O 5º Juizado Especial Cível de Brasília condenou a TV Studios de Brasília, razão social do canal local do SBT, ao pagamento de danos morais a um síndico de condomínio que teve sua imagem veiculada em uma reportagem da emissora, sem que a versão do autor fosse ouvida. Segundo o autor, a matéria teria ofendido sua honra e sua dignidade, com divulgação de informações inverídicas.
O síndico conta que teve uma discussão com um morador do prédio, motivada por dívidas do vizinho com o condomínio, que estavam sendo cobradas judicialmente. O autor alega que, na chegada ao prédio onde ambos moram, ao descer do carro, foi logo agredido pelo condômino. O síndico admite, como vídeos juntados ao processo e gravados por ele próprio podem comprovar, que, em legítima defesa, sacou uma arma e disparou na direção da perna do vizinho, que teria caído no chão.
A reportagem do SBT teria divulgado que a arma foi apontada para a cabeça da vítima e, sem ouvir relato do autor da ação, teria o chamado de criminoso. Além disso, somente a esposa do rapaz contra quem o síndico teria disparado foi ouvida. Outras reportagens de outros canais de televisão foram juntadas ao processo, nas quais o autor pode dar sua versão dos fatos.
Na contestação, a ré alegou que se limitou a narrar informações que apurou na própria delegacia e que teria atuado em estrito cumprimento ao dever legal. O canal declarou, também, que “tentou contato com o autor, visando oferecer-lhe espaço para resposta, o que, aliás, tornaria a notícia jornalística muito mais interessante ao público e completa para a equipe de reportagem, porém sem sucesso até o fechamento da matéria”.
Na decisão, a magistrada avaliou que a repórter do SBT, ao exibir a notícia, emite juízos de valor que extrapolam a simples intenção de informar e tece comentários que colocam em dúvida a legalidade e/ou licitude da conduta do autor. “Sem considerar a possibilidade de legítima defesa (…), embora a própria esposa da vítima a tenha mencionado em sua entrevista, Neila (a repórter) reforça a imagem da vítima indefesa, que qualifica como ‘morador desarmado’, mesmo sem se certificar disso e, por fim, ainda afirma que o autor é um ‘policial que teve todo um preparo na vida’, dando a entender que ele, valendo-se de sua profissão e deixando de lado os cuidados a ela inerentes, teria praticado abuso ao disparar abusiva e injustificadamente contra um morador desarmado e indefeso”, acrescenta a juíza.
Dessa forma, segundo a julgadora, fica evidente o caráter sensacionalista e irresponsável dos comentários emitidos no programa do SBT, sem que tenha sido ouvido o autor ou levado em consideração depoimento de testemunha ou filmagens das câmeras de vídeo do condomínio. No entendimento da magistrada, “foi totalmente desconsiderada a grande possibilidade de que o agressor, efetivamente, tenha agido em sua legítima defesa” e tal comportamento por parte de um veículo de comunicação de massa como a TV é capaz de “lançar mácula sobre a atividade policial como um todo”, ponderou, por fim.
A empresa foi condenada a indenizar o autor em R$ 15 mil, por danos morais, atualizados a partir da data em que a reportagem foi ao ar.
Cabe recurso da sentença, o que ocorreu e o mesmo ficou assim ementado:
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. ABUSO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO CONSTATADO. DIREITO À IMAGEM. OFENSA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de ação de indenização por danos morais, decorrente de matéria jornalística, cujos pedidos foram julgados procedentes, condenando-se a ré ao pagamento de R$ 15.000,00. 2. A ré apresentou recurso inominado, regular e tempestivo. As contrarrazões foram apresentadas. 3. O réu arguiu que o autor ajuizou a presente ação buscando se ressarcir por danos morais, em razão de noticia jornalística transmitida pela recorrente, emissora de televisão local, acerca do fato verídico e confesso do recorrido, na condição de síndico do edifício que vive, ter disparado arma de fogo contra seu vizinho, em legitima defesa. Alegou que a reportagem se apresentou inteiramente amparada pela liberdade de imprensa garantida pelo Estado democrático de Direito, pois apenas descreveu os fatos conforme apurado em boletim de ocorrência policial, inexistindo violações e/ou excessos/juízos de valor que pudessem ensejar ressarcimento moral. 4. Em seu recurso, a emissora ré ponderou, ainda, que se trata de matéria jornalística, de fatos incontroversos e verídicos, de interesse publico, pois relativos à segurança pública, uma vez que o autor é agente público – policial militar. Ademais, o comentário isolado da jornalista que reportou a matéria não pode jamais ser entendido como excesso ou violação direito de informação. Ainda, na ADPF 130/DF o STF entendeu que ?O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender criticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado?. 5. Sabe-se que a Constituição da República estabelece o primado da livre manifestação do pensamento (art. 5.º, IV), reforçado pelo art. 220, § 1.º, quando disciplina a plena liberdade de informação jornalística. No entanto, a Lei Maior também assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e imagem, garantindo a indenização por dano material ou moral decorrente da violação destes (art. 5.º, X). 6. Não se olvida que a liberdade de imprensa representa papel essencial na defesa da democracia. Entretanto, a liberdade de expressão e de imprensa não é total e absoluta, encontrando limites na dignidade humana, na preservação da intimidade, honra e vida privada. Há de se fazer, no caso concreto, um juízo de ponderação, então, para se averiguar se houve excessos ou não na liberdade de informar. 7. No caso vertente, a parte recorrente, de maneira clara, excedeu-se. Consoante destacado na sentença: ?(…) a repórter Neila emite juízos de valor que extrapolam a simples intenção de informar, e ao final da reportagem tece comentário final, dizendo ?estranho isso?, o que confere conotação de dúvida acerca da legalidade e/ou licitude da conduta do Autor; sem considerar a possibilidade de legítima defesa por parte do Autor, embora a própria esposa da vítima a tenha mencionado em sua entrevista, Neila reforça a imagem da vítima indefesa, que qualifica como ?morador desarmado?, mesmo sem se certificar disso e, por fim, ainda afirma que o Autor é um ?policial que teve todo um preparo na vida?, dando a entender que o autor, valendo-se de sua profissão e deixando de lado os cuidados a ela inerentes, teria praticado abuso ao disparar abusiva e injustificadamente contra um morador desarmado e indefeso?. 8. Vislumbra-se, portanto, a presença de elementos suficientes a ensejar a indenização por danos morais, porque a conduta da ré transcende a esfera da mera informação, vez ter havido insinuações desabonadoras da conduta e da pessoa do autor. 9. Na seara da fixação do valor da indenização devida, deve-se levar em consideração as circunstâncias do fato, a gravidade do dano, a capacidade econômica das partes, assim como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Também não se pode deixar de lado a função pedagógico-reparadora do dano moral consubstanciada em impingir à ré uma sanção bastante a fim de que não retorne a praticar os mesmos atos. Contudo, como bem se sabe, a reparação não pode se tornar uma forma de enriquecimento sem causa. O montante fixado no valor de R$ 15.000,00 se mostra em harmonia com os direcionamentos apontados e com princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 10. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 11. Condeno o recorrente vencido ao pagamento de custas e honorários, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação. 12. Acórdão elaborado nos termos do art. 46 da Lei n. 9099/95