Falta do edital em ação coletiva de consumo não gera nulidade quando a decisão favorece o consumidor

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ausência da publicação do edital previsto no artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não torna o processo nulo se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores; caso contrário, deverá ser declarada nulidade processual absoluta.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra um banco por diversas irregularidades nas contratações de financiamento e de empréstimo consignado. O juízo considerou a ação improcedente, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou a sentença e declarou a nulidade de todos os atos processuais desde a citação, sob o fundamento de que a falta de publicação do edital, conforme o disposto no artigo 94 do CDC, gera nulidade absoluta, pois se trata de matéria de ordem pública.

No recurso ao STJ, o banco sustentou que a ausência do edital configura irregularidade sanável, além do que não teria havido prejuízo aos consumidores.

Ação civil pública evita insegurança jurídica e excesso de processos

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que “o MP detém legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública que vise assegurar adequada tutela coletiva de direitos dos consumidores”, de acordo com o disposto no artigo 82 do CDC.

A ministra ressaltou que esse tipo de ação civil é o meio mais adequado para tutelar direitos e interesses indisponíveis ou de repercussão social, nos casos de conflito de massa.

“No processo coletivo, evita-se a prolação de múltiplas decisões judiciais sobre o mesmo tema, fato que contribui para a geração de uma possível insegurança jurídica e para o aumento da sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário”, completou.

Nulidade depende do impacto da decisão para o consumidor

De acordo com a relatora, o objetivo do artigo 94 do CDC é beneficiar o consumidor. “Sendo norma favorável ao consumidor, como tal deve ser interpretada (interpretação teleológica), a fim de que o dispositivo possa, efetivamente, atingir a finalidade almejada pelo legislador”, disse.

Desse modo – acrescentou Nancy Andrighi –, se a sentença for, ao menos em parte, favorável aos consumidores, o processo não poderá ser anulado com base na falta de publicação do edital, pois não terá havido prejuízo. A ministra lembrou que o juiz não deve anular o ato quando puder decidir a favor da parte à qual seria útil a decretação do vício, segundo o artigo 282, parágrafo 2º, do CPC.

Por outro lado, ela ressaltou que a ausência do edital constituirá nulidade absoluta quando a demanda coletiva for extinta sem resolução do mérito ou julgada improcedente. “Evidente o dano causado aos consumidores, que não tiveram ciência oficial do trâmite do processo e não puderam habilitar-se nos autos como litisconsortes, agregando eventuais dados que pudessem alterar o resultado final da demanda”, enfatizou.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MICROSSISTEMA PROCESSUAL COLETIVO. TUTELA ADEQUADA. ART. 94 DA LEI N. 8.078⁄90. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DE EDITAL. CONSEQUÊNCIAS. PRINCÍPIO DO PREJUÍZO. FINALIDADE DA NORMA.
1. Ação civil pública ajuizada em 15⁄03⁄2016, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 29⁄03⁄2022 e concluso ao gabinete em 06⁄12⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em definir, preliminarmente, se o Tribunal de origem violou os arts. 489, §1° e 1.022, II, ambos do CPC e, no mérito, se a ausência da publicação de edital previsto no art. 94 da Lei n. 8.078⁄90 constitui irregularidade sanável.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação dos arts. 489 e 1.022, ambos do CPC.
4. O Ministério Público detém legitimidade, nos termos do art. 129, III, da CF⁄88, do art. 1°, II e 5°, I, ambos da Lei n. 7.347⁄85 e do art. 83 da Lei n. 8.078⁄90, para o ajuizamento de ação civil pública que vise assegurar adequada tutela coletiva de direitos dos consumidores.
5. Em conflitos de massa, a ação civil pública revela-se como o meio mais pertinente à tutela de direitos e interesses indisponíveis e⁄ou que detenham suficiente repercussão social, aproveitando em maior ou menor medida a toda a coletividade.
6. A mens legis do art. 94 da Lei 8.078⁄90 visa beneficiar o consumidor, propiciando a configuração de litisconsórcio ativo unitário facultativo.
7. Sendo norma favorável ao consumidor, como tal deve ser interpretada (interpretação teleológica), a fim de que o dispositivo possa, efetivamente, atingir a finalidade almejada pelo legislador.
8. Em sendo prolatada sentença que, ao menos em parte, seja favorável aos consumidores tutelados por algum dos legitimados previstos no art. 82 da Lei 8.078⁄90, a ausência de publicação do edital estatuído no art. 94 do CDC constitui irregularidade sanável, não havendo que se falar em nulidade do processo, tendo em vista (i) a ausência de prejuízo e (ii) o disposto no art. 282, § 2°, do CPC.
9. Em contrapartida, a ausência de publicação do citado edital constituirá nulidade absoluta, nos casos em que a demanda coletiva seja extinta sem resolução do mérito ou o processo seja julgado improcedente, já que evidente o dano causado aos consumidores, que não tiveram ciência oficial do trâmite do processo e não puderam habilitar-se nos autos como litisconsortes, agregando eventuais dados que pudessem alterar o resultado final da demanda.
10. A publicação do edital previsto no art. 94 do CDC permite que os cidadãos, que se encontram na mesma situação fático-jurídica submetida a julgamento do Poder Judiciário, possam ingressar no processo coletivo, pluralizar a discussão posta em Juízo e respaldar, de forma ainda mais contundente, a decisão tomada pela Justiça.
11. Recurso especial conhecido e não provido.
 

Leia o acórdão no REsp 2.026.245.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2026245

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