A ausência de citação dos confinantes (vizinhos) e seus cônjuges, em processo de usucapião, não é causa de nulidade absoluta do processo.
Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso para afastar a nulidade declarada de ofício pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ao analisar apelação contra sentença que reconheceu a usucapião de imóvel rural no interior do estado. Com a decisão do STJ, o processo retorna ao TJMG para a análise de mérito da apelação.
Para o ministro relator do recurso, Luis Felipe Salomão, apesar de ser recomendada a citação dos vizinhos, sua falta gera apenas nulidade relativa, quando se comprova prejuízo sofrido por algum desses vizinhos quanto aos limites territoriais do imóvel que sofreu usucapião.
“Tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá malgrado o defeito atinente à primeira”, explicou o relator.
O relator destacou o importante papel dos confinantes, porque, dependendo da situação, eles terão que defender os limites de sua propriedade, e ao mesmo tempo podem fornecer subsídios ao magistrado para decidir acerca do processo de usucapião.
O ministro lembrou que a sentença que declarar a propriedade do imóvel não trará prejuízo ao confinante ou cônjuge não citado, já que a sua não participação no feito significa que a sentença não terá efeitos quanto à área demarcada, reconhecendo apenas a propriedade do imóvel.
Formalismo
Salomão citou uma “onda renovatória” de entendimentos nos tribunais tendente a afastar o excesso de formalismo em prol da justiça social. No caso analisado, argumentou o ministro, não se discute o mérito da ação de usucapião, mas tão somente a regra procedimental, especificamente a ausência de citação dos cônjuges dos vizinhos como causa de nulidade absoluta do processo.
“Mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar a solução do direito material em litígio, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade”, disse.
O ministro lembrou que o Código de Processo Civil de 1973 estabelecia rito específico para as ações de usucapião, mas o novo CPC não prevê mais tal procedimento especial, “permitindo-se a conclusão de que a ação passou a ser tratada no âmbito do procedimento comum”.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. CUMULAÇÃO DE PRETENSÕES: USUCAPIÃO E DELIMITATÓRIA. CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO CONFINANTE. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE RELATIVA DO FEITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. INEFICÁCIA DA SENTENÇA, COM RELAÇÃO AO CONFINANTE, NO QUE CONCERNE À DEMARCAÇÃO DA ÁREA USUCAPIENDA. 1. Estabelece o Código de Processo Civil de 1973, no tocante ao procedimento da usucapião, que o autor deve requerer “a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados” (art. 942). 2. Os confrontantes têm grande relevância no processo de usucapião porque, a depender da situação, terão que defender os limites de sua propriedade e, ao mesmo tempo, poderão fornecer subsídios fáticos ao magistrado.
3. Com relação ao proprietário e seu cônjuge, constantes no registro de imóveis, é indispensável, na ação de usucapião, a citação deles (e demais compossuídores e condôminos) como litisconsortes necessários, sob pena de a sentença ser absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.
4. No tocante ao confrontante, apesar de amplamente recomendável, a falta de citação não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento – delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos – e pelo fato de seu liame no processo ser bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominada de litisconsórcio sui generis.
5. Em verdade, na espécie, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira.
6. A sentença que declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos, haja vista que a ausência de participação no feito acarretará, com relação a eles, a ineficácia da sentença no que concerne à demarcação da área usucapienda. 7. Apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, inclusive com ampla recomendação de o juízo determinar eventual emenda à inicial para a efetiva interveniência – com citação pessoal – destes no feito, não se pode olvidar que a sua ausência, por si só, apenas incorrerá em nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo.
8. Na hipótese, apesar da citação dos titulares do domínio e dos confinantes, com a declaração da usucapião pelo magistrado de piso, entendeu o Tribunal a quo por anular, indevidamdente, o feito ab initio, em razão da falta de citação do cônjuge de um dos confrontantes.
9. Recurso especial provido.