Informativo de Jurisprudência 766 – STJ

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

 

REsp 1.959.824-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023. (Tema 1039/STJ)

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Conselho Regional de Educação Física. Instrutor de tênis. Inscrição. Desnecessidade. Tema 1039/STJ.

Destaque

 

A Lei n. 9.696/1998 não prevê a obrigatoriedade de inscrição de técnico ou treinador de tênis nos Conselhos de Educação Física, nem estabelece a exclusividade do desempenho de tal função aos profissionais regulamentados pela referida norma, quando as atividades desenvolvidas pelo técnico ou treinador de tênis restrinjam-se às táticas do esporte em si e não se confundam com preparação física, limitando-se à transmissão de conhecimentos de domínio comum decorrentes de sua própria experiência em relação ao referido desporto, o que torna dispensável a graduação específica em educação física.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia pressupõe decidir se é obrigatório o registro dos professores, instrutores, técnicos ou treinadores de tênis no Conselho Regional de Educação Física e se há exclusividade do desempenho de tal função por profissionais de educação física.

 

O art. 1º da Lei n. 9.696/1998 define que profissionais com registro regular no respectivo Conselho Regional poderão atuar na atividade de Educação Física e receber a designação de “Profissional de Educação Física”. Contudo, não existe previsão legal que obrigue a inscrição de técnico ou treinador de tênis nos Conselhos de Educação Física ou estabelecendo exclusividade do desempenho de tal função aos profissionais diplomados na referida lei.

 

Os arts. 2º e 3º da Lei n. 9.696/1998 somente reforçam a obrigatoriedade de os graduados em Educação física, para exercerem as atividades próprias de tal graduação, estarem inscritos no Conselho Regional de Educação Física, sujeitando-se assim à fiscalização da entidade.

 

O art. 3º, por sua vez, apenas elenca, de forma ampla, genérica e abstrata, as atividades, atribuições e competências executáveis pelos profissionais de educação física. Não estatuiu quem são os profissionais que devem se inscrever, tampouco restringiu a atuação de outras categorias de trabalhadores de toda e qualquer atividade correlata ao desporto ou a atividades físicas.

 

Tanto é assim que os clubes e academias onde se praticam diversos esportes, a exemplo do tênis, têm profissionais de várias disciplinas, como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, fisiologistas, nutricionistas, preparadores físicos, etc., os quais são registrados nas respectivas autarquias de controle do exercício de profissão regulada por lei.

 

O instrutor de tênis de campo coordena e altera a estratégia durante as partidas, além de dar orientações durante os jogos e intervalos, de modo a assegurar o melhor resultado. Ademais, ensina aos interessados nesse esporte seus fundamentos básicos, jogadas, técnicas e regras, com o objetivo de assegurar conhecimentos táticos e técnicos específicos e suficientes para a prática do tênis. O profissional não ministra rotina alguma para a preparação ou condicionamento físico de quem pratica o tênis.

 

A simples caracterização de algo como desporto não legitima a fiscalização e a regulação dos profissionais que o exercem pelo CREF. Tanto que é notória a existência de outros esportes (inclusive olímpicos) que não se valem majoritariamente de atividades físicas na sua execução, como hipismo, tiro esportivo, golfe, xadrez, bilhar, entre outros. É pacífica a impossibilidade de a lei estabelecer limitações injustificadas, excessivas ou arbitrárias, para que não seja dificultado o acesso com restrições exclusivamente corporativas do mercado de trabalho.

 

Interpretar a Lei n. 9.696/1998, entendendo que o exercício da profissão de treinador ou instrutor de tênis de campo é prerrogativa exclusiva dos profissionais que têm o diploma de educação física e o respectivo registro no Conselho Regional de Educação Física, ultrapassa os limites da norma que pode ser extraída do texto dos art. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal.

 

A leitura do referido dispositivo evidencia que a Constituição Federal adotou o princípio da ampla liberdade quanto à escolha do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Por isso, a liberdade individual só pode ser afetada por meio de lei, recordando-se, ademais, que a Constituição positivou o princípio da legalidade no art. 5º, II, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

Além disso, não se olvida que, no âmbito da administração pública, ela só poderá aplicar o que a lei determina, de modo que os administrados somente podem ser obrigados a fazer ou deixar de fazer caso a lei adequada assim o determine. As normas restritivas de direitos ou sancionatórias, especialmente quando em relação a direitos fundamentais, devem ser interpretadas restritivamente.

 

Finalmente observa-se que as classificações – feitas por normas infralegais que elencam o técnico de desporto individual ou coletivo como subcategoria do gênero profissional de educação física – são irrelevantes para obrigar a inscrição perante conselhos profissionais, em evidente limitação à liberdade profissional. Não só porque o escopo de tais atos normativos secundários destina-se ao cumprimento das obrigações com finalidades diversas, como previdenciárias e trabalhistas, não podendo, destarte, fundamentar a pretensão de exigir inscrição no conselho, mas principalmente porque normas infralegais expedidas pelo poder executivo e, mesmo, legislativo, não substituem a necessidade de lei em sentido formal.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à inexistência de obrigatoriedade de registro no Conselho Profissional de Educação Física do técnico, instrutor ou treinador de tênis quando tais atividades se voltam apenas às técnicas e estratégias do esporte.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 9.696/1998, arts. 1º, 2º e 3º

 

Constituição Federal, arts. 5º, II, e 170, parágrafo único

Processo

 

REsp 1.880.529-SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, por maioria, julgado em 8/3/2023. (Tema 1105)

Ramo do Direito

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Honorários advocatícios em ação previdenciária. Súmula n. 111/STJ. Verbete que continua aplicável após a vigência do CPC/2015. Tema 1105/STJ.

Destaque

 

Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula n. 111/STJ (modificado em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia que se traz à discussão, em regime repetitivo, está em definir se, com o advento do CPC de 2015, ainda continuará prevalecendo, ou não, a linha de corte trazida na modificada redação da Súmula n. 111/STJ, no ponto em que exclui da base de cálculo dos honorários advocatícios as prestações vencidas após a sentença favorável ao segurado.

 

O inciso II do § 4º do art. 85 do CPC/2015 nada dispõe a respeito da base de cálculo para a incidência da verba advocatícia, limitando-se a postergar tão só a definição de seu percentual (conforme as faixas econômicas dispostas no § 3º do mesmo artigo) para depois de apurado o correspondente quantum debeatur em procedimento liquidatório.

 

Tem-se que o desenganado intuito da Súmula n. 111/STJ, com a modificação que recebeu em 2006, foi o de desestimular o indevido prolongamento da demanda, possibilitando que o segurado demandante logo recebesse as prestações judicialmente reconhecidas em seu favor. Assim é que a jurisprudência da Terceira Seção, que precedeu e respaldou a mencionada modificação sumular, passou a compreender que, “Tomando-se o marco final das prestações vencidas como o trânsito em julgado da decisão, tem-se uma situação inusitada, na qual a morosidade no término do processo reverte em maiores ganhos ao patrocinador do segurado” (EREsp 195.520/SP, relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 22/9/1999, DJ 18/10/1999, p. 207).

 

Mais conveniente, por isso, que se antecipasse aquele marco final para a mesma data da prolação da sentença condenatória. Daí que, como asseverado em outro emblemático julgado, proferido também em 1999, “Esta interpretação, além de facilitar a execução da sentença, evita conflito de interesses entre parte-autora e patrono, o que deve ser sempre buscado, porquanto a este interessaria a delonga da causa, com vistas a uma maior base de cálculo dos honorários, enquanto àquela o seu apressamento, para ter satisfeita a pretensão deduzida” (EREsp 198.260/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Terceira Seção, julgado em 13/10/1999, DJ 16/11/1999, p. 183).

 

Nesse sentido, a atual jurisprudência das duas Turmas que integram esta Primeira Seção, que hoje detém atribuição regimental para deliberar acerca de assuntos relativos a benefícios previdenciários, inclusive os decorrentes de acidentes do trabalho (art. 9º, § 1º, XIII, do RISTJ), mostra-se convergente no sentido de que, mesmo após a vigência do CPC/2015, continua aplicável o comando gizado na Súmula n. 111/STJ.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil, art. 85, §§ 3º e 4º, II

Súmulas

 

Súmula n. 111/STJ

Processo

 

REsp 1.986.304-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023. (Tema 1160/STJ)

Ramo do Direito

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Imposto de Renda Retido na Fonte – IRPF. Imposto de Renda Pessoa Jurídica – IRPJ. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Rendimentos de aplicações financeiras e variações patrimoniais decorrentes de correção monetária. Incidência. Tema 1160/STJ.

Destaque

 

O IR e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras, porquanto estas se caracterizam legal e contabilmente como Receita Bruta, na condição de Receitas Financeiras componentes do Lucro Operacional.

Informações do Inteiro Teor

 

De início, ressalte-se que a análise do caso rechaça qualquer analogia possível com os Temas n. 808 e n. 962 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal.

 

Com efeito, está sob exame nesta assentada a incidência do IRRF, do IRPJ e da CSLL sobre as variações patrimoniais das aplicações financeiras, variações estas decorrentes da utilização do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA ou de quaisquer outros índices reconhecidos em lei ou contrato, que reflitam a inflação do período, ou seja, quaisquer índices que tenham por objetivo realizar a correção monetária dos rendimentos de aplicações financeiras.

 

Cabe a distinção entre o que se discute nos presentes autos e o que foi discutido nos precedentes em sede de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, os quais reconheceram a não incidência de imposto de renda sobre juros de mora, seja em razão da mora no atraso do pagamento de remuneração laboral, seja em razão da mora proveniente da repetição de indébito tributário (RE 855.091 – RS, Tema n. 808: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”; e RE n. 1.063.187 – SC, Tema n. 962: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário)”.

 

Seguramente, juros de mora não equivalem a rendimentos de aplicações financeiras. Os rendimentos de aplicações financeiras mais se assemelham aos juros remuneratórios, os quais, como verba remuneratória que são, em nenhum momento foram analisados pelos mencionados precedentes do Supremo Tribunal Federal. Os juros de mora foram analisados pelo STF como verba indenizatória decorrente do atraso no pagamento de remuneração laboral ou da mora na repetição de indébito tributário, jamais da remuneração regular e em tempo que caracteriza as verbas remuneratórias, como no presente caso em que se trata de aplicações financeiras.

 

Outrossim, também cabe a distinção entre o que se discute nos presentes autos e o que foi discutido neste Superior Tribunal de Justiça nos precedentes que se referem à tributação do lucro inflacionário prevista no art. 21 da Lei n. 7.799/1989. Isso porque a tributação do lucro inflacionário foi aquela estabelecida especificamente nos arts. 4º e 21 a 26 da Lei n. 7.799/1989, que levava em consideração a incidência de correção monetária nas demonstrações financeiras das pessoas jurídicas envolvendo não apenas seus rendimentos, mas todos os seus bens.

 

Diferentemente, no caso sob exame agora nestes repetitivos há uma atividade econômica em andamento que é a própria aplicação financeira existente de cujo rendimento se fala, na condição de renda como produto do capital investido (art. 43, I, do CTN). Não se trata da tributação da universalidade de patrimônio inerte, mas de uma fração do patrimônio economicamente investido e submetido a determinadas regras de remuneração próprias do investimento realizado e que podem ou não incorporar índices inflacionários. Outrossim, as leis em vigor são outras totalmente distintas já que a sistemática do lucro inflacionário vigente para um período de total indexação da economia, como já dito, foi revogada pelo art. 4º da Lei n. 9.249/1995.

 

Assim, também é de se rechaçar aqui qualquer analogia possível com a sistemática de tributação do lucro inflacionário e respectivos precedentes produzidos nesta Casa. Nesse mesmo sentido já foi decidido por esta Primeira Seção ao decretar a ausência de similitude fático-jurídica entre os casos. (AgInt nos EREsp. 1.899.902 / RS, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 3.5.2022).

 

Avançando agora especificamente no tocante aos repetitivos em apreço, registra-se que o contribuinte não tem direito à dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL da inflação (correção monetária) incidente no período entre a data-base e o vencimento do título (aplicação financeira).

 

No que diz respeito ao rendimento calculado, a inflação corresponde apenas à atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo, que é permitida pelo art. 97, § 2º, do CTN, independentemente de lei, já que não constitui majoração de tributo.

 

A toda evidência, o rendimento é calculado a partir da diferença entre uma situação inicial e uma situação final. A liquidação, o resgate e a repactuação (manutenção do investimento) são situações expressamente previstas no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.981/1995 como hipóteses de incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, cuja base de cálculo é a diferença entre o valor da alienação e o valor da aplicação.

 

Como correção monetária também é moeda e a economia resta desindexada desde a vigência do art. 4º da Lei n. 9.249/1995, não há como a excluir do cálculo, pois assume contornos de remuneração pactuada quando da feitura do investimento. Observa-se que o contribuinte, em tais situações, também ganha com a correção monetária porque seu título ou aplicação financeira foi por ela remunerado. Sendo assim, há justiça na tributação dessa proporção, pois a restauração dos efeitos corrosivos da inflação deve atender tanto ao contribuinte (preservação do capital aplicado) quanto ao fisco (preservação do valor do tributo). E aqui convém fazer o mesmo exercício lógico para as situações de deflação: fisco e contribuinte serão afetados negativamente necessariamente na mesma proporção.

 

Do mesmo modo, analisada a questão sob o ângulo das despesas financeiras, se elas repercutem integralmente – incluindo a taxa de inflação nelas embutida – no montante das despesas contabilizadas no Resultado do Exercício, reduzindo automaticamente o lucro tributável, não é razoável que no caso de reconhecimento das receitas financeiras tal procedimento não se repita, usufruindo o contribuinte das vantagens de deduzir a correção monetária embutida em suas despesas financeiras, sem contabilizá-la como receita tributável em suas receitas financeiras.

 

Sem dúvida, os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras incrementam positivamente o patrimônio do contribuinte, diferentemente daquele outro que, possuindo o mesmo capital, o mantém em conta de simples depósito. Assim, pelo conjunto do raciocínio, há uma espécie de sociedade entre fisco e contribuinte no destino do capital aplicado que deve ser preservada. Essa é a lógica do artigo de lei citado (art. 97, § 2º, do CTN): manter o fato-signo presuntivo de riqueza íntegro, sem corrosão inflacionária.

 

No julgamento do RE 201.465/MG (STF, Pleno, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. para acórdão Ministro Nelson Jobim, julgado em 3.5.2002), quando o Supremo Tribunal Federal discutiu a atualização monetária das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas, o Ministro Nelson Jobim, relator para o acórdão, ressaltou que “[…] não há um direito constitucional à indexação real, nem nas relações privadas, nem nas relações de direito público, sejam elas tributárias ou de outra natureza. A questão é de direito monetário, pois, ampla a liberdade de conformação do legislador para dar, ou não, eficácia jurídica ao fenômeno da perda do valor de compra da moeda […]”.

 

Essa mesma compreensão foi adotada por este Superior Tribunal de Justiça ao definir que a correção monetária das demonstrações financeiras depende de lei que a autorize, de forma que, existindo regra que a vede (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.249/1995), não cabe ao poder judiciário atuar como legislador positivo e determinar um indexador para tanto.

 

Outrossim, a incidência da tributação deriva da aplicação do disposto no art. 404 do Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), que considera o total da variação monetária decorrente da aplicação de tais índices como receitas financeiras e reproduzem o disposto no art. 18 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e no art. 9º da Lei n. 9.718/1998. A incidência da tributação também deriva da aplicação do art. 788 do Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), que trazem as normas gerais de incidência do Imposto de Renda no Mercado de Renda Fixa e reproduzem a norma antielisiva constante do art. 51 da Lei n. 7.450/1985.

 

Veja-se que os dispositivos legais deixam claro que há uma via de duas mãos, pois as variações monetárias podem ser consideradas como receitas (variações monetárias ativas) ou despesas (variações monetárias passivas).

 

Isso significa que quando são negativas, geram prejuízo que irá reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos. É de observar que o pleito do contribuinte se volta apenas contra a parte da legislação que lhe prejudica (variações monetárias ativas), preservando a parte que lhe beneficia (variações monetárias passivas).

 

Ora, fosse o caso de se declarar a inconstitucionalidade da norma, haveria que ser declarada a inconstitucionalidade de toda a sistemática, tornando impossível a tributação de aplicações financeiras. Não é esse o caso, principalmente diante do repetitivo julgado por esta Casa no Tema 162, onde reconhecida a legalidade da tributação pelo IR e CSLL das aplicações financeiras (REsp 939.527/MG, Primeira Seção, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24/6/2009), e do recente julgamento em sede de repercussão geral pelo STF do Tema n. 699 (RE 612.686/SC, Plenário, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 28.10.2022), onde foi decidido pela constitucionalidade da incidência do IRRF e da CSLL sobre as receitas e resultados decorrentes das aplicações financeiras dos fundos fechados de previdência complementar.

 

O caso é que, em uma economia desindexada, a correção monetária, pactuada ou não, se torna componente do rendimento da aplicação financeira a que se refere. Sendo assim, seja pelo disposto no art. 97, II, § 2º, do CTN, seja pelo art. 18 do Decreto-Lei n. 1.598/1977, ou pelo art. 9º da Lei n. 9.718/1998, ou ainda pelo art. 51 da Lei n. 7.450/1985, o IRPJ e a CSLL incidem sobre a correção monetária das aplicações financeiras, posto que estas se caracterizam legal e contabilmente como Receita Bruta, na condição de Receitas Financeiras componentes do Lucro Operacional.

 

Também é farta a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a correção monetária não pode ser extraída da base de cálculo do Imposto de Renda.

 

O entendimento aplicável ao IRRF e ao IRPJ sabidamente também o é para a CSLL em razão do disposto no art. 6º da Lei n. 7.689/1988, no art. 57 da Lei n. 8.981/1995 e no art. 28 da Lei n. 9.430/1996, que estendem as normas de apuração do Imposto de Renda para a referida contribuição.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Tributário Nacional, arts. 43, I, 97, § 2º

 

Decreto-Lei n. 1.598/1977, art. 18

 

Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), arts. 404 e 788

 

Lei n. 7.450/1985, art. 51

 

Lei n. 7.689/1988, art. 6º

 

Lei n. 7.799/1989, arts. 4º, 21, 22 , 23, 24, 25 e 26

 

Lei n. 8.981/1995, arts. 57 e 65, §§ 1º e 2º

 

Lei n. 9.249/1995, art. 4º

 

Lei n. 9.430/1996, art. 28

 

Lei n. 9.718/1998, art. 9º

 

Lei n. 8.981/1995, art. 57

 

Lei n. 9.430/1996, art. 28

 

Decreto n. 9.580/2018 (RIR/2018), arts. 404 e 788

Precedentes Qualificados

 

Tema 162/STJ

 

Tema n. 699/STF

 

Tema n. 808/STF

 

Tema n. 962/STF

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

 

REsp 1.874.788-SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 2/3/2023. (Tema 1112)

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Saúde e Bem-Estar Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Seguro de vida em grupo e acidentes pessoais. Cláusulas restritivas. Dever de informação prévia. Exclusividade do estipulante. Tema 1112.

Destaque

 

(I) Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e (II) não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia reside em definir se cabe à seguradora e/ou ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao proponente (segurado) a respeito das cláusulas limitativas e restritivas dos contratos de seguro de vida em grupo.

 

O seguro pode se dar em duas grandes modalidades: o seguro individual e o seguro em grupo (ou coletivo).

 

No contrato securitário individual, a pessoa física ou jurídica é quem contrata diretamente com a seguradora o interesse segurável mediante o pagamento de um prêmio. Pode atuar, como intermediário, um corretor autorizado, o qual presta serviços, integrando a cadeia de fornecimento. Desse modo, tanto o ente segurador quanto o corretor de seguros devem prestar informações adequadas ao proponente quando da contratação (CDC e arts. 2º, VIII, “b”, e 3º, caput, e § 1º, V, VI e VIII, da Resolução CNSP n. 382/2020).

 

Nos seguros de vida em grupo, há a figura do estipulante, que é a pessoa natural ou jurídica que estipula o seguro de pessoas em proveito do grupo que a ela se vincula (arts. 2º e 3º da Res. CNSP n. 434/2021), ou seja, nesses seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/1966).

 

Assim, o estipulante assume perante o segurador a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, a exemplo da movimentação cadastral e do pagamento do prêmio recolhido dos segurados. Todavia, a teor do art. 801, § 1º, do CC, o estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, exercendo papel independente das demais partes que participam do contrato.

 

De início, o estipulante, possuidor de poderes de representação legal, contrata o seguro coletivo com a seguradora com vistas a facultar a adesão de um grupo de pessoas, geralmente a ele vinculadas previamente por relação empregatícia ou associativa.

 

Situação diversa é aquela da estipulação imprópria, em que o estipulante possui tão só vínculo securitário com o grupo segurado, de modo que as apólices coletivas, nesses casos, deverão ser consideradas apólices individuais no que concerne ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

 

Concluída a etapa da formação da apólice mestre, o estipulante deve formalizar as adesões, conferindo a qualidade de segurado às pessoas a ele vinculadas.

 

Desse modo, é essencial, na fase de adesões, o correto esclarecimento ao segurado em potencial do produto coletivo contratado, competindo ao estipulante bem exercer o dever de informação, inclusive quanto às cláusulas restritivas e limitativas de direitos.

 

No contrato de seguro individual, a seguradora conhece o proponente na fase de aceitação da proposta, antes de emitir a apólice. Já no seguro em grupo, a seguradora não conhece o aderente, pois sua inclusão no grupo segurado é feita pelo estipulante.

 

É dizer: antes das adesões das pessoas vinculadas ao estipulante, a sociedade seguradora nem sequer pode identificar com precisão os indivíduos que efetivamente irão compor o grupo segurado, o que evidencia ser incompatível com a estrutura do contrato coletivo atribuir à seguradora o dever de informação prévia ao segurado, a não ser quando provocada especificamente e individualmente para tanto.

 

Dessa forma, no seguro de vida em grupo, quando o segurado adere à apólice coletiva, não há nenhuma interlocução da seguradora, ficando a formalização da adesão restrita ao estipulante e ao proponente. Daí o dever de informação que recai sobre o estipulante e não sobre a seguradora.

 

Ressalte-se que tal entendimento não afasta a obrigatoriedade de a seguradora prestar informações acerca das relações contratuais sempre que solicitada pelo estipulante ou por cada componente do grupo segurado, conforme o art. 10, III, da Res. CNSP n. 434/2021.

 

Ainda, é possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo pagamento da indenização securitária em hipóteses relacionadas com o mau cumprimento de suas obrigações contratuais (como o recolhimento indevido de prêmios após a extinção do contrato de seguro) ou de criação nos segurados de legítima expectativa de ser ele o responsável por esse pagamento.

 

Convém asseverar também que, na estipulação imprópria, ou seja, naquela em que o vínculo entre os membros do grupo segurável e o estipulante é estritamente securitário, não havendo, portanto, prévia relação associativa ou trabalhista entre eles, o contrato coletivo deverá ser descaracterizado como se individual fosse a cada segurado, sobretudo quando a atuação do estipulante for desvirtuada (falso estipulante), deixando de representar os interesses do grupo segurado em prol da seguradora (art. 8º da Circular-SUSEP n. 667/2022).

Informações Adicionais

Legislação

 

Decreto-Lei n. 73/1966, art. 21, § 2º

 

Circular-SUSEP n. 667/2022, art. 8º

 

Código Civil, art. 801, § 1º

 

Res. CNSP n. 434/2021, arts. 2º, 3º e 10, III

 

Res. CNSP n. 382/2020, arts. 2º, VIII, “b”, 3º, caput e § 1º, V, VI e VIII

RECURSOS REPETITIVOS

Processo

 

REsp 1.977.547-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023. (Tema 1167)

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Igualdade de gênero Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Audiência do art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Realização. Necessidade de prévia manifestação do desejo da vítima de se retratar. Designação de ofício pelo magistrado. Impossibilidade. Tema 1167.

Destaque

 

A audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se a audiência preliminar prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é ato processual obrigatório determinado pela lei ou se configura apenas um direito da ofendida, caso manifeste o desejo de se retratar.

 

A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já apresentada. Dessarte, dispõe o art. 16 da Lei n. 11.340/2006 que, “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

 

A norma cuida apenas das hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação, nas quais a representação da vítima constitui condição de procedibilidade para a instauração do inquérito policial e de futura ação penal.

 

Essencialmente, são duas as condições necessárias e concomitantes para a realização da audiência: (1) a prévia manifestação da vítima levada ao conhecimento do juiz, expressando seu desejo de se retratar e (2) a confirmação da retratação da vítima perante o magistrado, antes do recebimento da denúncia, em audiência especialmente designada para tanto.

 

Nesse sentido, é imperativo que a vítima, sponte propria, revogue sua declaração anterior e leve tal revogação ao conhecimento do magistrado para que se possa cogitar da necessidade de designação da audiência específica prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Pode-se mesmo afirmar que a intenção do legislador, ao criar tal audiência, foi a de evitar ou pelo menos minimizar a possibilidade de oferecimento de retratação pela vítima em virtude de ameaças ou pressões externas, garantindo a higidez e autonomia de sua nova manifestação de vontade em relação à persecução penal do agressor.

 

Assim, não há como se interpretar a regra contida no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 como uma audiência destinada à confirmação do interesse da vítima em representar contra seu agressor, pois a letra da lei deixa claro que tal audiência se destina à confirmação da retratação. Como regra geral, o Direito Civil (arts. 107 e 110 do CC) já prevê que, exarada uma manifestação de vontade por indivíduo reputado capaz, consciente, lúcido, livre de erros de concepção, coação ou premente necessidade, tal declaração é válida até que sobrevenha manifestação do mesmo indivíduo em sentido contrário.

 

Transposto o raciocínio para o contexto que circunda a violência doméstica, a realização de novo questionamento sobre a subsistência do interesse da vítima em representar contra seu agressor ganha contornos mais sensíveis e até mesmo agravadores do estado psicológico da vítima, na medida em que coloca em dúvida a veracidade de seu relato inicial, quando não raras vezes ela está inserida em um cenário de dependência emocional e/ou financeira, fazendo com que a ofendida se questione se vale a pena denunciar as agressões sofridas, enfraquecendo o objetivo da Lei Maria da Penha de garantir uma igualdade substantiva às mulheres que sofrem violência doméstica e até mesmo levando-as, desnecessariamente, a reviver os traumas decorrentes dos abusos.

 

Esta Corte também tem entendido que “a audiência do art. 16 deve ser realizada nos casos em que houve manifestação da vítima em desistir da persecução penal. Isso não quer dizer, porém, que eventual não comparecimento da ofendida à audiência do art. 16 ou a qualquer ato do processo seja considerado como ‘retratação tácita’. Pelo contrário: se a ofendida já ofereceu a representação no prazo de 06 (seis) meses, na forma do art. 38 do CPP, nada resta a ela a fazer a não ser aguardar pelo impulso oficial da persecutio criminis” (AREsp 1.165.962/AM, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, DJe 22/11/2017; EDcl no REsp 1.822.250/SP, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 11/11/2019).

 

Tudo isso ponderado, ressalta nítido que a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 não pode ser designada de ofício pelo magistrado, até porque uma iniciativa com tal propósito corresponderia à criação de condição de procedibilidade (ratificação da representação) não prevista na Lei Maria da Penha, viciando de nulidade o ato praticado de ofício pelo juiz.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), art. 16

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

 

CC 162.902-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 2/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL TRABALHISTA, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Cessão de crédito trabalhista reconhecido em sentença transitada em julgado. Competência para processar e julgar cumprimento de sentença trabalhista, já iniciado, cujo crédito reconhecido é cedido a terceiro. Competência da justiça trabalhista.

Destaque

 

É competência da Justiça trabalhista processar e julgar o cumprimento de sentença por ela proferida, ainda que tenha ocorrido a cessão a terceiro da titularidade do crédito nela reconhecido.

Informações do Inteiro Teor

 

O Supremo Tribunal Federal, ao cuidar do Tema n. 361/STF (transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado), definiu que a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza (alimentar).

 

Em atenção ao princípio hermenêutico ubi eadem ratio ibi eadem jus (onde há a mesma razão aplica-se o mesmo direito), que seus fundamentos afiguram-se in totum aplicáveis à discussão aqui travada. Isso porque o fundamento precípuo que costuma embasar o deslocamento da competência da Justiça trabalhista para a Justiça comum seria a insubsistência de sua natureza trabalhista, provocada pela cessão a terceira pessoa.

 

Em favor da coerência do sistema jurídico, relevante anotar, ainda, que a Lei n. 14.112/2020 revogou o § 4º do art. 83 da Lei n. 11.101/2005 (que estabelecia o rebaixamento do crédito trabalhista cedido à qualidade de quirografário) e incluiu o § 5º, com a seguinte redação: para fins do disposto nesta lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação.

 

Em atenção ao princípio da perpetuatio jurisdictionis, adotado no art. 43 do Código de Processo Civil, a efetivação da cessão de crédito trabalhista, reconhecido em sentença transitado em julgado, promove apenas a substituição processual da parte exequente, sem nenhuma repercussão na competência material da Justiça laboral, definida quando da distribuição do feito, haja vista que o conteúdo trabalhista do crédito remanesce incólume.

 

A hipótese é expressamente regulada pelo Código de Processo Civil – aplicável subsidiária e supletivamente ao processo trabalhista – no inciso III do art. 778, ao estabelecer ser dado ao cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos, promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão processual ao exequente originário, inexistindo qualquer repercussão nas regras de competência. O dispositivo legal em comento, inclusive, dispensa a concordância da parte executada.

 

Afigura-se, portanto, inderrogável pela vontade das partes a competência funcional da Justiça trabalhista, única competente para processar e julgar o cumprimento de sentença por ela proferida, sendo, a esse propósito, irrelevante a alteração da titularidade do crédito nela reconhecido.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 14.112/2020

 

Código de Processo Civil, art. 43

 

Código de Processo Civil, art. 778, inciso III

TERCEIRA SEÇÃO

Processo

 

CC 193.369-PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 2/3/2023, DJe 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Falsidade ideológica. Emissão de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena – RANI. Crime em detrimento de autarquia federal (FUNAI). Aplicação analógica da Súmula n. 546/STJ. Conduta que buscava inscrição indevida em programa de transferência de renda custeada pelo Tesouro Nacional. Bolsa Família. Interesse da União. Competência da Justiça Federal.

Destaque

 

Compete à Justiça Federal o julgamento de crime de falsidade ideológica, consistente no fornecimento de informação inverídica a servidor da FUNAI, para fins de emissão de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena – RANI.

Informações do Inteiro Teor

 

O objeto do conflito cinge-se a definir o Juízo competente para processar o crime de falsidade ideológica, consubstanciado no fornecimento de informação inverídica para confecção de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e posterior inscrição em cadastro de programa de transferência de renda de âmbito nacional.

 

O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) é lavrado perante a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, autarquia federal, sendo um meio para instruir o registro civil de indígena (art. 13, parágrafo único, da Lei n. 6.001/1973).

 

Considerando que a informação falsa foi fornecida a servidor de autarquia federal, entendo que a competência seja da Justiça Federal, ante a existência de interesse direto da União no crime sob apuração, sendo o caso de aplicar, por analogia, o entendimento firmado na Súmula n. 546/STJ: “A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor”.

 

Ademais, a existência de indícios de que a falsificação visava à inscrição em programa de transferência de renda, custeado com os recursos do Tesouro Nacional, também é suficiente para atrair o interesse da União no crime sob apuração.

 

Desse modo, compete à Justiça Federal o julgamento do crime de falsidade ideológica, consubstanciado no fornecimento de informação inverídica a servidor de autarquia federal (FUNAI), para fins de emissão de RANI (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena), seja porque tal conduta foi perpetrada em detrimento de servidor da autarquia federal, seja porque, no caso, o delito visava à inscrição indevida em programa de transferência de renda custeado com recursos do Tesouro Nacional.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 6.001/1973, art. 13, parágrafo único

Súmulas

 

Súmula n. 546/STJ

PRIMEIRA TURMA

Processo

 

REsp 2.037.693-GO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Execução fiscal. Fazenda Pública estadual. Exceção de pré-executividade. Acolhimento parcial. Honorários advocatícios. Cabimento. Dispensa prevista na Lei n. 10.522/2002. Inaplicabilidade.

Destaque

 

A norma contida no art. 19, § 1º, I, da Lei n. 10.522/2002, que dispensa o pagamento de honorários advocatícios na hipótese de o exequente reconhecer a procedência do pedido veiculado pelo devedor em embargos à execução fiscal ou em exceção de pré-executividade, é dirigida exclusivamente à Fazenda Nacional, não sendo aplicável no âmbito de execução fiscal ajuizada por Fazenda Pública estadual.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia diz respeito ao cabimento da condenação da Fazenda Pública exequente em honorários advocatícios na hipótese de ela concordar com a defesa apresentada pelo devedor em sede de exceção de pré-executividade.

 

A regra geral disposta no caput do art. 90 do CPC/2015 é a de que “proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu”.

 

Cumpre destacar que, para o caso retratado, a jurisprudência desta Corte Superior já sedimentou a orientação de que o acolhimento de exceção de pré-executividade, ainda que parcial, enseja a condenação da Fazenda Pública exequente ao pagamento da verba honorária. A esse respeito, confira-se a tese firmada no julgamento do Tema 410 do STJ: “O acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará o arbitramento dos honorários, que serão fixados nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/1973, do mesmo modo que o acolhimento parcial da exceção de pré-executividade, porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial da execução”.

 

Ocorre que a Lei n. 10.522/2002 contém uma regra que afasta a condenação da Fazenda Nacional exequente ao pagamento da verba honorária quando ela não se opuser à defesa apresentada pelo devedor em sede de embargos à execução fiscal ou exceção de pré-executividade acerca de determinados temas.

 

Do que se observa, essa regra é mesmo de direito processual civil, de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal), visto que excepciona a aplicação de norma geral prevista expressamente no estatuto processual vigente que cuida do cabimento dos honorários advocatícios.

 

Ocorre que, por se tratar de norma de exceção, deve ela ser interpretada restritivamente, não comportando aplicação extensiva, seja por analogia ou equidade.

 

E, para o caso vertente, a literalidade do disposto no art. 19, § 1º, I, da Lei n. 10.522/2002 somente prevê a dispensa da verba honorária para os casos de reconhecimento da procedência do pedido manifestada por Procurador da Fazenda Nacional, ou seja, em execuções fiscais de créditos federais.

 

O almejado reconhecimento judicial desse direito à Fazenda Pública estadual implica indevida integração da mencionada norma pelo poder judiciário, pois acaba por adicionar como destinatário do benefício processual pessoa de direito público não contemplada no texto do projeto de lei aprovado por ambas as casas do Congresso Nacional, afrontando assim o postulado constitucional da separação dos poderes da República.

 

Acresce-se, por oportuno, que eventual vício de inconstitucionalidade da citada norma processual pela alegada afronta aos princípios da isonomia e simetria entre os entes federados justificaria, quando muito, a nulidade desse artigo de lei a impedir a utilização desse benefício processual pela Fazenda Nacional, mas não a extensão desse direito à pessoa de direito público não contemplada no dispositivo legal.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC/2015), art. 90

 

Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 20, § 4º

 

Constituição Federal, art. 22, I

 

Lei n. 10.522/2002, art. 19, § 1º, I

SEGUNDA TURMA

Processo

 

AREsp 2.130.619-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 10/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Vazamento de dados pessoais. Dados comuns e sensíveis. Dano moral presumido. Impossibilidade.

Destaque

 

O vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido.

Informações do Inteiro Teor

 

Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por pessoa idosa contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais.

 

O art. 5º, II, da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis.

 

Os dados objeto da lide são aqueles que se fornece em qualquer cadastro, inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo, e o conhecimento por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da recorrida.

 

O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações.

 

Diferente seria se, de fato, estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural.

 

Informações Adicionais

Súmulas

 

Lei n. 13.709/2018, art. 5, II

TERCEIRA TURMA

Processo

 

REsp 2.024.829-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Contrato de compra e venda de imóvel. Rescisão contratual. Cláusula penal compensatória. Pagamento em montante único. Taxa de ocupação do imóvel. Cumulação. Possibilidade.

Destaque

 

É possível a cumulação da multa fixada em cláusula penal compensatória, em montante único, com a taxa de ocupação na hipótese de extinção de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do comprador.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 389 do Código Civil impõe o dever de indenizar as perdas e danos decorrentes do inadimplemento absoluto ou da mora. Assim, é facultado às partes convencionar em contrato uma multa por eventual descumprimento contratual, seja em razão de mora, denominada cláusula penal moratória, seja em razão de inadimplemento absoluto, chamada cláusula penal compensatória.

 

Preceitua o art. 394 do Código Civil que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

 

Nesses termos, a cláusula penal moratória prefixa a indenização por inadimplemento relativo quando o cumprimento do dever ainda se mostrar útil ao credor, visando a reparar o dano causado a uma das partes por violação de obrigação e a estimular o devedor a cumprir sua prestação.

 

No Tema 970/STJ, definiu-se que a cláusula penal moratória, por ter a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, é, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afastando-se sua cumulação com lucros cessantes.

 

Na fundamentação do julgamento desse repetitivo, contudo, assentou-se que se a multa for estabelecida em montante único e, por isso, for insuficiente à reparação integral do dano sofrido, pode haver indenização suplementar.

 

Não obstante, é imperioso repisar que o entendimento firmado no Tema 970/STJ se refere à cláusula penal moratória, estabelecida em valor mensal.

 

Situação distinta é a da cláusula penal compensatória, na qual as perdas e danos são prefixadas para as hipóteses de inadimplemento absoluto, como a rescisão contratual.

 

Tal como ocorre na cláusula penal moratória, somente na hipótese de prejuízos extraordinários, a indenização devida ao credor poderá ultrapassar o montante determinado na cláusula penal.

 

Em que pese o texto da tese jurídica firmada na Segunda Seção afirme que não há diferença para o percentual de retenção o fato de o bem ter sido utilizado, essa afirmação não significa que a ocupação do imóvel não deva ser remunerada, mas que, independentemente de ter sido ocupado o bem, mantém-se os 25% de retenção dos valores pagos pelos adquirentes, e a taxa de ocupação, se cabível, será cobrada separadamente.

 

Nesses termos, a fundamentação do REsp 1.723.519/SP, ao analisar o cabimento da cumulação da cláusula penal compensatória por rescisão contratual com a taxa de ocupação do imóvel.

 

Portanto, a indenização pelo tempo de fruição do imóvel, configura-se como um dano extraordinário por ir além do que naturalmente se espera quando se trata de rescisão contratual causada por uma das partes.

 

A taxa de ocupação não guarda relação direta com a rescisão contratual. Ela decorre dos benefícios que auferiu o ocupante pela fruição do bem, razão pela qual não foi incluída no cálculo prévio.

 

Outrossim, nas hipóteses em que a cláusula penal equivaler à multa em montante único, fica ainda mais evidente o cabimento da cumulação. O pagamento de taxa de ocupação é devido pelo promissário comprador por consubstanciar uma retribuição pela utilização de bem alheio durante determinado período temporal, evitando que ele se favoreça da situação do rompimento contratual em prejuízo do vendedor.

 

A indenização pelo tempo de utilização do imóvel tem natureza jurídica de aluguéis e se justifica pela vedação ao enriquecimento sem causa. Por isso, a indenização pelo tempo de fruição do bem deve basear-se no valor de aluguel do imóvel em questão e o promissário vendedor deve receber pelo tempo de permanência do comprador desistente.

 

Assim, diante da extinção do contrato de compra e venda por culpa do comprador, se foi estabelecido montante fixo a título de cláusula penal compensatória, o promitente vendedor faz jus à retenção de parcela dos valores pagos pelo comprador e também à indenização pelo tempo que o bem foi ocupado.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil, art. 394

 

Código Civil, art. 389

Processo

 

Processo em segredo de Justiça, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Julgamento não unânime do recurso de apelação e posterior unanimidade no julgamento dos respectivos embargos de declaração. Art. 942, caput, do Código de Processo Civil. Técnica de ampliação do colegiado. Inobservância. Nulidade.

Destaque

 

O julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de o entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia a examinar se o julgamento dos embargos de declaração opostos contra acórdão proferido pelo colegiado ampliado também deve observar a sistemática do art. 942 do Código de Processo Civil.

 

De acordo com a doutrina, “dispõe o art. 942 que, não sendo unânime o resultado da apelação, o julgamento não se encerrará com a coleta dos votos dos três juízes que formam a turma julgadora. Terá prosseguimento em nova sessão para a qual serão convocados outros julgadores, na forma do regimento interno, em número suficiente para ‘garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial’. Assim, no julgamento por turma de três juízes, dois serão convocados para o prosseguimento do julgamento, em sessão que assegurará às partes o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”.

 

Como já exaustivamente afirmado por esta Corte e pela doutrina, a técnica disciplinada no art. 942 do CPC não disciplina um novo recurso, mas um simples incidente de ampliação do julgamento iniciado, a ser aplicado de ofício, independentemente de requerimento, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito da questão jurídica controvertida.

 

De forma uníssona, cita-se, ainda, os seguintes enunciados das Jornadas do Centro de Estudos Judiciários – CEJ (Conselho da Justiça Federal – CNJ) e do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC: Jornada CEJ/CJF, Enunciado 137: “Se o recurso do qual se originou a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do art. 942 do CPC, os declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada”. FPPC, Enunciado 700: “O julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão proferido pelo colegiado ampliado será feito pelo mesmo órgão com colegiado ampliado”.

 

É esse o entendimento que deve prevalecer no caso. À luz do que disciplina o art. 942 do CPC, é inegável que o julgamento pela maioria determina, nas hipóteses legais, uma nova composição para o órgão julgador.

 

Desse modo, há que se frisar que, em razão da precípua finalidade integrativa, os embargos de declaração devem ser julgados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão recorrida.

 

Assim, conclui-se que o julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de, por outro lado, a depender da composição do órgão julgador, o entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor se, excepcionalmente, forem atribuídos efeitos infringentes aos aclaratórios.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil, art. 942

QUINTA TURMA

Processo

 

RHC 173.448-DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Ação de improbidade administrativa. Absolvição. Repercussão sobre a ação penal. Independência das esferas. Ausência do elemento subjetivo dos particulares. Crime contra a Administração Pública. Especificidades examinadas pela esfera cível. Dolo de atentar contra os princípios da administração não configurado. Exceção à independência das esferas. Justa causa para ação penal esvaziada.

Destaque

 

A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.

Informações do Inteiro Teor

 

A jurisprudência desta Corte entende que a sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados (REsp 1.847.488/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/4/2021).

 

A independência das esferas tem por objetivo o exame particularizado do fato narrado, com base em cada ramo do direito, devendo as consequências cíveis e administrativas ser aferidas pelo juízo cível e as consequências penais pelo Juízo criminal, dada a especialização de cada esfera. No entanto, as consequências jurídicas recaem sobre o mesmo fato.

 

No caso, verifica-se que a absolvição ocorreu em virtude da ausência de comprovação do elemento subjetivo dos particulares. Ficou consignado pela instância cível que a prova dos autos demonstra apenas o dolo do gestor público, não justificando a condenação dos particulares. Destacou-se, ademais, que a pessoa jurídica nem ao menos logrou êxito em ser a primeira colocada entre os concorrentes na dispensa de licitação, precisando baixar seu preço para ser escolhida. Por fim, registrou-se que não se auferiu benefício, uma vez que o contrato foi anulado pela Corte de Contas.

 

Nessa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, pois se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se considere a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma, em atipicidade.

 

Anote-se, por oportuno, que se trata de crime contra a Administração Pública, cuja especificidade recomenda atentar para o que decidido, a respeito dos fatos, na esfera cível. Deve-se levar em consideração que o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, incluído pela Lei n. 14.230/2021, disciplina que “a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Código de Processo Penal”.

 

Embora referido dispositivo esteja com a eficácia suspensa por liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 27/12/2022, na ADI 7.236/DF, tem-se que o legislador pretendeu definir ampla exceção legal à independência das esferas que, apesar de não autorizar o encerramento da ação penal em virtude da absolvição na ação de improbidade administrativa por qualquer fundamento, revela que existem fundamentos tão relevantes que não podem ser ignorados pelas demais esferas. Pela letra da lei, uma absolvição na seara penal, por qualquer fundamento, não pode permitir a manutenção da ação de improbidade.

 

A suspensão do art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, na redação dada pela Lei n. 14.230/2021 (ADI 7.236/DF) não atinge a vedação constitucional do ne bis in idem (Rcl 57.215/DF MC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 6/1/2023), e, sem justa causa não há persecução penal.

 

Portanto, apesar de, pela letra da lei, o contrário não justificar o encerramento da ação penal, inevitável concluir que a absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida, esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. De fato, não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível.

 

Tendo a instância cível afirmado que não ficou demonstrado que os particulares induziram ou concorreram dolosamente para a prática de ato que atente contra os princípios da administração, registrando que “a amplitude da previsão legislativa não pode induzir o intérprete a acolher ilações do autor da ação civil pública, pois ausente a subsunção dos fatos à norma que prevê a responsabilização dos particulares na Lei n. 8.429/92 (art. 3º)”, não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite, motivo pelo qual não se justifica a manutenção desta última. Nas palavras do Ministro Humberto Martins, “a unidade do Direito” deve se pautar pela coerência.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 8.429/1992, art. 21, § 4º (redação dada pela Lei n. 14.230/2021) (ADI 7.236/DF)

Processo

 

RHC 168.797-PI, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 10/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Corrupção passiva. Investigação que tramitou perante Central de Inquéritos. Norma estadual que afastou a apuração de crimes contra a administração pública da competência da Central de Inquéritos. Ausência de dúvida razoável quanto ao Juízo competente. Teoria do Juízo Aparente. Não aplicação. Nulidade dos atos processuais praticados.

Destaque

 

Havendo norma estadual que expressamente institui ressalvas à apuração de determinados delitos pela Central de Inquéritos, afasta-se a aplicação da Teoria do Juízo Aparente na convalidação dos atos processuais em razão da ausência de dúvida razoável no tocante ao órgão judiciário competente.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 567 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”. Entre os atos decisórios proferidos pelo Juízo da Central de Inquéritos, no caso, estão aqueles que determinaram e prorrogaram as interceptações telefônicas.

 

Por sua vez, a jurisprudência pátria admite a convalidação dos atos processuais praticados por Juízo incompetente – inclusive dos decisórios – nas hipóteses em que recaia uma dúvida razoável no que concerne a qual o Juízo competente para processar e julgar determinado caso.

 

Tal técnica de julgamento é denominada na doutrina e jurisprudência como Teoria do Juízo Aparente, segundo a qual “não há nulidade na medida investigativa deferida por magistrado que, posteriormente, vem a declinar da competência por motivo superveniente e desconhecido à época da autorização judicial” (HC 120.027, Rel. Ministro Marco Aurélio, relatoria para acórdão Ministro Edson Fachin, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015).

 

Contudo, verifica-se que a aplicação da Teoria do Juízo Aparente foi rechaçada pelo Tribunal de origem, haja vista que desde os primeiros momentos da investigação já se tinha a notícia de que os fatos ilícitos ali apurados caracterizariam crimes contra a administração pública.

 

No caso, a norma que instituiu a Central de Inquéritos da Comarca estadual fez ressalva expressa acerca da ausência de competência daquela unidade para processar os feitos em que se apuram crimes contra a administração pública. Logo, não há dúvida razoável no que se refere a qual seria o órgão judiciário competente e, menos ainda, de que a descoberta de algum fato posterior tenha demonstrado a competência de outro órgão.

 

Portanto, a consequência legal do reconhecimento da incompetência do Juízo, nos termos do art. 564, I, do CPP, é a nulidade das decisões por ele proferidas e, não sendo possível excepcionar a regra por aplicação da Teoria do Juízo Aparente, se torna inviável o aproveitamento de tais atos após a remessa dos autos ao Juízo competente.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal, arts. 564, I, e 567

SEXTA TURMA

Processo

 

HC 723.644-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 9/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura. Crime do art. 359-C do Código Penal. Despesas não pagas e não especificadas. Requisitos da sentença. Tipicidade não demonstrada. Prejuízo a ampla defesa. Adequação ao tipo penal do art. 1º, V e § 1º, do Decreto-lei n. 201/1967. Possibilidade.

Destaque

 

A condenação pelo art. 359-C do Código Penal deve especificar despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres do mandato, que não puderam ser pagas no mesmo exercício financeiro ou no exercício seguinte. Essa análise não pode ser global, considerando a iliquidez total do caixa, sob pena de prejudicar a ampla defesa.

Informações do Inteiro Teor

 

A sentença penal condenatória cumpre firmar a pertinência da denúncia, reconhecendo se o imputado praticou conduta penalmente típica, ilícita e culpável, para então fixar-lhe a pena, nos termos do art. 381 do Código de Processo Penal.

 

Após fixar certeza acerca da autoria e da materialidade, o juízo deverá estabelecer relação de tipicidade entre a conduta apurada e o comando penal incriminatório. Assim, é essencial que todos os elementos da norma penal incriminadora estejam satisfeitos para que se possa submeter o réu às consequências previstas.

 

Fixadas tais premissas, dispõe o art. 359-C do Código Penal, inserido pela Lei n. 10.028/2000, que “Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.

 

O que se infere é que tanto a acusação quanto a condenação pelo tipo em questão devem especificar as despesas contraídas nos dois últimos quadrimestres do mandato que não puderam ser pagas no mesmo exercício financeiro ou no exercício seguinte. Essa análise não pode ser global, considerando a iliquidez total do caixa, sob pena de prejudicar a ampla defesa.

 

No caso, extrai-se que o objeto da condenação foi o aumento de despesa nos dois últimos quadrimestres do mandato e o aumento da iliquidez do caixa do município, de R$ 1.300.260,03 (um milhão, trezentos mil, duzentos e sessenta reais e três centavos) para R$ 6.393.325,57 (seis milhões, trezentos e noventa e três mil, trezentos e vinte e cinco reais e cinquenta e sete centavos). Não se especificou, no entanto, nem na denúncia, nem na sentença e nem no acórdão que julgou a apelação, a ou as obrigações, autorizadas ou ordenadas, que não puderam ser pagas naquele último exercício financeiro do mandato, ou no exercício seguinte, por falta de contrapartida suficiente de caixa.

 

Portanto, não se vislumbra o adimplemento de todas as elementares do art. 359-C do Código Penal.

 

É preciso salientar, no entanto, que, a despeito de eventual atipicidade quanto ao mencionado dispositivo, a conduta pode guardar relação de tipicidade com outros dispositivos da legislação federal, como, por exemplo, o art. 1º, V e § 1º, do Decreto-Lei n. 201/1967, tipo este mais geral. Essa possibilidade pode levar à correção da imputação pelo Juízo, nos termos do art. 383 do CPP, não necessariamente à absolvição do acusado.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal, art. 359-C (alterado pela Lei n. 10.028/2000)

 

Código de Processo Penal, arts. 381 e 383

 

Decreto-Lei n. 201/1967, art. 1º, V e § 1º

Processo

 

REsp 2.024.381-TO, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Acordo de não persecução penal – ANPP. Art. 28-A do CPP. Recusa de oferecimento pelo Ministério Público. Intimação do acusado para fins do § 14 do art. 28 do CPP. Não obrigatoriedade. Inexistência de previsão legal. Rejeição da denúncia. Error in procedendo.

Destaque

 

Por ausência de previsão legal, o Ministério Público não é obrigado a notificar o investigado acerca da proposta do Acordo de Não Persecução Penal.

 

Informações do Inteiro Teor

 

O Tribunal de origem concluiu que, ante a ausência de previsão legal, não pode o Juízo a quo simplesmente rejeitar denúncia ofertada, por ausência de interesse processual do Ministério Público, como forma de o Judiciário forçar a propositura de eventual acordo de não persecução penal (ANPP) que, no entendimento do julgador de piso, seria possível. Dessa forma, entendendo que, ao oferecer a denúncia, o Ministério Público não expôs motivação idônea para a recusa em propor o ANPP, a Corte a quo determinou a manifestação do representante ministerial a esse respeito.

 

Com relação ao tema, o entendimento do Tribunal de origem encontra respaldo na jurisprudência do STJ, no sentido de que, por ausência de previsão legal, não está o Ministério Público obrigado a notificar o investigado acerca da propositura do acordo de não persecução penal, podendo a acusação, no ato do oferecimento da denúncia, expor os motivos pelos quais optou pela não propositura do acordo e, na ocasião do recebimento da denúncia e citação, será o acusado cientificado da recusa quanto à propositura do ANPP.

 

“Assim, ao se interpretar conjuntamente os arts. 28-A, § 14, e 28, caput, ambos do Código de Processo Penal, chega-se às seguintes conclusões: a) Em razão da natureza jurídica do acordo de não persecução penal (negócio jurídico pré-processual) e por não haver, atualmente, normal legal que impõe ao Ministério Público a remessa automática dos autos ao órgão de revisão, tampouco que o obriga a expedir notificação ao investigado, poderá a acusação apresentar os fundamentos pelos quais entende incabível a propositura do ajuste na cota da denúncia; b) Recebida a inicial acusatória e realizada a citação, momento no qual o acusado terá ciência da recusa ministerial em propor o acordo, cabe ao denunciado requerer (conforme exige o art. 28-A, § 14, do CPP) ao Juízo (aplicação do art. 28, caput, do CPP, atualmente em vigor), na primeira oportunidade dada para a manifestação nos autos, a remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial” (HC 664.016/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 17/12/2021).

 

Portanto, conforme a jurisprudência desta Corte Superior, por ausência de previsão legal, o Ministério Público não é obrigado a notificar o investigado acerca da propositura do acordo de não persecução penal, sendo que, ao se interpretar conjuntamente os artigos 28-A, § 14, e 28, caput, do CPP, este último em vigor em virtude de medida cautelar deferida pelo STF, na ADI n. 6.298/DF, a ciência da recusa ministerial deve ocorrer por ocasião da citação, após o recebimento da denúncia, podendo o acusado, na primeira oportunidade para manifestação nos autos, requerer a remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial.

 

Nesse contexto, tem-se que o acórdão recorrido, ao anular a sentença que rejeitou a denúncia em razão da ausência de notificação específica do investigado acerca da propositura ou recusa do acordo de não persecução penal, determinando o prosseguimento do feito, para que o Ministério Público apresente manifestação fundamentada sobre o ANPP, não diverge do entendimento firmado por este Superior Tribunal de Justiça.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal, arts. 28-A, § 14, e 28, caput

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/2/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Apuração de atos infracionais. Momento da oitiva do representado. Último ato da instrução. Recentes precedentes do STF. Mudança do entendimento do STJ. Adequação. Prevalência do art. 400 do CPP sobre o regramento especial (art. 184 do ECA). Proibição de tratamento mais gravoso ao adolescente.

Destaque

 

A oitiva do representado deve ser o último ato da instrução no procedimento de apuração de ato infracional.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n. 11.719/2008, dispõe que o interrogatório será realizado ao final da instrução criminal. Contudo, segundo a regra contida no art. 394, § 2º, do mesmo diploma processual, “aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial”. Nessa exceção, está incluído o procedimento de apuração de ato infracional, que é regulado por lei especial (Lei n. 8.069/1990) e atrai a aplicação das normas do Código de Processo Penal apenas de forma subsidiária, conforme autoriza o art. 152 da referida lei.

 

No que diz respeito especificamente ao momento para a oitiva do representado, o art. 184 do Estatuto da Criança e do Adolescente, diferentemente do Código de Processo Penal, prevê que: “oferecida a representação, a autoridade judiciária designará audiência de apresentação do adolescente, decidindo, desde logo, sobre a decretação ou manutenção da internação, observado o disposto no art. 108 e parágrafo”.

 

Nesse sentido, em regra, em caso de antinomia de segundo grau aparente, havendo conflito entre uma norma especial anterior (art. 184 da Lei n. 8.069/1990) e outra geral posterior (art. 400 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008), prevalecerá o critério da especialidade.

 

Logo, com base nos dispositivos legais aqui citados, a orientação jurisprudencial desta Corte Superior consolidou-se no seguinte sentido: se para o julgamento dos atos infracionais há rito próprio, no qual a oitiva do representado inaugura a instrução, é de se afastar o rito ordinário (art. 400 do CPP) nesses casos, em razão da especialidade.

 

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em recentes decisões monocráticas, tem aplicado a orientação firmada no HC 127.900/AM ao procedimento de apuração de ato infracional, sob o fundamento de que o art. 400 do Código de Processo Penal possibilita ao representado exercer de modo mais eficaz a sua defesa e, por essa razão, em uma aplicação sistemática do direito, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no art. 184 da Lei n. 8.069/1990.

 

Nessa conjuntura, é necessária a revisão do entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça para adequá-lo à jurisprudência atual da Suprema Corte, no sentido de que a oitiva do representado deve ser o último ato da instrução no procedimento de apuração de ato infracional. Assim, o adolescente irá prestar suas declarações após ter contato com todo o acervo probatório produzido, tendo maiores elementos para exercer sua autodefesa ou, se for caso, valer-se do direito ao silêncio, sob pena de evidente prejuízo à concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

 

Ademais, é relevante mencionar que a aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal ao procedimento de apuração de ato infracional se justifica também porque o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso do aquele conferido ao adulto, de acordo com o art. 35, inciso I, da Lei n. 12.594/2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e o item 54 das Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad).

 

De todo modo, conforme entendimento majoritário desta Corte Superior, é necessário que a insurgência defensiva, com relação a eventual vício pela inversão da ordem ora definida, observe os princípios informativos das nulidades processuais, notadamente o princípio da oportunidade e o princípio do prejuízo ou transcendência (pas de nullité sans grief).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal, arts. 394 e 400

 

Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), arts. 108 e 184

 

Lei n. 12.594/2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), art. 35, I

 

Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad), item 54

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