A compensação foi considerada mais benéfica para a população do que o desconto.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho determinou a compensação integral dos dias em que não houve efetiva prestação de serviços por parte dos empregados da Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” (Furp), do Governo de São Paulo, em razão de paralisação realizada em 2016. O movimento foi deflagrado sob a alegação de que a empresa não havia cumprido o estabelecido em convenção coletiva de trabalho.
A ação foi ajuizada pela Furp contra o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Abrasivos, Material Plástico, Tintas e Vernizes de Guarulhos e Mairiporã. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) declarou a não abusividade da greve e determinou à instituição o pagamento dos dias em que houve paralisação. A fundação recorreu ao TST e conseguiu a reforma dessa decisão.
Regra geral
Segundo a relatora do recurso, ministra Kátia Magalhães Arruda, predomina no Tribunal o entendimento de que a greve configura a suspensão do contrato de trabalho. Portanto, como regra geral, não é devido o pagamento dos dias em que não houve prestação de serviço. As exceções são os casos em que há negociação sobre a matéria ou as situações em que a paralisação é motivada por descumprimento de norma coletiva vigente, não pagamento de salários e más condições de trabalho, entre outras.
Ganho à população
No caso, segundo a relatora, a greve não se enquadrou nas hipóteses de excepcionalidade, o que poderia resultar no desconto dos dias em que os empregados não trabalharam. Todavia, em observância ao princípio da razoabilidade, a ministra considera que cabe a compensação, uma vez que a paralisação atingiu segmento do serviço público ligado à saúde. “A compensação trará maior ganho à população do que o desconto”, afirmou.
O recurso ficou assim ementado:
DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. RECURSO ORDINÁRIO. ABUSIVIDADE DA GREVE NÃO CONFIGURADA. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DA LEI Nº 7.783/89 . NÃO COMPROVAÇÃO DO DESRESPEITO À MEDIDA LIMINAR . Greve é o instrumento de pressão, de natureza constitucional, exercida pela categoria profissional, a fim de obter da categoria econômica a satisfação dos interesses dos trabalhadores, aos quais compete ” decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender ” (art. 9º da CF/88). Não obstante a amplitude constitucionalmente conferida ao direito de greve, a Lei Maior estabelece diretrizes limitadoras ao seu exercício, e remete à legislação infraconstitucional a definição dos serviços ou atividades essenciais, o disciplinamento sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, bem como a responsabilização pelos abusos cometidos. A lei define o exercício do direito de greve como a ” suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador ” (art. 2º da Lei nº 7.783/89), e estabelece os seguintes requisitos de validade: 1 – tentativa de negociação; 2 – aprovação em assembleia de trabalhadores; 3 – regra geral, aviso-prévio à contraparte a respeito da paralisação, com antecedência de 48 horas. Tratando-se de greve em serviços ou atividades essenciais a comunicação deverá ocorrer, no mínimo, com 72 horas de antecedência; e, ainda, durante o período de paralisação, em comum acordo, os envolvidos no conflito – sindicatos dos trabalhadores e empregadores – ficam obrigados a garantir a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Não há controvérsia quanto ao cumprimento dos requisitos formais estabelecidos na legislação para a deflagração da greve. Portanto, sob esse ângulo a greve não foi abusiva. A recorrente alega abusividade da greve amparada pelo descumprimento da determinação judicial de se manter um percentual mínimo de trabalhadores (66%) para garantir a produção de medicamentos. Segundo a FURP, houve a paralisação total dos serviços. Ao se analisar a documentação juntada aos autos, observa-se que as provas apresentadas não são capazes de demonstrar, por si só, que a ordem liminar não foi cumprida integralmente . Recurso ordinário a que se nega provimento. COMPENSAÇÃO DOS DIAS PARADOS. Predomina nesta Corte o entendimento de que a greve configura a suspensão do contrato de trabalho, e, por isso, como regra geral, não é devido o pagamento dos dias de paralisação, exceto quando a questão é negociada entre as partes ou em situações excepcionais, como na paralisação motivada por descumprimento de instrumento normativo coletivo vigente, não pagamento de salários e más-condições de trabalho. No caso, infere-se a greve não se enquadra nas hipóteses de excepcionalidade admitidas pela jurisprudência desta Corte, o que poderia resultar na decretação de descontos dos dias de paralisação. No entanto, cabe acolher a oferta da recorrente para que sejam compensados integramente os dias não trabalhados, medida que inclusive trilha pela observância do princípio da razoabilidade, considerado que o movimento de paralisação atingiu segmento de serviço público ligado à saúde, cuja compensação evidentemente trará maior ganho à população em relação ao desconto dos salários. Recurso ordinário a que se dá provimento, a fim de determinar a compensação integral dos dias em que não houve efetiva prestação por parte dos trabalhadores que aderiram à greve. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INCOMPATIBILIDADE DO PN Nº 36 DO TRT DA 2ª REGIÃO COM O PN Nº 82 DO TST. Esta Seção Especializada tem decidido que, no caso dedissídio coletivo de greve, em que se declara a não abusividade do movimento, a razoabilidade da concessão daestabilidadeàqueles empregados os quais participaram da paralisação decorre, não só da necessidade de lhes proporcionar, após o julgamento da ação, a eficácia da decisão, mas também de evitar despedidas com caráter de retaliação. Precedente da SDC. Entretanto, há de se ressaltar que o Tribunal Regional concedeu estabilidade provisória aos empregados, desde o ajuizamento da ação até 90 dias após o julgamento do dissídio coletivo , nos termos do Precedente Normativo nº 36 daquela Corte, prazo que destoa em parte daquele previsto no Precedente Normativo nº 82 do TST, cuja garantia se limita aos salários e consectários dos empregados despedidos sem justa causa, desde a data do julgamento do dissídio coletivo até 90 dias após a publicação do acórdão, limitado ao período de 120 dias . Recurso ordinário a que se dá provimento, para conceder estabilidade provisória aos empregados nos termos do PN nº 82 do TST. CUSTAS PROCESSUAIS. REDUÇÃO. PRINCÍPIO DA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. No processo do trabalho, tratando-se de litígios que não decorram da relação de emprego, aplica-se o princípio da sucumbência recíproca (art. 86 do CPC/2015), no tocante às custas processuais, conforme dispõe o § 3º do art. 3º da Instrução Normativa nº27/2005 desta Corte. Precedentes da SDC. Em face dos pedidos formulados pela recorrente no recurso ordinário e considerando os que foram acolhidos nesta oportunidade, deve a Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” – FURP arcar com a metade do valor correspondente às custas processuais, cabendo o recolhimento da outra metade ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Abrasivos, Material Plástico, Tintas e Vernizes de Guarulhos e Mairiporã, de forma solidária, observando-se o princípio da sucumbência recíproca. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial.
A decisão foi unânime.
Processo: RO-1001266-67.2016.5.02.0000