A Segunda Turma do TRF1, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação da União contra a sentença, do Juízo Federal da 10ª Vara do Estado da Bahia, determinou que a Administração Pública se abstivesse de realizar qualquer desconto sobre as remunerações dos servidores substituídos, vinculados à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego na Bahia (SRTE/BA), em razão de participação em movimento grevista, bem como a sua condenação a restituir quaisquer valores eventualmente já descontados, mediante a edição de folha suplementar.
Em seu recurso, a União alegou que o caso em tela se trata de exercício ilegal do direito de greve, uma vez que o art. 37, inciso VII, da CRFB/88, que garante ao servidor público o direito de greve, é norma de eficácia limitada que não possui autoaplicabilidade, sendo incapaz, por si só, de permitir o seu imediato exercício. Dessa forma, como ainda não foi editada lei específica sobre o tema, argumenta que a greve deflagrada pelos servidores substituídos é ilegal, de modo que a ausência ao serviço daí decorrente configura falta injustificada, o que enseja a perda da remuneração respectiva a ser realizada por meio de desconto em folha de pagamento.
O relator, desembargador federal Francisco Neves da Cunha, ao analisar o caso, declarou que o direito de greve é constitucionalmente garantido tanto aos trabalhadores em geral, submetidos ao regime da CLT, bem como aos servidores públicos civis, submetidos a regime estatutário próprio, nos termos dos arts. 9º e 37, inciso VII, da CRFB/88.
Segundo o magistrado, no que diz respeito aos requisitos para que seja verificada a legalidade do exercício do direito de greve dos servidores, resta vedada a paralisação total de serviços essenciais, sob pena de violação do princípio da continuidade dos serviços públicos, cuja inobservância poderia acarretar irreparáveis prejuízos para a população, devendo observar, pois, as disposições da Lei nº 7.783/89 que definem as atividades essenciais e regulam o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
“Verificada a legalidade do movimento paredista objeto dos autos, passa-se à análise da possibilidade dos descontos remuneratórios pelos dias em que houve paralisação do serviço público. Tal questão também foi objeto de apreciação pela Suprema Corte que decidiu pela possibilidade de a Administração proceder aos descontos dos dias parados em decorrência do exercício do direito de greve pelos servidores públicos”, asseverou o desembargador.
Para o magistrado, em que pese o entendimento quanto à possibilidade dos descontos relativos aos dias em que houve paralisação do serviço, em respeito à vedação do enriquecimento sem causa, e a fim de se assegurar a salvaguarda do exercício de direito de índole constitucional, a Administração deve, em primeira mão, buscar estabelecer critérios para que se efetive a compensação das horas não trabalhadas, assegurando-se assim o pleno exercício do direito de greve dos servidores públicos.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. ART. 37, VII, CF/88. LEI Nº 7.783/89. OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. SUSPENSÃO DO VÍNCULO FUNCIONAL. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
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Cinge-se a controvérsia a respeito da legalidade do exercício do direito de greve por servidor público civil, a despeito da inexistência de lei específica sobre o tema, bem como sobre a legalidade de desconto remuneratório e demais sanções a servidores que tenham deflagrado e/ou participado em movimento grevista.
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O direito de greve dos servidores públicos civis é constitucionalmente garantido no art. 37, inciso VII da CRFB/88, que subordina o seu regular exercício à edição de lei específica que o regulamente. Entretanto, em razão da omissão do Poder Legislativo e da consequente lacuna legislativa, o E. STF, ao julgar os Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA, determinou que, até a edição da lei específica, os servidores públicos têm assegurado o direito ao exercício de greve nos moldes da Lei nº 7.783/89.
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In casu, inexiste abusividade ou ilegalidade no exercício do direito de greve, tendo em vista a observância dos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica para a validade do movimento grevista, mormente no que diz respeito à manutenção de efetivo mínimo de servidores a garantir a continuidade dos serviços públicos e a prévia comunicação da paralisação à autoridade administrativa.
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Nos temos da jurisprudência do STF, firmada no julgamento do RE nº 693.456/RS submetido ao regime de repercussão geral, a Administração poderá proceder ao desconto dos dias em que houve paralisação do serviço por motivo de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo.
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A Administração deve primeiramente estabelecer critérios para que se efetive a compensação das horas não trabalhadas, uma vez que a falta decorrente do exercício não abusivo do direito de greve, que detém status constitucional, deve ser considerada como ausência justificável, sendo, neste caso, aplicável a norma insculpida no parágrafo único do artigo 44 da Lei nº 8.112/90. Precedentes
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Frustrada a possibilidade de compensação de carga horária, o desconto em folha só será viabilizado pela instauração do devido processo legal administrativo, em que seja assegurado o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa aos servidores que terão suas remunerações afetadas, nos termos do art. 5º, LIV, da Constituição Federal.
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Apelação e remessa necessária parcialmente providas para, reformando a sentença, conceder parcialmente a ordem e assegurar aos servidores substituídos pelo Sindicato impetrante que eventual desconto na sua remuneração, em razão da adesão ao movimento grevista e relativo aos dias parados, seja precedido do devido processo legal administrativo, que só será instaurado após frustrado o plano de compensação das horas não trabalhadas.
Com isso, a Turma, nos termos do voto do relator, deu parcial provimento à apelação.
Processo nº:
2009.33.00.017379-8
0016517-94.2009.4.01.3300