Para a 3ª Turma, o critério envolve, de maneira indireta, a idade do empregado
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a nulidade da dispensa de um eletricitário da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), que adotou critério considerado discriminatório na sua política de desligamento de empregados. O colegiado concluiu que a demissão, fundamentada na elegibilidade para a aposentadoria, se baseou de maneira indireta na idade do empregado, o que configura ato ilícito de caráter discriminatório.
Mudanças drásticas
Na reclamação trabalhista, o empregado disse que, em 2015, a imprensa noticiou que a empresa passaria por “mudanças drásticas”, que incluía a dispensa de um grupo de 186 pessoas que estariam em condições de se aposentar pelas regras do INSS. As dispensas foram formalizadas em março de 2016.
Ele sustentou a ilegalidade da sua demissão porque esse critério seria “indisfarçável discriminação pela idade”. Pleiteou a reparação por danos morais e o pagamento em dobro da remuneração devida de todo o período desde a data da sua demissão.
Fonte de renda
A empresa, por sua vez, sustentou que a política de dispensa levou em consideração o menor impacto social da medida, uma vez que apenas foram desligados empregados que já tinham direito adquirido à aposentadoria e, portanto, já teriam garantida uma fonte de renda permanente.
Razoabilidade do critério de dispensa
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) deu razão ao argumento da empresa, ao entender que o critério de dispensar apenas empregados aposentados ou com direito adquirido à aposentadoria era razoável e não constituía ato discriminatório em razão da idade. Segundo o colegiado, a empresa teria comprovado que outros empregados da mesma faixa etária do eletricitário, que não estavam aptos a se aposentar, permaneceram em atividade, o que afastaria o alegado aspecto discriminatório da dispensa.
Discriminação
O relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, acolheu o recurso do trabalhador, por entender que o critério de dispensa constituiu discriminação em razão da idade. Ele lembrou que a Lei 9.029/1995 veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, e idade, entre outros. No mesmo sentido, a CLT veda recusar emprego ou promoção ou motivar a dispensa do trabalho por esses motivos.
Ao analisar agravo interposto pela empresa, a Turma manteve o entendimento do relator e restabeleceu a sentença do juízo da 2ª Vara do Trabalho de Bagé (RS) para condenar a empresa ao pagamento de reparação por dano moral e indenização em dobro da remuneração devida até a data do julgamento.
O recurso ficou assim ementado:
A)AGRAVO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. DISPENSA BASEADA EM CRITÉRIO DE APOSENTADORIA E APTIDÃO PARA A APOSENTADORIA. CEEE. REINTEGRAÇÃO. LIMITES TEMPORAIS . Comprovada nos autos a conduta discriminatória do Reclamado, ao dispensar o Reclamante em razão de política de desligamento baseada unicamente em critério etário, incidem os preceitos constitucionais civilizatórios tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito, com as consequências normativas pertinentes, inclusive a indenização por danos materiais, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.029/95. A pretensão recursal obreira, no sentido de não aplicar a Súmula 28 do TST, encontra-se preclusa, uma vez que o Reclamante-Agravante, ao interpor recurso ordinário contra a sentença, não impugnou o critério temporal determinado pelo Juiz de Primeiro Grau, a saber, a Súmula 28 do TST, que dispõe que “No caso de se converter a reintegração em indenização dobrada, o direito aos salários é assegurado até a data da primeira decisão que determinou essa conversão” . As vias recursais extraordinárias para os tribunais superiores (STF, STJ, TST) não traduzem terceiro grau de jurisdição; existem para assegurar a imperatividade da ordem jurídica constitucional e federal, visando à uniformização jurisprudencial na Federação. Por isso seu acesso é notoriamente restrito, não permitindo cognição ampla. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, “a “, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo do Reclamante desprovido.
B) AGRAVO DA RECLAMADA. DISPENSA BASEADA EM CRITÉRIO DE APOSENTADORIA E APTIDÃO PARA A APOSENTADORIA. CEEE. REINTEGRAÇÃO. O princípio antidiscriminatório está presente no Título I da Constituição da República (art. 3º, IV, in fine ), no Título II, Capítulo I (art. 5º, caput, III e X) e no Título II, Capítulo II (art. 7º, XXX até XXXII), vinculando as entidades da sociedade política (Estado) e da sociedade civil (instituições, empresas e pessoas). Para a Constituição de 1988, não há dúvida de que os princípios, regras e direitos fundamentais constitucionais aplicam-se, sim, às relações entre particulares, inclusive às relações empregatícias (eficácia horizontal). Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível como o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. O princípio da não-discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo pra a convivência entre as pessoas. Já o princípio da isonomia é mais amplo, mais impreciso, mais pretensioso. Ela ultrapassa, sem duvida, a mera não-discriminação, buscando igualizar o tratamento jurídico a pessoas ou situações que tenham relevante ponto de contato entre si. Rigorosamente, o Direito do Trabalho incorporou, de fato, como critério básico, apenas o princípio da não-discriminação. A proposição mais ampla e imprecisa da isonomia tem sido aplicada somente em certas circunstâncias mais estreitas e não como parâmetro informador universal. O princípio antidiscriminatório, contudo, é onipotente no ramo juristrabalhista especializado. Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que ” os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.” Já o art. 6º da Convenção 168 da OIT, relativa à promoção do emprego e proteção contra o desemprego dispõe que ” Todos os Membros deverão garantir a igualdade de tratamento de todas as pessoas protegidas, sem discriminação com base na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, nacionalidade, origem étnica ou social, deficiência ou idade .” Na esfera federal, sobressai o disposto no art. 1º da Lei 9.029/1995, que veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros. O art. 373-A, II, da CLT veda: “Recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível.” Comprovada nos autos a conduta discriminatória do Reclamado, ao dispensar o Reclamante em razão de política de desligamento baseada unicamente em critério etário, incidem os preceitos constitucionais civilizatórios tendentes a assegurar um Estado Democrático de Direito, com as consequências normativas pertinentes, inclusive a indenização por danos materiais, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.029/95. Nesse sentido, inclusive, tem sido decidido nesta Corte Superior, conforme julgados envolvendo idêntica parte Reclamada . Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, “a “, do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo da Reclamada desprovido.
A decisão foi unânime.
Processo: Ag-ARR-21064-63.2016.5.04.0812