Um laboratório farmacêutico terá de reintegrar os empregados dispensados.
A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão em que a Laboratil Farmacêutica Ltda. foi condenada a reintegrar empregados dispensados durante greve na empresa. Para a SDC, a dispensa motivada pelo simples exercício do direito de greve constitui grave violação da liberdade sindical.
O movimento grevista ocorreu em fevereiro de 2017 e teve como motivo o não cumprimento pela empresa de diversas obrigações trabalhistas. Sem acordo, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo, Taboão da Serra, Embu, Embu-Guaçu e Caieiras ajuizou dissídio coletivo de greve, julgado parcialmente procedente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).
Além de condenar a Laboratil ao pagamento dos dias parados, o TRT concedeu estabilidade provisória de 90 dias aos empregados que aderiram à paralisação e determinou a reintegração dos dispensados no curso do dissídio coletivo.
Crise financeira
No recurso ordinário, a Laboratil sustentou que as dispensas decorreram da grave crise financeira pela qual passa. Afirmou, ainda, que o quadro de funcionários ainda não foi reposto por falta de recursos.
O sindicato, por sua vez, tem argumentado que uma empresa do ramo farmacêutico não pode alegar crise financeira para não pagar salários e demais direitos trabalhistas, pois é notório que o setor “é um dos poucos que vem apresentando considerável crescimento e não foi afetado pela crise”.
Liberdade sindical
A relatora do recurso, ministra Kátia Magalhães Arruda, destacou que a Constituição da República assegura o direito de greve, e a dispensa de empregados em razão do simples exercício desse direito é vedada. No caso, observou que, de acordo com o Tribunal Regional, é incontroversa a dispensa de empregados durante a greve e o processamento do dissídio coletivo, o que contraria o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 7.783/89 (Lei de Greve).
“A dispensa motivada pelo exercício do direito de greve constitui grave violação da liberdade sindical”, afirmou a ministra, que citou, na fundamentação de seu voto, a jurisprudência da SDC e do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O recurso ficou assim ementado:
DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. RECURSO ORDINÁRIO. PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. A recorrente argui, em linhas gerais, que o sindicato da categoria profissional não observou os requisitos da Lei de Greve para a instauração do movimento paredista. Todavia, quando a greve é deflagrada por falta de pagamento de salário, prevalece nesta Corte o entendimento no sentido de admitir que os trabalhadores paralisem suas atividades, mesmo sem cumprirem os requisitos formais da Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve). Essa é exatamente a hipótese destes autos. Rejeita-se a preliminar. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A lei estabelece que no processo do trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes (art. 794 da CLT). No caso, o TRT julgou o dissídio coletivo enfrentando os incidentes e abordando os questionamentos apresentados no processo, conforme o convencimento do colegiado. Oportuno destacar que é suficiente que a decisão demonstre as teses jurídicas e a valoração das provas que motivaram a formação do convencimento do julgador (art. 371 do CPC/2015). Acrescente-se que, no caso, ainda que se conclua que a Corte regional não se pronunciou satisfatoriamente sobre toda a matéria suscitada pelas partes, por si só, não enseja a nulidade do julgamento. É que o exame do recurso ordinário nesta instância superior não está adstrito aos fundamentos da decisão do Regional, uma vez que o efeito devolutivo em profundidade, próprio desta espécie de recurso, transfere à Corte ad quem o conhecimento de toda a matéria suscitada e discutida, desde que impugnada no apelo, consoante o teor do art. 1.013 do CPC/2015. Não constatada a apontada violação dos arts. 93, IX, da CF/88, 832 da CLT, 535, I e II, e 458 do CPC, rejeita-se a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. DISPENSA MOTIVADA PELO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. GRAVE VIOLAÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL . REINTEGRAÇÃO MANTIDA. Infere-se do acórdão do Tribunal Regional que a empresa Laboratil Farmacêutica LTDA. dispensou trabalhadores durante a realização do movimento paredista. Não cabe a dispensa de empregados, em razão do simples exercício do direito de greve, constitucionalmente assegurado. No caso, a dispensa motivada pelo exercício do direito de greve dos trabalhadores constitui grave violação da liberdade sindical. Nesse sentido é a diretriz revelada pela jurisprudência do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Recurso ordinário a que se nega provimento. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. Esta Seção Especializada tem decidido que, no caso dedissídio coletivo de greve, em que se declara a não abusividade do movimento, a razoabilidade da concessão daestabilidadeàqueles empregados os quais participaram da paralisação decorre, não só da necessidade de lhes proporcionar, após o julgamento da ação, a eficácia da decisão, mas também de evitar despedidas com caráter de retaliação. Precedente da SDC. Recurso ordinário a que se nega provimento. PAGAMENTO DOS DIAS PARADOS. MORA SALARIAL . Em observância às disposições do art. 7º da Lei nº 7.783/1989 , esta Seção Especializada firmou o entendimento de que a greve suspende o contrato de trabalho, razão pela qual, via de regra, não pode ser imposta ao empregador a obrigação de pagar os dias em que os trabalhadores não executaram seus serviços. Entretanto, em determinadas situações, como nos casos em que a greve decorra de conduta reprovável do empregador, como, por exemplo, o atraso no pagamento de salários, é devido o pagamento dos dias parados aos grevistas. No caso concreto, é fato incontroverso que a motivação da greve foi a mora salarial. Nessa condição, infere-se que o caso em comento se insere nas situações excepcionais admitidas por esta Corte, em que devem ser pagos os salários dos dias de greve. Recurso ordinário a que se nega provimento. MULTA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM DE REINTEGRAÇÃO DOS TRABALHADORES DISPENSADOS. VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. A lei ampara a cominação de multa diária, independentemente de pedido, a fim de induzir e compelir ao cumprimento da obrigação e, assim, dar efetividade à ordem judicial (arts. 497, 536, 537 do CPC/2015). O descumprimento de ordem judicial implica na incidência e aplicação da multa fixada como “astreintes”. No caso, constata-se que o TRT fixou multa diária no valor de R$1.000,00 (um mil reais), por cada trabalhador, para a hipótese de descumprimento da ordem de reintegração, em 48 horas, contados da publicação do acórdão, dos trabalhadores dispensados em razão da greve. Não se vislumbra ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, haja vista que o valor da multa deve, além de conduzir ao efetivo cumprimento da obrigação imposta, atuar também de forma pedagógica, para evitar nova conduta desrespeitosa por parte do empregador no caso de outras paralisações que ocorram no futuro. Recurso ordinário a que se nega provimento. ESPECIFICAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS VERBAS DEFERIDAS NO DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. ART. 832, § 3º, DA CLT. INAPLICÁVEL. Os conflitos coletivos trabalhistas são pacificados, regra geral, por intermédio da autocomposição (acordo ou convenção coletivos de trabalho) ou heterocomposição (sentença normativa). Na heterocomposição, a Justiça do Trabalho é instada para decidir o conflito por meio da instauração de dissídio coletivo, que pode ser de natureza econômica/social ou jurídica. O dissídio de cunho jurídico tem como finalidade a interpretação de cláusulas de sentenças normativas, de instrumentos de negociação coletiva, acordos e convenções coletivas, de disposições legais particulares de categoria profissional ou econômica e de atos normativos. Por sua vez, o dissídio coletivo de natureza econômica tem como finalidade a instituição de normas e condições de trabalho. No caso de greve, o dissídio coletivo instaurado poderá ter natureza mista. Ou seja, natureza declaratória, quanto à questão da abusividade ou não do movimento paredista, e natureza constitutiva, quanto à procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações (art. 8º, Lei nº 7.783/89). Desse modo, corroborando com o que foi decidido pelo Tribunal a quo , o dissídio coletivo de greve não tem natureza condenatória, portanto, não houve nenhuma condenação ao pagamento de verbas trabalhistas para que essas fossem especificadas. Recurso ordinário a que se nega provimento.
Por unanimidade, a SDC negou integralmente provimento ao recurso ordinário da Laboratil.
Processo: RO-1000344-89.2017.5.02.0000