Empresa de moda é condenada por submeter trabalhadores bolivianos a condições degradantes

O serviço de costura era feito dentro de uma casa precária, que também servia de moradia

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da M5 Indústria e Comércio Ltda. (M. Officer) contra decisão que a condenou por manter quatro costureiros bolivianos trabalhando em condições degradantes em São Paulo (SP). Os juízos de primeiro e segundo graus reconheceram a relação de emprego e determinaram o pagamento de indenizações por danos extrapatrimoniais. No TST, o colegiado entendeu que, para se chegar a conclusão diversa, seria necessário reanalisar fatos e provas, conduta vedada em recurso de revista.

Resgate

A reclamação trabalhista foi ajuizada por três homens e uma mulher, com o apoio da Defensoria Pública da União. Em 6/6/2014, eles foram resgatados do local de trabalho durante fiscalização conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública e da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Estadual do Trabalho Escravo.

Os estrangeiros estavam de forma irregular no Brasil e foram escolhidos por meio de subcontratações. Eles confeccionavam peças da M. Officer e moravam no próprio local, onde trabalhavam das 7h às 22h.

A oficina era uma casa com fiação exposta, depósito de botijões de gás, sem extintor de incêndio e com saída inadequada (escada sem corrimão). O banheiro era compartilhado pelos homens e pela mulher, e inseticidas eram guardados junto com alimentos. Além disso, a mulher e um dos homens constituíam uma família com um bebê em idade de amamentação que vivia no local.

Contrato de facção

A M5, em sua defesa, alegou que os trabalhadores foram contratados, unicamente, pela empresa Empório Uffizi, que vendia roupas completas para as lojas da M. Officer. Segundo esse argumento, tratava-se de contrato de facção, que tem por objeto a compra de parte da produção, e não a locação de mão de obra ou a prestação de serviços.

Condenação

O juízo da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo e, depois, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região reconheceram a relação de emprego e deferiram o pagamento de R$ 100 mil a título de indenização por danos extrapatrimonais.

Os julgadores constataram que a M5 não saía a campo para contratar os bolivianos encontrados no local da diligência e se valia da  Empório Uffizi, que intermediava as duas pontas da relação. Um dos elementos que demonstraram o vínculo com a gestora da M. Officer é que ela tinha poder diretivo patronal “camuflado no controle indireto por meio de imposição de modelo, ficha técnica, devolução das peças que fugirem aos parâmetros”.

Intermediação

O relator do recurso de revista da M5, ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior, destacou que, conforme o TRT, a Empório Uffizi não tinha costureiras, mas apenas piloteiras (que confeccionam peças-piloto), e atuava como intermediária da M5 para a contratação dos trabalhadores encontrados na fiscalização. “Não se pode falar em contrato de facção quando a empresa contratada nem mesmo tem pessoas para realizar o serviço contratado”, ressaltou.

Dignidade

Quanto aos danos, o TRT registrou que os imigrantes, em busca de abrigo e comida, aceitaram trabalhar em situação degradante, sem as mínimas condições de higiene, além de serem submetidos a jornadas de trabalho exaustivas. “A contratação e a manutenção de trabalhadores em condições degradantes são atos ofensivos à dignidade da pessoa aviltada e justifica o deferimento de indenização por danos extrapatrimoniais”, afirmou o relator.

O ministro destacou que a pessoa humana é objeto da proteção do ordenamento jurídico e tem direito a uma existência digna. Na sua avaliação, o valor de R$ 100 mil da indenização é proporcional e razoável.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

1. Nos embargos declaratórios, a ré-recorrente buscou apenas explicações para a conclusão assumida no acórdão embargado.

2. Alegou omissão, pois não explicitados os fundamentos para o reconhecimento de uma subordinação estrutural, e obscuridade, porque não se fariam presentes os requisitos para a caracterização da subordinação estrutural.

3. O destino desses embargos era, realmente, a rejeição, na medida em que os motivos do reconhecimento do vínculo direto com a tomadora foram detalhadamente expostos na decisão embargada (ainda que a embargante com eles não concorde) e a decisão não se pautou na existência de grupo econômico, mas em uma intermediação fraudulenta.

4. Ainda que houvesse declaração de grupo econômico por subordinação estrutural, cabia ao insatisfeito recorrer e não buscar esclarecimentos com o prolator da decisão impugnada. O mesmo se diga quando a embargante questionou que a conclusão do julgado não poderia ser realizada com depoimentos colhidos na fase fiscalizatória e não ratificadas em juízo.

5. Finalmente, quanto às questões fáticas suscitadas nos embargos de declaração , não se verifica a relevância pretendida, principalmente porque no próprio acórdão regional ficou registrado que “(…) a Sra. Lilian admitiu que das peças produzidas cerca de 80% era em prol da MOffice”, que é exatamente o fato que a recorrente pretendia comprovar (ausência de exclusividade) , por meio do prequestionamento.

DEPOIMENTOS COLHIDOS EM FISCALIZAÇÃO E NÃO SUBMETIDOS AO CONTRADITÓRIO. VALIDADE E LIMITAÇÃO DA FORÇA DE CONVENCIMENTO.

1. O primeiro questionamento levantado pela recorrente diz respeito à impossibilidade de se acolher como prova declarações prestadas durante a fiscalização e não confirmadas em juízo.

2. Claro que depoimentos prestados no momento da fiscalização e não ratificados mediante contraditório perdem a força probatória, mas nem por isso deixam de representar indícios que podem ser levados em consideração pelo Magistrado, mormente quando corroborado por outros elementos de convencimento.

3. O acórdão regional faz alusão a fotos do local e a depoimentos colhidos por um Juiz instrutor designado para atuar em Medida Cautelar proposta após a fiscalização.

4. Portanto, o acervo probatório utilizado no acórdão regional é isento de mácula.

RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. CONTRATO DE FACÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. ÓBICE DA SÚMULA Nº 126 DO TST.

1. Da narrativa do acórdão regional extrai-se que o autor, trabalhador estrangeiro e irregular em território nacional, teria sido arregimentado por meio de um encadeamento de subcontratações e prestava serviços em condições degradantes, residindo e se alimentando no próprio local. A situação foi detectada em fiscalização conjunta do MPT, Defensoria Pública e representante da CPI estadual do trabalho escravo.

2. Segundo registrado no acórdão, o local da prestação de serviços era mantido por uma pessoa chamada IVER que declarou à fiscalização prestar serviços para a “Empório Uffizi”, embora produzisse peças para a empresa M5.

3. O acórdão consigna que a “Empório Uffizi” não possuía costureiras, mas apenas piloteiras, servindo como intermediária da M5 para a contratação dos trabalhadores encontrados na fiscalização.

4. Não se pode falar em contrato de facção quando a empresa contratada nem mesmo tem trabalhadores para realizar o serviço contratado, o que corrobora com a conclusão do Tribunal Regional, no sentido de que a “Empório Uffizi” era apenas intermediária da contratação de mão de obra barata.

5. Ademais, neste caso, a ausência de exclusividade não é suficiente para caracterizar o contrato de facção ou afastar a responsabilidade da recorrente como verdadeira empregadora, visto que a Corte de origem deixou certo que a M5, ainda que não tenha sido a única, era a grande beneficiária dos serviços executados pelos autores.

6. Delineadas as premissas fáticas acima referenciadas, não há como alterar a conclusão jurídica assumida pela Corte Regional, pois, para afastar o vínculo de emprego com a primeira ré, seria imprescindível o revolvimento dos fatos e provas, inviável nesta seara recursal de natureza extraordinária, ante o óbice da Súmula n. 126 do TST.

INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. JORNADA EXAUSTIVA. CABIMENTO .

1. No caso vertente, a Corte de origem, valorando fatos e provas, insuscetível de reexame nesta via recursal de natureza extraordinária, nos termos da Súmula n. 126 do TST, consignou expressamente que os trabalhadores laboravam em condições degradantes, sem as mínimas condições de higiene, além de serem submetidos a jornadas de trabalho exaustivas.

2. A contratação e a manutenção de trabalhadores em condições degradantes são atos ofensivos à dignidade da pessoa aviltada e justifica o deferimento de indenização por danos extrapatrimoniais, pois a pessoa humana é objeto da proteção do ordenamento jurídico, sendo detentora de direitos que lhe permitam uma existência digna.

3. Logo, como consequência lógica à configuração de dano de natureza extrapatrimonial, nasce o dever de indenizar, nos termos do artigo 5º, X, da Constituição Federal.

Agravo de instrumento a que se nega provimento.

RECURSO DE REVISTA. DANO EXTRAPATRIMONIAL. VALOR ARBITRADO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA.

1. A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais deste Tribunal Superior, relativamente ao “quantum” indenizatório fixado pelas instâncias ordinárias, consolidou a orientação no sentido de que a revisão somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada a título de reparação de dano extrapatrimonial, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se verifica.

2. A Corte Regional manteve a sentença de primeiro grau que arbitrou a indenização em R$ 100.000,00 (cem mil reais) pelo dano extrapatrimonial sofrido pelas partes autoras em razão das jornadas exaustivas e condições degradantes do ambiente de trabalho.

3. Não se vislumbra, portanto, desproporcionalidade ou falta de razoabilidade no arbitramento.

Recurso de revista não conhecido.

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-1582-54.2014.5.02.0037 

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