REsp 1.389.750-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/12/2016, DJe 17/4/2017. (Tema 879)
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de repetição de indébito. Tarifa de energia elétrica. Relação contratual. Consumidor e concessionária do serviço público. Interesse da ANEEL. Não ocorrência, em regra.
Não há, em regra, interesse jurídico da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – para figurar como ré ou assistente simples de ação de repetição de indébito relativa a valores cobrados por força de contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público.
Sob o rito do art. 543-C do CPC (atualmente 1.036 e seguintes do CPC/2015), foi admitida a seguinte tese controvertida: “questão atinente ao interesse jurídico da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) para figurar no polo passivo de ação revisional e de repetição de indébito relativa a contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público”. O Superior Tribunal de Justiça, por meio de diversos julgados anteriores, sedimentou a compreensão de que não há, em regra, interesse jurídico da ANEEL para figurar como ré ou assistente simples de Ação de Repetição de Indébito relativa a valores cobrados por força de contrato de fornecimento de energia elétrica celebrado entre usuário do serviço e concessionária do serviço público.
REsp 1.564.070-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 22/3/2017, DJe 18/4/2017. (Tema 941)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Previdência complementar fechada. Regime financeiro de capitalização. Reajuste do benefício suplementar. Previsão regulamentar de paridade com os índices da previdência oficial. Extensão de aumentos reais. Inviabilidade
Nos planos de benefícios de previdência complementar administrados por entidade fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de Previdência Social, não inclui a parte correspondente a aumentos reais.
O ponto nodal da discussão consiste em saber se, em se tratando de plano de benefícios administrado por entidade de previdência complementar fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de Previdência Social, garante também a extensão das taxas correspondentes a eventuais aumentos reais do benefício oficial. Inicialmente, cumpre consignar que previdência complementar e Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. No âmbito da CF, o art. 202 consagra o regime de financiamento por capitalização, ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar, baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Essas reservas, consagradas pela Lei n. 6.435/77, são atualmente regidas art. 1º da LC n. 109/2001. Nessa toada, enquanto a previdência social adota o regime de repartição simples, que funciona em sistema de caixa, no qual o que se arrecada é imediatamente gasto, sem que haja, por regra, um processo de acumulação de reservas, a previdência complementar adota o de capitalização, que pressupõe a acumulação de recursos para a formação de reservas, mediante não apenas o recolhimento de contribuição dos participantes, assistidos e eventual patrocinador, mas também do resultado dos investimentos efetuados com essas verbas arrecadadas (que têm muita relevância para a formação das reservas para o custeio dos benefícios). É dizer, a Lei consagra o princípio, basilar ao regime de previdência complementar, de preservação da segurança econômica e financeira atuarial da liquidez, solvência e equilíbrio dos planos de benefícios, e afasta o regime de financiamento de caixa ou repartição, em que o acerto de contas entre receitas e despesas ocorre por exercícios. Com essas premissas, pode-se concluir que no regime de previdência privada não se admite a concessão de benefício algum sem a formação da prévia fonte de custeio, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial nos planos de benefícios. Aliás, a fórmula apropriada para eventual aumento real de benefício que acaso delibere o Conselho Deliberativo da entidade (Órgão administrativo máximo das entidades fechadas) é estabelecida pelo art. 20 da LC n. 109/2001 – em nítido prestígio ao regime de capitalização -, segundo o qual eventual resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas – ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos -, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas. Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes, será estabelecida reserva especial para a revisão do plano de benefícios que, se não utilizada por três exercícios consecutivos, determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios – que poderá ser feita das mais diversas formas. Sendo assim, como o fundo formado pertence aos participantes e assistidos, o entendimento perfilhado pelo Tribunal de origem – no sentido de conferir interpretação extensiva ao “reajuste” estabelecido no Regulamento Básico da entidade previdenciária -, é incompatível com o art. 3º, VI, da LC n. 109/2001.
EREsp 1.415.522-ES, Rel. Min. Felix Fischer, por unanimidade, julgado em 29/3/2017, DJe 5/4/2017.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ciência inequívoca da penhora “on-line”. Termo a quo para impugnação. Intimação formal. Prescindibilidade.
O termo inicial do prazo para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença é contado a partir da ciência inequívoca do devedor quanto à penhora “on-line” realizada, não havendo necessidade de sua intimação formal.
A divergência consiste na necessidade de intimação formal da parte para apresentar impugnação à fase de cumprimento de sentença, mesmo após comparecimento espontâneo nos autos. Em um primeiro momento, acentua-se que o CPC/1973 continha disposição relativa ao comparecimento espontâneo nos autos como forma de suprir a citação, conforme artigo 214, § 1º. Destaca-se que tal previsão foi ampliada no Novo Código de Processo Civil, que atualmente expõe no § 1º do artigo 239 que “O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução. ” Ora, se a própria lei preconiza ser desnecessário o ato formal de citação quando a parte comparecer espontaneamente aos autos, maior razão dispensá-lo em casos de intimações. Explica-se. A citação é o ato formal que tem por finalidade cientificar à parte da existência da demanda para formação da relação processual. No processo de conhecimento, a consequência jurídica prevista no Código de Processo Civil para aquele que não apresenta resposta no processo é a revelia, com presunção relativa de veracidade dos fatos. Assim, se o comparecimento espontâneo da parte ao processo supre a falta de citação, inexiste motivo para se exigir uma intimação formal do devedor para apresentar impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, quando já existe, inclusive, provimento jurisdicional favorável ao credor. Comparando-se com execução de título extrajudicial, se o devedor comparecer espontaneamente aos autos e não apresentar embargos à execução, seu prazo será escoado a contar do comparecimento espontâneo. Ora, em se tratando de fase de cumprimento de sentença existe maior motivo para evitar formalidade exagerada, sendo, portanto, desnecessária a intimação para início do prazo de impugnação quando demonstrada ciência inequívoca do devedor quanto à penhora realizada nos autos. A parte não pode se valer de sua própria torpeza, comparecendo ao processo espontaneamente e a posteriori alegar que não foi iniciado seu prazo, pugnando pela expedição formal de ato de intimação para tão somente praticar o ato processual. Por fim, observa-se que a jurisprudência do STJ entende ser desnecessária intimação para apresentação de impugnação à fase de cumprimento de sentença quando a parte deposita espontaneamente, sendo a data do depósito o termo a quo para a impugnação. O mesmo raciocínio deve ser aplicado quando houver penhora “on-line” de ativos financeiros e existir nos autos prova cabal de ciência inequívoca da parte devedora quanto à penhora realizada, pois a parte expressamente manifestou-se nos autos impugnando liberação de valores.
AgRg no RMS 26.647-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por maioria, julgado em 2/2/2017, DJe 22/3/2017.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Fornecimento de medicação gratuita. Dever do Estado. Direito fundamental à vida e à saúde. Ausência de perda do objeto.
Não há perda do objeto em mandado de segurança cuja pretensão é o fornecimento de leite especial necessário à sobrevivência de menor ao fundamento de que o produto serve para lactentes e o impetrante perdeu essa qualidade em razão do tempo decorrido para a solução da controvérsia.
Cinge-se a discussão a definir se há a perda do objeto em demanda cuja pretensão é o fornecimento de leite especial de uso contínuo a portador de alergia alimentar, considerando que o produto serve para lactentes e o impetrante já não detém essa qualidade. Inicialmente, vale destacar que a efetivação da tutela in casu está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, de modo que a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. A propósito, em consonância com os arts. 6º e 196 da CF, a Lei n. 8.080/90 determina em seus arts. 2º e 4º que a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público. Ressalte-se, ainda, que o Sistema Único de Saúde possui, dentre as suas atribuições, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (art. 7º da Lei n. 8.080/90). Comprovado o acometimento do indivíduo, ou de um grupo, por determinada moléstia e necessitando de medicamento para a combater, este deve ser fornecido pelo Estado de modo a atender ao princípio maior da garantia à vida e à saúde. Especificamente sobre o tema controvertido, a Segunda Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 900.487-RJ, DJ 28/2/2007, já decidiu que “a negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível ou, no caso, de leite especial de que a criança necessita, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.” Sendo assim, como é direito fundamental da pessoa e dever do Poder Público garantir a saúde e a vida, não há falar que o pleito se tornou infrutífero haja vista o decorrer do tempo até a solução da demanda. Ademais, cumpre destacar que a necessidade ou não do fornecimento de leite especial para a criança deverá ser apurada em fase de execução, quando será conferida oportunidade ao demandante para comprovar suas alegações. Nesta fase, também vale lembrar que, na impossibilidade do acolhimento do pedido principal formulado na exordial, em virtude da longa discussão judicial acerca do tema, nada impede que a parte requeira a conversão em perdas e danos. Desse modo, não é possível afastar a responsabilidade do Estado mediante a alegação de perda de objeto, cabendo ao Ente demandado judicialmente prover a prestação dos serviços necessários à saúde do requerente, sob pena de ofensa ao direito fundamental à saúde.
REsp 1.163.020-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, por maioria, julgado em 21/3/2017, DJe 27/3/2017.
DIREITO TRIBUTÁRIO
ICMS. Fornecimento de energia elétrica. Base de cálculo. Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Inclusão.
A Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) compõe o preço final da operação de fornecimento de energia elétrica e está incluída na base de cálculo do ICMS.
Discute-se se a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD – que é paga pelo consumidor que adquire energia elétrica diretamente dos agentes de comercialização ou de geração no mercado livre de energia elétrica – sofre a incidência do ICMS e/ou compõe a sua base de cálculo. De início, importa destacar que a atual legislação de regência do setor elétrico brasileiro permite que grandes consumidores de energia elétrica possam escolher livremente a empresa geradora e/ou comercializadora que lhes apresenta oferta mais vantajosa, não estando mais vinculados às condições de fornecimento de energia elétrica estabelecidas para o público em geral pela concessionária distribuidora local. Nesse ponto, registre-se que o Conselho Nacional de Política Fazendária, por meio do Convênio ICMS n. 117/2004, atribui “ao consumidor livre conectado à rede básica a responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pela conexão e uso dos sistemas de transmissão de energia elétrica”. A despeito do entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a inexigibilidade do tributo sobre a TUSD, faz-se necessário que a controvérsia seja examinada por outro enfoque. Nessa toada, tem-se que o fato gerador do ICMS em questão diz respeito à circulação jurídica da energia elétrica fornecida ao consumidor “livre”. Em razão de sua peculiar realidade física, sabe-se que a circulação da energia elétrica se dá com a ocorrência simultânea de sua geração, transmissão, distribuição e consumo. Essa realidade física revela, então, que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo. Não trata a etapa de transmissão/distribuição de mera atividade meio – fundamento que até então embasava a jurisprudência desta Corte sobre o tema -, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável. Nessa esteira, cabe salientar que a CF/88, no art. 34, § 9º, do ADCT, ao tratar da responsabilidade tributária das concessionárias distribuidoras em relação aos consumidores que recebem a energia diretamente da distribuidora, sem margem de negociação ou escolha (consumidores “cativos”) deixou claro que todas as etapas do processo de fornecimento da energia elétrica devem ser consideradas na composição do preço final da mercadoria a ser suportada pelo usuário. Por outro lado, a exclusão dessa tarifa da base de cálculo do tributo implica flagrante violação ao princípio da igualdade e prejudica a concorrência, o que é expressamente vedado pelo art. 173, § 4º, da Carta Política. Embora materialmente não exista diferença na operação de fornecimento de energia elétrica, enquanto o “consumidor cativo” permanecerá pagando o ICMS sobre o preço final da operação, o “consumidor livre”, além de poder barganhar um melhor preço das empresas geradoras/comercializadoras, recolherá o tributo apenas sobre o preço dessa etapa da operação. Por fim, cumpre lembrar que o mercado livre de energia elétrica está disponibilizado apenas para os grandes consumidores, o que evidencia que a exclusão do custo referente à transmissão/distribuição da base de cálculo do ICMS representa uma vantagem econômica desarrazoada em relação às empresas menores que arcam com o tributo sobre o “preço cheio” constante de sua conta de energia, subvertendo-se, assim, os postulados da livre concorrência e da capacidade contributiva.
REsp 1.535.222-MA, Rel. Min. Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
DIREITO ADMINISTRATIVO
Promotor de Justiça. Ação civil para a perda do cargo. Prática de crime. Prazo prescricional. Termo a quo. Trânsito em julgado para a acusação da decisão proferida no feito criminal. Extinção da punibilidade que não impede o ajuizamento de ação cível. Independência das instâncias cível e penal.
Na hipótese de membro de Ministério Público Estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal.
O regime jurídico dos membros do Ministério Público, no que concerne à previsão de perda do cargo, obedece ao disposto no art. 38, § 1º, da Lei Orgânica Nacional n. 8.625/93. Embora seja sabido que as instâncias cível, administrativa e penal são independentes e que a vinculação automática somente existe quando, na seara penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, no caso específico do regime jurídico dos membros do Ministério Público existe uma particularidade: a ação cível para decretação da perda do cargo – hipótese analisada – somente pode ser proposta, depois de transitada em julgado a sentença proferida em ação penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo. Ou seja, uma das condições de procedibilidade da ação civil para perda do cargo depende da existência de decreto condenatório proferido no juízo criminal. Diante dessas premissas é que exsurge a principal controvérsia dos autos, a respeito do termo inicial do prazo prescricional para tais hipóteses. Quando a lei determina que a ação civil para perda do cargo somente deve ser ajuizada após o trânsito em julgado da sentença penal, nos casos em que a falta funcional corresponde a uma conduta criminosa; por decorrência lógica, o prazo de prescrição somente pode iniciar-se, no bojo da ação civil de perda do cargo, contado do trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal. É de se notar a diferença quanto aos casos de processos criminais contra servidores públicos (não no caso dos membros do Ministério Público), quando a prescrição corre no processo administrativo disciplinar. É que, nesses casos, inexiste necessidade de aguardar o deslinde na esfera criminal. A diferença dessas premissas para a hipótese em exame é total. No presente debate, a garantia dada aos membros do Ministério Público de não poderem perder o cargo, senão por meio de ação civil própria e depois da sentença criminal transitada em julgado (prerrogativa que os demais servidores não possuem), não pode se transmudar em óbice para a punição justa e adequada. Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional (seja pela pena em abstrato, seja pena em concreto) incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo, no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege.
REsp 1.642.323-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 30/3/2017.
DIREITO CIVIL
Exoneração de alimentos. Maioridade civil. Doença mental. Recebimento de Benefício Assistencial.
É presumida a necessidade de percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar, independentemente da maioridade civil do alimentado.
Trata-se de ação de exoneração de alimentos lastreada, tão só, no advento da maioridade civil do alimentado portador de doença mental crônica incapacitante que o impede de cuidar de si próprio ou de seus pertences, devendo estar continuamente sob amparo de familiares e em tratamento psiquiátrico. Na origem, o argumento determinante para exonerar o alimentante foi o fato de o alimentado passar a receber Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei n. 8.742/1993) à pessoa com deficiência de qualquer idade e com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo. Fixadas essas premissas, convém destacar que a obrigação alimentar relativa a filho maior, porém incapaz, embora migre, tecnicamente, dos alimentos devidos em face do Poder Familiar para alimentos devidos por vínculo de parentesco, não importa em significativa alteração quanto à abrangência desses alimentos. Essa assertiva decorre, entre outras regulações, do quanto preconizado no art. 8º da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que fixa a obrigação da família de assegurar à pessoa com deficiência que não possa prover o próprio sustento, a efetivação de toda a gama de direitos relativos a seu bem-estar pessoal, social e econômico. Sob esse foco é de se ver que o julgador, diante do pedido formulado por um possível alimentado, não se volta inicialmente para a capacidade do alimentante, mas procura encontrar, diante da análise dos elementos que dispõe e do que vislumbra ser as necessidades do alimentado, o ideal dos alimentos ad necessitatem. Exsurge, da visão conceitual do processo de fixação dos alimentos, que possível aumento na renda do alimentado somente importará em redução, ou exoneração dos alimentos, se ela suprir o ideal de necessidade daquele alimentado. Cotejando essa teórica fórmula de fixação de alimentos com as bases fáticas construídas na origem, nos diz as máximas da experiência, que os gastos teóricos necessários para a manutenção do bem-estar de filho que tenha grave comprometimento mental, usualmente ultrapassam, em muito, a capacidade financeira dos seus genitores, razão pela qual, nessas circunstâncias, fixa-se o valor dos alimentos, não pela necessidade do alimentado, mas pela possibilidade do alimentante. Nesse contexto, o Benefício de Prestação Continuada recebido pelo alimentado, que equivale a um salário mínimo, por óbvio lhe agregou significativa qualidade de vida, mormente por se considerar a situação de penúria absoluta que deveria existir antes da sua percepção. Mas como se observa do cotidiano de famílias nas quais um dos membros é acometido de doença mental incapacitante, esse valor é ínfimo se comparado às efetivas necessidades dessa pessoa. E essa verdade se perpetua, mesmo que a esse benefício sejam acrescidos alimentos correspondentes a 30% do salário mínimo. É dizer: mesmo com a soma do benefício assistencial e a pensão alimentícia, os valores carreados para a manutenção do alimentado, ficarão bem aquém de suas reais necessidades.
REsp 1.629.000-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
DIREITO CIVIL
Contrato de venda a crédito de bem móvel. Cláusula de reserva de domínio. Mora do comprador. Comprovação. Notificação extrajudicial. Possibilidade.
A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos.
A controvérsia trazida a debate consiste em definir se, na ação de apreensão e depósito de bem objeto de contrato de venda com reserva de domínio, a comprovação da mora do comprador somente pode ocorrer mediante protesto. Nos termos do art. 526 do CC/02, na hipótese de mora do comprador no adimplemento das prestações, abrem-se ao vendedor duas alternativas: a) o ajuizamento de ação para a cobrança das prestações vencidas e vincendas, com os acréscimos legais; ou, b) a recuperação da posse da coisa vendida. Como se extrai da literalidade do mencionado dispositivo legal, essas alternativas são excludentes entre si: cabe ao vendedor optar pela cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor em aberto – o inadimplemento resulta no vencimento antecipado da dívida – ou pelo exercício de seu direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico, por meio da recuperação da coisa vendida (o que não prejudica seu direito à compensação pela depreciação do bem e outras despesas decorrentes do inadimplemento, conforme o disposto no art. 527 do CC/02). Independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível “a constituição do comprador em mora”, que, nos termos do art. 525 do CC/02, ocorre mediante protesto do título ou interpelação judicial. A redação desse dispositivo legal pode levar à equivocada compreensão de que a mora do comprador apenas se caracteriza a partir do ato do protesto ou da interpelação judicial. Contudo, não é esse o verdadeiro alcance da norma. Com efeito, deve ser observado que a mora do comprador se configura com sua simples omissão em efetuar o pagamento das prestações ajustadas, haja vista que essas têm data certa de vencimento. É, portanto, mora ex re, cujos efeitos – a exemplo da incidência de juros – se operam a partir do inadimplemento. Nesse contexto, a determinação contida no art. 525 do CC/02 para o protesto do título ou a interpelação judicial não tem a finalidade de transformar a mora ex re em ex persona. A regra estabelece, apenas, a necessidade de comprovação da mora do comprador como pressuposto para a execução da cláusula de reserva de domínio, tanto na ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas, como na ação de recuperação da coisa. Visa o ato, desse modo, conferir segurança jurídica às partes, funcionando, também, como oportunidade para que o comprador, adimplindo as prestações, evite a retomada do bem pelo vendedor. O advento da nova codificação civil impõe uma exegese sistêmica da questão, de modo a admitir a documentação da mora do comprador por meio de quaisquer dos instrumentos previstos no parágrafo único do art. 397, quais sejam: a) o protesto; b) a interpelação judicial; e, c) a notificação extrajudicial. Por fim, convém salientar que, com a vigência do CPC/2015, essa aparente antinomia entre as regras processuais e o CC/02 restou superada, pois o novo CPC deixou de regulamentar o procedimento especial da ação de apreensão e depósito. Desse modo, a partir da vigência do CPC/2015, a venda com reserva de domínio encontra disciplina exclusiva no CC/02, aplicando-se, quando as partes estiverem em Juízo, as regras relativas ao procedimento comum ordinário ou, se for o caso, das normas afetas ao processo de execução.
REsp 1.634.077-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 9/3/2017, DJe 21/3/2017.
DIREITO EMPRESARIAL
Contrato de representação comercial. Zona de Atuação. Exclusividade. Omissão contratual. Possibilidade de comprovação.
É possível presumir a existência de exclusividade em zona de atuação de representante comercial quando: (i) não houver previsão expressa em sentido contrário; e (ii) houver demonstração por outros meios da existência da exclusividade.
Cinge-se a controvérsia em definir acerca da existência de zona exclusiva em contrato de representação comercial quando não há cláusula expressa no instrumento firmado entre as partes. Inicialmente, destaque-se que a representação comercial constitui um negócio jurídico com natureza de colaboração empresarial por aproximação, destinada a auxiliar a circulação e distribuição de produtos e serviços nos mercados consumidores. Está disciplinada por meio da Lei n. 4.886/65 que, em seu art. 27, aponta quais são os elementos obrigatórios de um contrato de representação comercial autônoma. Para a resolução desta controvérsia, importa mencionar apenas que, entre as cláusulas obrigatórias, estão a indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação (alínea “d”) e o exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado (alínea “i”). Sobre esse ponto, apesar de tais cláusulas serem obrigatórias, não há a necessidade de utilização de forma específica para sua celebração (como a escrita), tampouco há qualquer consequência jurídica para a omissão dessas cláusulas. Nesse caminho, percebe-se que a doutrina se manifesta a favor da presunção de exclusividade quando houver omissão no instrumento firmado entre representante e representado. As dificuldades de interpretação quanto à presunção de exclusividade do representante exsurgem da aparente antinomia existente entre o caput e o parágrafo único do art. 31 da Lei n. 4.886/65, após alteração legislativa ocorrida em 1992. Segundo doutrina, “na reforma da Lei n. 4.866, de dezembro de 1965, conduzida afinal pela Lei n. 8.420, de maio de 1992, se tentou inverter a equação, com a presunção de exclusividade em favor do representante comercial. A redação final do projeto de lei, entretanto, truncou a proposta contida no anteprojeto, que tinha aquele sentido. O resultado foi precário, como se vê da atual redação do art. 31 e seu parágrafo único”. Dessa forma, haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva. Com isso, a presunção de exclusividade deve ocorrer em razão do conteúdo do caput do art. 31 da Lei n. 4.886/65, o qual garante ao representante as comissões de vendas realizadas em sua zona de atuação quando o contrato for omisso quanto à exclusividade territorial. Assim, mesmo com a omissão de dispositivo acerca da exclusividade em zona de atuação, o representante é protegido pela legislação de regência do contrato em comento, o que está em consonância com o propósito da lei em estabelecer mecanismos de proteção ao representante frente ao representado.
REsp 1.426.422-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 30/3/2017.
DIREITO FALIMENTAR
Falência. DL 7.661/1945. Extinção das obrigações do falido. Decurso do prazo de cinco anos. Prova da quitação de tributos. Desnecessidade.
Nos processos de falência ajuizados anteriormente à vigência da Lei n. 11.101/2005, a decretação da extinção das obrigações do falido prescinde da apresentação de prova da quitação de tributos.
Inicialmente, cabe ressaltar ser cediço que as obrigações da sociedade empresária não são extintas pelo simples encerramento da falência, permanecendo exigíveis até seu adimplemento ou decretação de prescrição ou decadência – inclusive em relação à pessoa física dos sócios, na hipótese de sua responsabilização pessoal. Nesse sentido, confira-se o REsp 883.802-DF, 3ª Turma, DJe 12/5/2010. Uma vez encerrada a falência, cumpre ao falido requerer, na forma preconizada pelos arts. 134 e seguintes do DL 7.661/1945 (diploma legal incidente na espécie, por força do disposto no art. 192 da Lei n. 11.101/2005), a extinção de suas obrigações. De acordo com o previsto no art. 135, III, da antiga Lei de Quebras, o decurso do prazo de cinco anos, contados a partir do encerramento da falência, extingue as obrigações, exceto se o falido ou o sócio gerente da sociedade empresária tiver sido condenado por crime falimentar. Conquanto não haja menção a respeito da necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais nos artigos da antiga Lei de Falências que tratam do tema controvertido, o art. 191 do Código Tributário Nacional é taxativo: “a extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos”. Ocorre, todavia, que essa exigência foi inserida no CTN pela Lei Complementar 118/2005, que foi sancionada concomitantemente com a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101), em 9 de fevereiro de 2005. Antes da inserção desse requisito, vale dizer, na vigência da antiga Lei de Falências e Concordatas (hipótese dos autos), os créditos tributários não se sujeitavam à habilitação no processo falimentar, consoante se depreende do comando normativo inserto no art. 187 do CTN. Disso resulta que o Fisco, independentemente da formação do juízo universal, continua com a possibilidade de exercício de seu direito de cobrança judicial. A fixação dessa premissa – de que os créditos tributários não se sujeitam aos processos regidos pelo DL 7.661/1945 – autoriza a conclusão de que eles, por decorrência lógica, não apresentam relevância na fase final de encerramento da falência, na medida em que as obrigações do falido que serão extintas se cingem àquelas submetidas ao juízo falimentar, dentre as quais não se inserem as obrigações tributárias. Importa registrar, por fim, que a interpretação aqui assentada ressente-se de sustentação perante o regime instituído pela Lei n. 11.101/2005, haja vista que este prevê a participação do crédito tributário no concurso de credores (art. 83, III).
AgInt no AREsp 903.091-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 16/3/2017, DJe 27/3/2017.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Intimação eletrônica precedida de intimação no DJe. Contagem de prazo. Prevalência da intimação eletrônica. Exegese do art. 5º da Lei n. 11.419/2006.
Na hipótese de duplicidade de intimações, prevalece a intimação eletrônica sobre aquela realizada por meio do DJe.
O agravo interno versa sobre o conflito acerca dos efeitos da intimação efetivada via Diário da Justiça Eletrônico e aquela realizada por meio de portal de intimações. Inicialmente, verifica-se que a jurisprudência do STJ conta com alguns julgados no sentido de se resolver esse conflito dando prevalência à intimação via Diário da Justiça Eletrônico, uma vez que essa forma de intimação “substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais”, conforme previsto no art. 4º, § 2º, da Lei n. 11.419/2006. Porém, revendo esse posicionamento, deve prevalecer a intimação via portal eletrônico, pois essa modalidade de intimação dispensa a publicação via DJe, conforme expressamente previsto no art. 5º do mesmo diploma legal. Essa previsão expressa de dispensa de publicação no DJe evidencia que a intimação eletrônica é a que deve ter prevalência. Aliás, essa também foi a opção normativa esposada pelo novo CPC/2015, conforme se verifica nos seguintes dispositivo legais: “Art. 270. As intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei.” e “Art. 272. Quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial.”
REsp 1.628.065-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por maioria, julgado em 21/2/2017, DJe 4/4/2017..
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Litigância de má-fé. Dano processual. Desnecessidade de demonstração para aplicação da multa a que alude o art. 18 do CPC/1973.
O dano processual não é pressuposto para a aplicação da multa por litigância de má-fé a que alude o art. 18 do CPC/1973.
A discussão posta resume-se a verificar se, para a configuração de litigância de má-fé, nos termos do art. 18 do CPC/73, com a consequente aplicação de penalidade, o dano processual é pressuposto. A multa aplicada reflete mera sanção processual, que não tem o objetivo de indenizar a parte adversa e, por esse motivo, não exige, para sua aplicação, a comprovação inequívoca da ocorrência de dano processual. Justamente por não exigir tal comprovação é que se mostra possível o reconhecimento de ofício da litigância de má-fé, com a aplicação da multa correspondente. Vale ressaltar que, para fins de responsabilidade processual, diversamente, é que se mostra imprescindível a prova do efetivo prejuízo sofrido pela parte adversa, do que não se trata a hipótese analisada.
REsp 1.337.749-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/2/2017, DJe 6/4/2017.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Ação de arbitramento de honorários advocatícios. Existência e previsão expressa de remuneração ad exitum. Causídico que renunciou aos poderes antes do encerramento das demandas relacionadas aos serviços contratados
Nos contratos em que estipulado o êxito como condição remuneratória dos serviços advocatícios prestados, a renúncia do patrono originário, antes do julgamento definitivo da causa, não lhe confere o direito imediato ao arbitramento de verba honorária proporcional ao trabalho realizado, revelando-se necessário aguardar o desfecho processual positivo para a apuração da quantia devida.
A controvérsia é quanto ao cabimento ou não de arbitramento judicial de honorários advocatícios por serviços prestados pelo causídico antes de sua renúncia, quando existente previsão contratual expressa condicionando tal remuneração ao êxito nas demandas patrocinadas. Nos contratos de prestação de serviços advocatícios ad exitum, a vitória processual constitui condição suspensiva, cujo implemento é obrigatório para que o advogado faça jus à devida remuneração. Ou seja, o direito aos honorários somente é adquirido com a ocorrência do sucesso na demanda. O fato jurídico delineado não se amolda sequer à norma disposta na primeira parte do artigo 129 do Código Civil, que condena o dolo daquele que impede ou força o implemento da condição em proveito próprio. Nessa esteira, encontra-se compreendida a rescisão unilateral imotivada perpetrada pelo cliente, que configura, por óbvio, obstáculo ao implemento da condição estipulada no contrato de prestação de serviços advocatícios – vitória na causa -, autorizando o arbitramento judicial da verba honorária devida ao causídico, cuja plena atuação quedara frustrada por culpa do mandante. Por outro turno, em se tratando de renúncia do advogado, é certo que a não ocorrência da condição prevista no contrato ad exitum impede a aquisição do direito remuneratório pretendido, não se podendo cogitar da incidência de qualquer presunção legal na hipótese de rescisão antecipada. Nessa perspectiva, nos casos em que estipulado o êxito como condição remuneratória dos serviços advocatícios prestados, a renúncia do patrono originário, antes do julgamento definitivo da causa, não lhe confere o direito imediato ao arbitramento de verba honorária proporcional ao trabalho realizado, revelando-se necessário aguardar o desfecho processual positivo para a apuração do quantum devido, observado o necessário rateio dos valores com o advogado substituto (aquele que veio a assumir a condução da demanda). Desse modo, nos contratos ad exitum, ainda quando ocorrida a revogação do mandato, o implemento da condição contratada constitui elemento essencial para a produção dos seus efeitos remuneratórios e, consequentemente, da deflagração do fato gerador da pretensão condenatória a ser, eventualmente, exercida em juízo.
RHC 80.142-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
DIREITO PENAL
Ação penal. Trancamento. Crime de desabamento ou desmoronamento (art. 256 do Código Penal). Atipicidade. Ausência de nexo causal e de elemento subjetivo. Nexo material ou jurídico não evidenciado. Omissão imprópria descaracterizada.
O representante legal de sociedade empresária contratante de empreitada não responde pelo delito de desabamento culposo ocorrido na obra contratada, quando não demonstrado o nexo causal, tampouco pode ser responsabilizado, na qualidade de garante, se não havia o dever legal de agir, a assunção voluntária de custódia ou mesmo a ingerência indevida sobre a consecução da obra.
O debate jurídico se limita a saber se o representante legal da empresa contratante de empreitada, pode ser responsabilizado pelo desabamento culposo ocorrido na obra tocada pela construtora contratada, que deu azo à morte de um de seus funcionários. Cabe ressaltar, de início, que se trata de delito que tem por bem jurídico tutelado a incolumidade pública, particularmente o perigo comum que pode decorrer da conduta proibida. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, mesmo o dono do imóvel que sofre o desabamento. Imputa-se ao representante, no caso, a prática do delito na modalidade culposa, quando o desabamento ou desmoronamento resulta da não observância, pelo sujeito ativo, do dever de cuidado necessário. Ressalte-se que a solução da controvérsia está voltada à caracterização do nexo de causalidade – elementar do tipo culposo estabelecida no art. 13, caput, do Código Penal. Segundo concepção doutrinária e jurisprudencial dominante, a teoria eleita pelo Estatuto Repressor para explicar a constatação do fenômeno causal é a Teoria da Equivalência das Condições, também conhecida como Teoria da Causalidade Simples ou Teoria da conditio sine qua non, ressalvada a limitação estampada no § 1º do mesmo dispositivo, que teria excepcionalmente previsto a teoria da causalidade adequada para hipótese restrita da superveniência de causa independente. Trata-se de teoria de cunho empírico naturalista, que pode ser classificada como generalizadora, é dizer, não promove hierarquia entre as condições que antecedem um resultado, tratando todas as causas como de igual valor. Assim, segundo essa linha de pensamento, causa nada mais é do que a condição (ação/omissão) sem a qual o resultado não teria ocorrido tal como ocorreu. Tudo aquilo que efetivamente contribuiu, in concreto, para o resultado, é tido por causa. A maior crítica enfrentada por esta teoria sempre foi a necessidade de estabelecer um limitador, de maneira a se identificar com segurança se certa conduta foi realmente determinante para ocorrência do resultado. Nessa perspectiva, o aperfeiçoamento da relação causal é ditado pelo método da eliminação hipotética dos antecedentes causais, desenvolvido por Thyrén. Em breves linhas, no campo mental da suposição ou da cogitação, o aplicador deve proceder à eliminação da conduta para concluir pela persistência ou desaparecimento do resultado. Em outras palavras, uma ação ou omissão será considerada como causa do evento sempre que, suprimida mentalmente do contexto fático, o resultado tenha deixado de ocorrer tal como ocorreu. Por óbvio, a concepção pura da teoria não é ratio a ser empregada no sistema penal vigente. Absorvendo as críticas sofridas pela doutrina especializada, fez-se imperioso, em mais uma oportunidade, o aperfeiçoamento do fenômeno causal, de maneira a se evitar o regresso da causalidade a condutas que, por certo, não estariam incluídas entre aquelas que efetivamente concorreram para o dano ao bem jurídico tutelado. Nesse compasso, buscando uma restrição ainda maior da causalidade, ganhou força a ideia de limitar o liame entre conduta e resultado por intermédio do elemento anímico ou subjetivo de que imbuído o agente, o que se convencionou chamar de causalidade psíquica (imputatio delicti). Palmilhando por essa linha de intelecção, o juízo de verificação da causalidade não pode retroceder ou retornar às condições que temporalmente precederam à posterior atuação típica culposa ou dolosa de outrem, a qual teria o condão de interromper o nexo causal iniciado pelo primeiro interveniente. Em outros termos, para evitar a responsabilidade de certas condutas antecedentes que contribuíram para o resultado, a doutrina clássica analisa o dolo e a culpa como limites da responsabilidade. As questões são resolvidas com o tipo subjetivo e não com o objetivo. Assim sendo, duas operações devem ser realizadas para explicitar o modelo causal: em primeiro lugar, identifica-se a imputação objetiva do evento (causa); num segundo plano, testa-se a imputação subjetiva (dolo/culpa). A responsabilização penal do agente dependerá de sua voluntariedade (dolo ou culpa) em relação à provocação do resultado. Nesse viés, inviável a atribuição de responsabilidade ao representante legal da sociedade empresária contratante de empreitada. Se é certo que existe o dever objetivo de cuidado de prover para que a obra seja realizada sem a intercorrência de infortúnios, este deve ser endereçado aos agentes da empresa responsável pela construção, ou a outros terceiros que tenham efetivamente interferido no curso causal (sempre lembrando que em nosso sistema não se atribuiu a prática de ilícitos penais a pessoas jurídicas, ressalvados os casos de crimes ambientais). De outra banda, também não se mostra factível a identificação de nexo jurídico ou de evitação, de forma a se adjetivar a posição do acusado como garante, imputando-lhe omissão penalmente relevante (art. 13, § 2º, do CP). Não havia no caso analisado, ou ao menos não foi narrado pela exordial, o dever legal de agir, a assunção voluntária de custódia ou mesmo a ingerência indevida do acusado sobre a consecução da obra em epígrafe. Em conclusão, se de um lado não se pode imputar de forma direta qualquer resultado penalmente relevante ao representante legal da sociedade contratante, dada a ausência de causalidade psíquica, de outro não cabe falar em omissão imprópria, considerando a não qualificação do agente como garantidor. Por conseguinte, a ação penal intentada deve ter seu prosseguimento obstado em face da atipicidade da conduta.
HC 380.734-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 28/3/2017, DJe 4/4/2017.
DIREITO PROCESSUAL PENAL
Prisão preventiva decretada. Substituição por prisão domiciliar. Medida cautelar imposta. Proibição de contato com os demais réus. Facultada comunicação com as irmãs/corrés. Incomunicabilidade com o seu genitor/corréu. Motivação inidônea. Flagrante ilegalidade.
É inidônea a decretação de incomunicabilidade de acusado com o genitor/corréu como medida cautelar substitutiva da prisão.
A questão trazida a deslinde cinge-se à ausência de fundamentação idônea, por ocasião da prisão domiciliar, para a imposição da medida cautelar de proibição da paciente ter contato com o seu pai, que também é réu na ação em que esta foi denunciada. Na origem, houve a decretação de prisão preventiva posteriormente substituída por prisão domiciliar (art. 318, V do CPP) cumulada com medida cautelar de incomunicabilidade com os demais acusados (art. 319, III do CPP), à exceção de suas irmãs. Ao que se afigura, a paciente/filha restou afastada de seu pai/corréu, pois pretensamente o genitor seria líder da organização criminosa. Contudo, não se mostra viável possibilitar o contato da paciente com suas irmãs, que são corrés na mesma ação penal, e obstar a comunicação com o pai. De fato, a fixação da medida restritiva substitutiva não deve se sobrepor a um bem tão caro, protegido pela Carta Magna, como a família – artigo 226 da Constituição Federal. Afinal, a incomunicabilidade com o seu genitor também atinge, de modo fulminante, a esfera privada e familiar da paciente, sem se descurar que mesmo aos segregados lhes é facultada a visita de familiares. Portanto, inviável levar em conta os parâmetros constitucionais para as irmãs da increpada e restringir o seu alcance, de forma a não abranger o pai.