Faculdade descredenciada pelo MEC deve restituir mensalidades se não viabilizar obtenção do diploma

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que uma instituição privada de ensino superior que foi descredenciada pelo Ministério da Educação (MEC) durante a execução do contrato de prestação de serviços educacionais deve restituir a uma aluna os valores das mensalidades pagas. Segundo o colegiado, a instituição não viabilizou a obtenção do diploma pela estudante, o que caracteriza o descumprimento total do contrato.

A estudante entrou na Justiça requerendo a restituição dos valores pagos a uma universidade, além de indenização por danos morais, pois a instituição foi descredenciada e isso a impediu de prosseguir no curso e obter o diploma.

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo quanto aos danos morais e negou a devolução das mensalidades, entendendo que a aluna efetivamente frequentou as aulas pagas e que poderia ter concluído o curso em outra instituição. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a sentença apenas para reconhecer os danos morais.

Lei impõe obrigação de transferir alunos prejudicados para outra instituição

A relatora do recurso da estudante no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a jurisprudência da corte considera o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aplicável à relação entre instituições privadas de ensino e seus alunos. Dessa forma, segundo a magistrada, as escolas privadas respondem, de forma objetiva, por eventuais falhas na prestação dos serviços (artigos 14 e 20 do CDC).

A ministra explicou que esse tipo de contrato é de trato sucessivo, pois sua execução se estende no tempo e a obrigação é cumprida em parcelas. Segundo ela, em tais casos, o descumprimento de uma parcela da obrigação resulta em inadimplemento parcial e não elimina o que já foi cumprido até ali, de modo que a rescisão do contrato, em regra, gera apenas efeitos futuros, e não retroativos. Para saber se o cumprimento da obrigação ajustada foi realmente parcial, “impende verificar se o credor se aproveitou das prestações efetuadas pelo devedor”.

Para a magistrada, o objetivo final do aluno de curso superior é a obtenção do diploma; logo, se a instituição não oferecer meios para a satisfação desse interesse, estará caracterizado o inadimplemento total do contrato.

“Na hipótese de descadastramento de entidade privada de ensino superior junto ao MEC, a lei lhe impõe a obrigação de transferir os alunos prejudicados para outra instituição de ensino ou a oferta final de disciplinas, para fins de obtenção do diploma. Assim, se a instituição descredenciada não viabilizar aos alunos a conclusão do curso, nos moldes estabelecidos pela lei, restará caracterizada a falha na prestação dos serviços educacionais”, afirmou a ministra.

Obrigação contratual cumprida pela universidade foi inútil para a estudante

Nancy Andrighi apontou que, de acordo com as provas do processo, a universidade não providenciou a transferência da estudante para outra instituição, nem comprovou que ela obteve efetivo aproveitamento das matérias cursadas.

“A mera expedição do histórico de disciplinas cursadas é insuficiente para atingir a finalidade contratual da aluna, que diz respeito à obtenção do diploma. Ou seja, a parcela da obrigação contratual adimplida pela recorrida revelou-se inútil à recorrente, o que caracteriza inadimplemento total, e não parcial da avença.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C⁄C PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO SUPERIOR. DESCADASTRAMENTO DO MEC. RESTITUIÇÃO DAS MENSALIDADES PAGAS. CABIMENTO. CUMPRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO QUE SE REVELOU INÚTIL À CREDORA.
1. Ação de rescisão contratual c⁄c pedido de restituição de valores e indenização por danos morais ajuizada em 26⁄08⁄2012, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto 07⁄06⁄2021 em e concluso ao gabinete em 04⁄07⁄2022.
2. O propósito recursal consiste em definir se a instituição privada de ensino superior, que foi descadastrada do MEC durante a execução do contrato de prestação de serviços educacionais, deve restituir ao aluno os valores correspondentes às mensalidades pagas.
3. Na hipótese de descadastramento de entidade privada de ensino superior junto ao MEC, a lei lhe impõe a obrigação de transferir os alunos prejudicados para outra instituição de ensino ou a oferta final de disciplinas, para fins de obtenção do diploma (art. 57, §§ 1º e 2º, do Decreto 5.773⁄2006 e art. 57, incisos II e III, do atual Decreto 9.235⁄2017). Assim, se a instituição descredenciada não viabilizar aos alunos a conclusão do curso, nos moldes estabelecidos pela lei, restará caracterizada a falha na prestação dos serviços educacionais e consequentemente, o inadimplemento do contrato, circunstância que poderá autorizar a resolução da avença a pedido do consumidor (art. 475 do CC).
4. O contrato de prestação de serviços educacionais qualifica-se como negócio jurídico de execução continuada ou de trato sucessivo, tendo em vista que a execução do contrato se prolonga por um certo período. Nessa modalidade de contrato, o descumprimento da prestação vencida não apaga as prestações já realizadas, desde que sejam autônomas e independentes, razão pela qual a resolução da avença tem, em regra, efeitos ex nunc e não ex tunc. Vale dizer, nos contratos de trato sucessivo, o cumprimento de parcela da obrigação configura, geralmente, adimplemento parcial.
5. Para saber se o cumprimento de parte da obrigação ajustada configura, efetivamente, adimplemento parcial, impende verificar se o credor se aproveitou das prestações efetuadas pelo devedor. É imprescindível que a parcela do contrato adimplida pelo devedor tenha se relevado útil à finalidade almejada pelo credor quando da pactuação do contrato.
6. Nos contratos de prestação de serviços educacionais celebrados com instituições privadas de ensino superior, embora a obrigação seja cindida em diversas prestações durante certo lapso temporal, é certo que o objetivo final do aluno é a obtenção do diploma, pois, só assim, terá a possibilidade de buscar uma vaga no mercado de trabalho. Logo, se a entidade de ensino superior não oferecer meios para a satisfação desse interesse, estará caracterizado o inadimplemento total do contrato.
7. Se, apesar do descadastramento da instituição privada de ensino superior junto ao MEC, for providenciada a transferência do aluno para outra entidade, nos termos do art. 57, incisos II e III, do atual Decreto 9.235⁄2017 (art. 57, §§ 1º e 2º, do antigo Decreto 5.773⁄2006), viabilizando-se, por conseguinte, o término do curso, estará configurado o adimplemento parcial, não havendo que se falar em restituição, ao aluno, do montante pago para cursar as disciplinas finalizadas. Por outro lado, se a instituição descredenciada não proporcionar o término do curso em outra entidade e não houver prova de que o aluno usufruiu das disciplinas concluídas junto à instituição, porque obteve êxito no seu aproveitamento em outra entidade, o valor pago pelo aluno referente às matérias cursadas deverá ser a ele restituído. Nessa hipótese, a parcela do contrato cumprida pela instituição de ensino privada não teve utilidade para o credor.
8. No particular, as recorridas não providenciaram a transferência da recorrente para outra instituição de ensino, a fim de que pudesse concluir o curso de administração à distância, tampouco comprovaram que a recorrente obteve efetivo aproveitamento das disciplinas cursadas junto à outra instituição de ensino superior. Ou seja, a parcela da obrigação contratual adimplida pelas recorridas revelou-se inútil à recorrente, o que caracteriza inadimplemento total e não parcial da avença.
9. Recurso especial conhecido e provido.

Ante a inutilidade da prestação, a recorrida deve restituir à recorrente os valores por ela pagos”, concluiu a relatora.

Leia o acórdão no REsp 2.008.038.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2008038

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