O Estado do Paraná foi condenado a indenizar os proprietários da Fazenda Altamira, localizada no Município de Santa Inês (Noroeste do Estado), porque deixou de designar, em época oportuna, força policial para dar cumprimento à ordem judicial de reintegração de posse. Dessa omissão resultaram danos materiais e morais para os donos da propriedade.
A fazenda fora invadida, em 14 de março de 1998, por 40 famílias de trabalhadores sem-terra. Por causa disso, os proprietários das terras ajuizaram uma ação de reintegração de posse na Comarca de Colorado. Deferida a liminar, parte dos invasores desocuparam a propriedade, mas cerca de 27 pessoas continuaram na fazenda, que somente foi completamente desocupada em 5 de maio de 2004, com uso de força policial.
Por essa decisão unânime da 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que reformou parcialmente a sentença do Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, o Estado do Paraná foi condenado a pagar aos proprietários da Fazenda Altamira R$ 100.000,00 (para cada autor da ação), por danos morais, e R$ 1.873.551,47, por danos materiais. A reforma da sentença pelo TJ consistiu apenas na redução do valor da indenização referente aos danos materiais, que havia sido fixado em R$ 2.416.294,00 pelo Juízo de 1.º grau.
O fato
Na petição inicial, narraram os autores da ação de indenização e ação cautelar ajuizada contra o Estado do Paraná que: “são proprietários de imóvel rural denominado Fazenda Altamira, localizado no Município de Santa Inês, regularmente cadastrada no INCRA e com matrícula no Registro Geral de Imóveis da Comarca de Colorado; sempre fizeram os investimentos necessários para manter a fazenda produtiva, buscando a melhoria da produção e das instalações necessárias às atividades que realizavam (pecuária e agricultura); em novembro de 1997 o INCRA mudou seu entendimento acerca da área, desclassificando-a de produtiva para “imóvel rural que não atingiu os índices previstos nos parágrafos 1.° e 2.° do artigo 6.° da Lei n° 8.629” (fl.04), fato que desencadeou um processo administrativo para declarar a propriedade como de interesse social para fins de reforma agrária; diante disso, os autores ingressaram com uma Ação Cautelar perante a 9ª Vara da Justiça Federal em Curitiba (nº 98.0004960-6), na qual obtiveram medida liminar assegurando “a não imissão na posse do imóvel pelo INCRA e que a autarquia se abstivesse de concluir o procedimento expropriatório, até a decisão por aquele Juízo” (fl. 04); ocorre que em 14 de março de 1998, a fazenda foi invadida por cerca de 40 (quarenta) famílias de trabalhadores sem terra, que ocuparam diversas áreas do terreno, inclusive galpões e a sede do local, sendo que parte deles lá continuavam quando do ajuizamento da ação (18.03.2004); em razão dessa situação, ingressaram com Ação de Reintegração de Posse perante o foro da Comarca de Colorado, na qual o Juízo deferiu a liminar para imediata desocupação das terras invadidas; parte dos invasores cumpriu a ordem judicial, porém, cerca de 27 (vinte e sete) pessoas continuaram na fazenda, pelo que os autores requereram o uso de força policial, o que foi deferido pelo Juízo em 24.04.1998; em razão da alta burocracia imposta pelos órgãos estatais para a realização do procedimento (deslocamento de efetivo policial militar), fez-se necessária a expedição de carta precatória ao governador do Estado, à época Senhor Jaime Lerner, o que não surtiu efeito; novamente, em 2004, foi expedida nova carta precatória, agora em nome do Governador Senhor Roberto Requião, que quedou-se silente; a omissão do Estado vem causando incontáveis prejuízos aos autores, que se vêem no direito de terem seus danos ressarcidos pelo Estado”.
O recurso de apelação
No recurso de apelação, o Estado do Paraná sustentou, em síntese, que: “a) não houve omissão do poder publico em desocupar a Fazenda Altamira, pois tal ato se deu com uso de força policial, conforme requisitado pelos apelados; b) o nexo de causalidade é ausente no caso, vez que o dano não ocorreu em virtude de ação ou omissão dos agentes estaduais, mas sim por ato praticado por terceiros (membros do MST), o que é causa excludente da responsabilidade civil; c) caso superados os argumentos acima expostos, há que se reconhecer que no caso em apreço ocorreu a concorrência de causas, pois a suposta omissão do ente público apenas não impediu o agravamento da situação, sendo a causa direta dos danos a própria invasão; d) por outro lado, na medida em que mantiveram o fornecimento de energia elétrica, os autores contribuíram de forma decisiva para a manutenção dos invasores no imóvel, fato que deve atenuar a responsabilidade do Estado; e) não há que se falar em indenização por dano moral, pois os fatos ocorridos não passam de mero aborrecimento; f) caso assim não se entenda, o valor fixado na sentença deve ser minorado, sob pena de propiciar aos autores enriquecimento sem causa; g) no que diz respeito aos danos materiais, o magistrado a quo se ateve apenas ao laudo pericial produzido na Medida Cautelar, o qual, porém, contradiz com as outras provas produzidas nos autos, conforme equívocos que ora destaca; h) o valor fixado a título de honorários advocatícios deve ser minorado”.
Fundamentos da decisão
A relatora do recurso de apelação, desembargadora Dulce Maria Cecconi, inicia assim a fundamentação de seu voto: “A controvérsia instaurada nos autos diz respeito à responsabilidade do Estado do Paraná pelos danos causados na propriedade dos autores (invadida por integrantes do Movimento Sem Terra), ante a inércia do ente público em cumprir decisão judicial que requisitou força policial para ato de reintegração de posse. A meu ver, decidiu com acerto o douto magistrado de primeiro grau ao concluir que a responsabilidade do ente público, em casos como o presente, reveste-se de caráter objetivo, pelo que deve ser analisada à luz do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Com efeito, embora se trate de ato omissivo, certo é que o caso configura uma omissão específica, e não genérica. Havia para o Estado um dever individualizado de agir, consistente no cumprimento imediato de uma ordem judicial”.
“Nesse quadro, cabia aos autores provar apenas a ocorrência do dano e que este foi gerado em razão de ação ou omissão dos agentes públicos. Ou seja, deviam estabelecer o nexo causal entre o dano e a atuação da administração. E tais requisitos foram satisfatoriamente demonstrados no caso em tela.”
“É inegável”, ponderou a desembargadora relatora, “que a postura omissa do ente público gerou um dano aos autores, o qual se evidencia na depredação da propriedade como um todo e os prejuízos daí decorrentes, exaustivamente avaliados com a realização da prova pericial”.
Disse mais: “[…], na medida em que a permanência dos invasores se deu em razão da inércia do Estado no cumprimento da ordem judicial, fica demonstrado o nexo causa. É certo que, se o Estado tivesse cumprido prontamente a ordem judicial e reintegrado os autores na posse da área, tamanho estrago e todo esse prejuízo não teria ocorrido”.
“Cabe observar, ademais, que durante todos esses anos em que o Estado manteve-se inerte os autores tentaram de diversas formas provocá-lo para cumprir a ordem judicial, conforme se pode ver pela documentação acostada às fls. 104/121 e fls. 129/130, onde constam ofícios e intimações encaminhados à Polícia Militar, ao Secretário de Segurança Pública e ao Governador do Estado”, asseverou a relatora.
E concluiu: “Assim, entendo que o conjunto probatório colacionado aos autos aponta para a responsabilidade do Estado apelante pelo evento danoso, não havendo que se falar em ato exclusivo de terceiro, na medida em que não há como negar que nem todos os danos foram gerados exclusivamente pelo Estado, sendo inquestionável que uma parte deles decorreu da própria invasão e de atos de vandalismo perpetrados diretamente pelos integrantes do movimento sem-terra”.
No que diz respeito ao dano moral, consignou a relatora: “Indene de dúvida que a omissão do Estado causou grande sofrimento, transtorno e humilhação aos autores, que, à época da invasão e descumprimento da ordem pelo apelante, contavam mais de 70 anos de idade. Nesse ponto, cabe considerar também os laudos médicos juntados aos autos, os quais indicam vários problemas de saúde decorrentes do trauma emocional e o stress que sofreram com a invasão e o desamparo do Estado, como doenças cardíacas, gástricas e dermatológicas”.
Referindo-se ao valor afixado pelo Juízo de 1.º grau (R$ 2.416.294,00), a título de danos materiais, consignou a desembargadora relatora que “não parece adequado responsabilizar o Estado por todos os danos ocorridos na fazenda dos autores, pois obviamente uma parte deles foi ocasionada pela própria invasão e por atos praticados diretamente pelos invasores antes da requisição da força policial”. “Assim, no que toca ao Estado apelante, entendo que ele deve ser responsabilizado pelo agravamento dos danos gerados na Fazenda Altamira, pagando os valores que tiverem de ser gastos com a sua recuperação, bem como os valores que os autores deixaram de lucrar em razão da permanência dos invasores no imóvel [R$ 1.873.551,97]”, completou.
Participaram do julgamento o juiz substituto em 2.º grau Fernando César Zeni (revisor) e o desembargador Salvatore Antonio Astuti, que acompanharam o voto da relatora.
Apelação Cível n.º
741993-0