria em todas as comarcas, ao Ministério Público Estadual”. A promotora de justiça, que atuava como promotora eleitoral no município de Presidente Figueiredo, foi alvo de diversas representações e ações administrativas e judiciais formuladas pelo réu.
Ao apreciar o mérito, o magistrado votou pela manutenção da sentença condenatória, salientando que, conforme relatado no processo, a oposição entre o réu e a promotora provocou não só ofensas à honra, como também a propositura de diversas denúncias e ações sem qualquer embasamento jurídico e com a finalidade de interferir indevidamente na vida pessoal e na regular atuação da promotora de justiça em sua função eleitoral, com o conhecimento de que seriam falsas essas denúncias, restando configuradas a materialidade e autoria do crime.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339 DO CP). PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONEXÃO E CONTINÊNCIA. AFASTADAS. MÉRITO. DOLO, AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS. IMUNIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO NO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA ADEQUADA. APELAÇÕES DESPROVIDAS.
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Apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelo réu Ademar Lins Vitorio Filho em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu como incurso nas penas do art. 339 do Código Penal (denunciação caluniosa), fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa.
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Narra a denúncia que o réu, no período de 2007 a 2009, deu causa à instauração de investigações administrativas disciplinares e processos judiciais em desfavor da Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Amazonas, Sandra Maria Cabral Miranda B. Ramalho, em virtude de sua atuação na justiça eleitoral no Município de Presidente Figueiredo/AM, imputando-lhe crimes diversos sobre os quais sabia ser a vítima inocente, incidindo, por consequência, nas penas do art. 339, caput e §1º do CP, em concurso material (06 vezes).
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É competente a Justiça Federal para processar e julgar a conduta típica de denunciação caluniosa em face de promotor de justiça estadual na função eleitoral, pois é infração penal praticada em detrimento de interesse ou serviço da União, a atrair a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF). Precedentes do TRF da 1ª Região.
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Não ficou demonstrada a conexão ou a continência destes autos com outros processos apontados. Além disso, considerando que este processo já foi sentenciado, sem riscos de decisões conflitantes com os demais feitos, não se pode falar em conexão ou continência. Precedentes do STJ.
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A materialidade e a autoria ficaram comprovadas pela representação encaminhada pelo réu ao Conselho Nacional do Ministério Público, em que imputa à promotora de justiça a prática de parcialidade político eleitoral, fraude, abuso de autoridade, porte ilegal de arma de fogo, calúnia, difamação e coação de testemunhas, assim como pelos depoimentos prestados na fase de investigação e em contraditório judicial.
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Dosimetria. O juízo de primeiro grau considerou todas as circunstâncias judiciais favoráveis, fixando a pena-base no mínimo legal previsto no tipo, a saber, em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, que se tornou definitiva ante a ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de diminuição ou de aumento.
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O Ministério Público Federal pede a majoração da pena-base ante a consideração de que são desfavoráveis as circunstâncias judiciais relativas à conduta social, motivo e consequências do crime, devido à quantidade de representações e ações ajuizadas contra a promotora, as quais movimentarem os órgãos de correição do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP e demais órgãos estaduais do MP, além de atentarem contra a regular atuação da promotora de justiça em sua função eleitoral.
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Esses fundamentos são inerentes ao tipo penal dado que a denunciação caluniosa é caracterizada pela combinação da calúnia e a transmissão do fato à autoridade pública, dando causa à instauração de investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, o que, inevitavelmente, interferirá negativamente na atuação regular do agente político.
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Foram corretamente valoradas as circunstâncias judiciais do crime, bem como a fixação definitiva da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito (arts. 44, §2º, 45, §1º, 46 e 55, todos do CP), de tal sorte que não há reparos a serem feitos na pena definitiva aplicada.
A decisão do Colegiado foi unânime, nos termos do voto do relator.
Processo 0014051-97.2013.4.01.3200