A 9.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná manteve, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da Comarca de Reserva que julgou improcedente o pedido formulado pela empresa José Norberto Didek & Cia. Ltda. e Outro na ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada contra a Bunge Fertilizantes S.A., Fertiguari – Fertilizantes Mandaguari Ltda. e Agrotoledo – Wagner Toledo e Cia. Ltda. Posteriormente estas duas últimas foram excluídas da lide.
Foram ajuizadas duas ações. Em uma delas, a pessoa física do Sr. José Roberto Didek (sócio da empresa) relatou que utilizou 5.250kg do fertilizante da marca “IAP”, fabricado pela Bunge, em 20.000 pés de tomate plantados em sua propriedade, mas, em razão da má qualidade do produto, a colheita ficou muito aquém do esperado. A ineficácia do fertilizante foi comprovada pela Emater e pela Tecpar, que expediram laudos técnicos. Para compensar os prejuízos sofridos, o autor pediu uma indenização no valor de R$ 106.400,00.
Na outra ação, a empresa José Norberto Didek & Cia. Ltda. relatou que adquiriu da Fertiguari e da Agrotoledo 41,5 toneladas de referido fertilizante, no valor equivalente a R$ 19.875,00. Pediu a autora indenização por dano moral e material.
Contestando as ações, a Bunge Fertilizantes S.A. afirmou que o produto utilizado era falsificado, razão pela qual, nos termos do art. 12, § 3.º, do Código de Defesa do Consumidor, não poderia assumir a responsabilidade pela má qualidade do produto.
Como as ações são conexas, pois a causa de pedir é a mesma, os pedidos foram apreciados conjuntamente.
No curso da ação ficou demonstrado que o fertilizante utilizado pelos autores era, de fato, produto falsificado.
Assim, para isentar a Bunge Fertilizantes da responsabilidade de indenizar, o relator do recurso, desembargador Renato Braga Bettega, aplicou ao caso a norma do § 3.º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que diz: “O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro“. (Grifos do redator)
O recurso de apelação:
Inconformados com a decisão de 1.º grau, José Roberto Didek & Cia. Ltda. e Outro interpuseram recurso de apelação alegando, preliminarmente, a ausência de conexão entre as duas ações.
Sustentaram que em uma delas a pessoa física do Sr. José Norberto Didek, que utilizou os adubos em sua plantação e teve prejuízos em razão da má qualidade do produto, pretende reparação com fulcro no Direito do Consumidor, e na outra demanda foi a empresa da qual o Sr. José é sócio que pediu a indenização por dano moral e material para compensar os prejuízos que teve em sua atividade econômica com a aquisição dos fertilizantes de má qualidade.
Em relação aos efeitos da revelia, entendeu que a conexão não pode afastá-los, devendo os fatos articulados na inicial ser considerados como verdadeiros, o que impõe a reforma da sentença.
No mérito, asseverou que a empresa Bunge Fertilizantes quedou-se inerte diante das reclamações e denúncias feitas pelo autor. Frisou que houve comprovação pelos laudos da EMATER e do TECPAR de que os produtos eram de má qualidade.
Destacou que a Bunge deixou de comprovar que não teria colocado os fertilizantes no mercado, tanto que foi autuada pela SEAB (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Paraná), não conseguindo descaracterizar a multa imposta.
Reiterou que as conclusões do laudo da empresa privada de segurança contratada pela ré não podem ser consideradas, pois não se trata de prova imparcial.
Afirmou que as embalagens analisadas aparentavam ser falsas, mas a responsabilidade por esta constatação não é do consumidor e sim da empresa fabricante.
Ressaltou que a empresa Bunge apenas imputou a falsificação aos gestores das empresas Fertiguari e Agrotoledo, sem tomar qualquer medida contra eles.
Encerrou aduzindo que os documentos que instruem as iniciais tanto da ação manejada pela pessoa jurídica (autos 211/2005) quanto da ação proposta pelo produtor José Norberto Didek (autos 170/2005) demonstraram o nexo causal entre a má qualidade do adubo produzido pela Bunge e os danos daí oriundos.
Requereu o provimento do apelo para que haja condenação da ré ao pagamento da indenização pleiteada nos autos n.º 170/2005 e n.º 211/2005.
O voto do relator:
O relator do recurso de apelação, desembargador Renato Braga Bettega, consignou inicialmente: “Da conexão dos feitos – A matéria central dos autos nºs 170/2005 e 211/2005, ambos em trâmite perante a Vara Única da Comarca de Reserva, é a responsabilidade pela falsificação dos fertilizantes da empresa Bunge, que apresentaram má qualidade quando de sua utilização”.
“Os apelantes alegaram que as ações não seriam conexas, contudo tal questão está preclusa, já que decidida pelo primeiro grau e não impugnada pelas partes no momento oportuno, como exige o comando do artigo 473, do CPC (fl. 109 dos autos nº 211/2005).”
“Ademais, no caso não há que se falar na ausência dos requisitos da conexão, já que a causa de pedir é comum nas duas ações, devendo os pedidos ser apreciados em conjunto para evitar decisões conflitantes, de acordo com o contido nos artigos 103 e 105, do CPC.”
“Além do mais, uma das ações já se encontra em fase de cumprimento de sentença, em que sequer foi mantida a empresa Bunge no pólo passivo.”
“A outra demanda que ora se aprecia está em sede de recurso de apelação em face da sentença que considerou a inexistência de responsabilidade da empresa Bunge pela má qualidade dos fertilizantes, já que eles não teriam sido colocados no mercado pela fabricante, mas sim por terceiros falsificadores.”
“Por outro lado, na presente ação houve contestação da requerida, não tendo cabimento a extensão dos efeitos da revelia, que deve ser interpretada restritivamente.”
“Do dever de indenizar – O autor afirmou que adquiriu da empresa da qual é sócio diversos adubos fabricados pela Bunge Fertilizantes S/A para o uso em plantação de tomate, que foram autuados como de má qualidade, com níveis impróprios de alguns minerais.”
“Tal circunstância foi bem elucidada no laudo de vistoria elaborado pela EMATER, no qual consta o seguinte: ‘Na referente visita foi verificado um alto índice de plantas com irregularidade no tamanho, estádio e desenvolvimento, em um total aproximado de 80% da área. Havendo no local uma contra prova de plantas com um desenvolvimento melhor, aproximadamente 20%, declara o produtor convicto que nesta área outro tipo de adubo (Fertilizante Tiskoski)’.”
“O laudo técnico do TECPAR também constatou níveis acima do permitido na composição do agrotóxico, tais como nitrogênio, fósforo e potássio.”
“A fabricante dos fertilizantes alegou que os produtos foram falsificados por terceiros, que estariam de maneira fraudulenta adulterando seus produtos em diversas cidades.”
“Cabe esclarecer que a relação existente entre as partes é de consumo, pois ambas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor delineados nos artigos 2º e 3º, ambos do CDC, qual seja, agricultor que adquiriu o fertilizante e a empresa fabricante do produto.”
“O artigo 12, do Código de Defesa do Consumidor, assim dispõe sobre a responsabilidade por vício do produto, nos seguintes termos: ‘Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro’.”
“A doutrina explica que essa norma consagrou a responsabilidade objetiva, independente da perquirição de culpa. Contudo, tal entendimento pressupõe que o consumidor demonstre a existência do defeito do produto (eventus damini) e o nexo de causalidade entre a conduta do fabricante e o dano.”
“Quanto ao dano, verifica-se do caderno processual que restou incontroverso o fato de que, após o autor adquirir o defensivo agrícola e utilizá-lo em sua plantação de tomate, o produto não surtiu o efeito esperado, conforme laudo da EMATER.”
“Contudo, o nexo causal não restou comprovado, uma vez que a ré/fabricante demonstrou que não colocou o produto no mercado, o que afasta a sua responsabilidade, nos termos do artigo 12, § 3º, I, do CDC.”
“Os relatórios de ensaios apresentados pela TECPAR demonstram que os produtos apreendidos possuíam níveis inferiores de nitrogênio, fósforo e potássio (fls. 24/27), que indica a falsificação dos agrotóxicos.”
“De fato, o depoimento prestado pelo Sr. Roberto Massaki Kono perante a Polícia Federal de Maringá esclarece que os produtos adquiridos pelo autor eram falsificados: “QUE, a empresa BUNGE chegou a receber reclamação de JOSÉ NORBERTO DIDEK a respeito de fertilizantes supostamente fabricados por esta empresa; QUE, o técnico desta empresa dirigiu-se até a propriedade de JOSÉ NORBERTO, verificando que o produto adquirido por esta pessoa seria falsificado, constatando que a embalagem apresentada por JOSÉ NORBERTO, apesar de ser semelhante à embalagem utilizada pela BUNGE, aparentemente era falsificada, constatando também que a planta estava abaixo do desenvolvimento normal (…).”
“Na mesma ocasião a Polícia Federal tomou conhecimento de que Wagner de Toledo, proprietário da empresa Agrotoledo, estaria aplicando golpes no Paraná e o Rio Grande do Sul, fazendo parte do esquema a empresa Fertiguari.”
“A própria fabricante dos agrotóxicos contratou a empresa de consultoria Arpes para apurar as denúncias de falsificação, que concluiu o seguinte no Relatório de investigação: ‘Estivemos pessoalmente na plantação do Sr. José Norberto e constatamos o ‘efeito anormal’ que o fertilizante causou. Colhemos na sua propriedade duas embalagens do produto utilizado com suas respectivas etiquetas, constatando que não correspondem ao padrão da Bunge Fertilizantes.”
“Observa-se, portanto, dos documentos acostados aos autos que a empresa ré demonstrou que desde 2003 vem sendo vítima de falsificação externa de seus produtos, tendo adotado medidas para repelir essa prática.”
“A falsificação do produto é justamente o exemplo que a doutrina oferece acerca dessa excludente de responsabilidade, in verbis: ‘A norma excludente do I do § 3º está lá para os casos dos produtos falsificados. Estes sim, de fato, excluem a responsabilidade, por ilegitimidade de parte. É que no caso de produto falsificado não só o delito é outro, de órbita penal, como o responsável pelo dano é o vendedor’. (In: NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 333)”
“Desse modo, correta a sentença que julgou improcedente a pretensão do autor de ser ressarcido pelos danos decorrentes de fertilizante comprovadamente adulterado por terceiros.”
“Corroborando o entendimento aqui exarado vide o seguinte julgado: ‘RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. SERVIÇO EDUCACIONAL. DANO MORAL. ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS. ESCOLA REGULAR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEFEITO INEXISTENTE. INDENIZAÇÃO AFASTADA. Nas demandas de indenização por acidente de consumo, compete ao consumidor a prova do dano e do nexo de causa e efeito, e ao fornecedor, que responde objetivamente, o ônus da prova de uma das excludentes de responsabilidade. Na ausência de defeito na prestação de serviço educacional, afasta-se o dever de indenizar. APELAÇÃO NÃO PROVIDA’. (TJPR, 10ª C. Civ., Ap. Civ nº 0659044-5, Rel. Nilson Mizuta, julg: 12/08/2010)”
“Desse modo, o recurso deve ser desprovido, mantendo-se incólume a sentença recorrida.”
Participaram da sessão e acompanharam o voto do relator o desembargador Francisco Luiz Macedo Junior e o juiz substituto em 2.º grau Sergio Luiz Patitucci.
Apelação Cível n.º
759071-4
0000134-92.2005.8.16.0143