O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), na 7ª Turma, manteve a sentença que reconheceu ser nulo um processo administrativo que impôs a pena de perdimento de bens estrangeiros (mercadorias) de uma pessoa que pediu refúgio aqui no País. Segundo a decisão, não se tratava de produtos cuja importação é proibida e nem que necessitavam de autorização sanitária de importação por pessoa física. O juízo explicou que não é razoável ou proporcional “proibir que uma pessoa física, em tempo de paz, ingresse no território nacional com seus bens, nos termos da lei. Nesse contexto, é o regramento constitucional estatuído no artigo 5º, inc. XV, da Constituição Federal”.
A sentença também ressaltou que o processo administrativo era nulo porque a citação foi por edital em vez de ser pessoal, mas deixou de pronunciá-la porque, no mérito, entendeu que a autora tinha razão em seu pedido de nulidade do perdimento dos bens.
Diante da decisão, a Fazenda Nacional apelou ao TRF1. No recurso, o ente público argumentou que a apreensão dos bens tem a finalidade de assegurar o pagamento dos tributos devidos na importação e garantir o controle do comércio exterior, conforme determina o art. 237 da Constituição Federal (CF).
Ampla defesa e devido processo legal – Relator do processo, o desembargador federal Hercules Fajoses, da 7ª Turma do TRF1, verificou que, de fato, é “inviável a intimação por edital quando o interessado possuir domicílio definido, diante da configuração de violação ao direito de defesa da autora”.
Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), prosseguiu, mesmo no processo administrativo deve vigorar a garantia da ampla defesa e do devido processo legal, ou seja, se o ato é ilegal e causou prejuízo à parte, deve ser anulado, assim como os atos subsequentes.
O magistrado observou, ainda, que a autora ingressou com pedido de refúgio, “e a Defensoria Pública reiteradamente solicitou à Secretaria da Receita Federal a cópia do processo administrativo, sem êxito, e comprovou o endereço certo da autuada nessa ocasião e os fatos demonstram a irregularidade da citação por edital e a ofensa ao direito de defesa”.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL, ADIMINSTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RETENÇÃO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. DOMICÍLIO FISCAL CONHECIDO. INTIMAÇÃO PREMATURA REALIZADA POR EDITAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. LIBERAÇÃO DOS BENS APREENDIDOS. 1. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos, nos termos do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. 2. O egrégio Superior Tribunal de Justiça entende que: No caso dos autos, a Fazenda Pública utilizou-se de forma imediata da intimação por edital, razão pela qual o entendimento fixado pelo Tribunal de origem, ao anular o processo administrativo fiscal por vício na intimação, e determinar a intimação pessoal do contribuinte deve ser mantido (REsp 1.561.153/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/11/2015, DJe de 24/11/2015). 3. A egrégia Corte Superior reconhece que: O Procedimento Administrativo é informado pelo princípio do due process of law. Se o ato eivado de ilegalidade não cumpriu sua finalidade, ocasionando prejuízo à parte, deve ser anulado, como anulados devem ser os atos subsequentes a ele. A garantia da plena defesa implica a observância do rito, as cientificações necessárias, a oportunidade de objetar a acusação desde o seu nascedouro, a produção de provas, o acompanhamento do iter procedimental, bem como a utilização dos recursos cabíveis. A Administração Pública, mesmo no exercício do seu poder de polícia e nas atividades self executing não pode impor aos administrados sanções que repercutam no seu patrimônio sem a preservação da ampla defesa, que in casu se opera pelas notificações apontadas no CTB (REsp 536.463/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25/11/2003, DJ de 19/12/2003). 4. Sobre os procedimentos adotados, o egrégio Superior Tribunal de Justiça decide que: “Em consequência, o Regulamento Aduaneiro não prevê a intimação postal em instauração de processo administrativo fiscal em que possa ser cominada pena de perdimento” (REsp 536.463/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 25/11/2003, DJ de 19/12/2003). 5. A intimação do contribuinte no processo administrativo fiscal poderá ocorrer pessoalmente, por via postal ou telegráfica, no domicílio tributário fornecido para fins cadastrais na Secretaria da Receita Federal, sendo que a intimação por edital é meio alternativo, quando frustradas as intimações pessoal ou por carta (art. 23 do Decreto nº 70.235/1972) entendimento desta egrégia Corte no julgamento indicado (AC 0010267-08.1996.4.01.0000/MG, Relator Desembargador Federal Leomar Barros Amorim de Sousa, Juiz Federal convocado Cleberson José Rocha, Oitava Turma, e-DJF1 de 11/06/2010). 6. Evidencia-se violação ao direito de defesa no procedimento fiscal de retenção e perdimento de bens quando a intimação do contribuinte, com domicílio certo e conhecido, é realizada apenas por edital. 7. Apelação não provida.
Pelos motivos expostos, o relator votou no sentido de negar provimento à apelação, mantendo a sentença, em que foi acompanhado por unanimidade pelo Colegiado.
Processo: 1000558-33.2019.4.01.4200