Defesa anterior sobre os mesmos fatos não retira de rádio comunitária o direito de contestar revogação da autorização

Para a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o fato de uma rádio comunitária ter se defendido em processos administrativos anteriores não afasta o seu direito ao contraditório em novo procedimento que, apesar de discutir os mesmos fatos já analisados, pode levar à penalidade de revogação da sua autorização de funcionamento.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao anular portaria do Ministério das Comunicações que havia revogado autorização de execução do serviço de radiodifusão comunitária no município de Indaial (SC).

De acordo com os autos, a rádio comunitária foi multada após a tramitação de processos administrativos por suposta veiculação de publicidade comercial, nos quais houve o regular exercício de defesa. Após recomendação do Ministério Público Federal (MPF), o Ministério das Comunicações revogou a autorização de funcionamento da rádio, em procedimento no qual não foi oferecida a oportunidade de defesa. De acordo com o MPF, como os fatos do novo processo eram os mesmos discutidos anteriormente, não haveria a necessidade de novo contraditório.

Processos administrativos exigem respeito ao contraditório e à ampla defesa

Relatora do mandado de segurança impetrado pela associação comunitária que opera a rádio, a ministra Assusete Magalhães apontou que a administração pública, uma vez constatada a reincidência, tem o direito de rever as penalidades anteriores e aplicar a revogação da autorização para serviço de radiodifusão comunitária, nos termos do artigo 21, parágrafo único, inciso III, da Lei 9.612/1998.

Entretanto, de acordo com a ministra, esse novo processo para aplicação da penalidade não poderia ter se desenvolvido sem a observância do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, a relatora citou, entre outros normativos, o artigo 2º da Lei 9.784/1999, segundo o qual a administração deve obedecer, entre outros, os princípios da ampla defesa, do contraditório e da segurança jurídica.

“Nos termos da Constituição Federal e da legislação de regência, a administração pública, antes de decidir pela revisão das sanções de multa anteriormente aplicadas à impetrante, para, agora, revogar a autorização outorgada, deveria ter notificado a interessada para que exercesse o seu direito ao contraditório e à ampla defesa”, concluiu a relatora ao anular a portaria que revogou a autorização da rádio.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. REVOGAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. SEGURANÇA CONCEDIDA.
I. Mandado de Segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado das Comunicações, consubstanciado na Portaria 119, de 03⁄05⁄2013, publicada em 06⁄05⁄2013, que revogou a autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão comunitária, no Município de Indaial⁄SC.
II. No caso, de acordo com o parecer que embasa o ato impugnado e as informações prestadas pela autoridade impetrada, contra a impetrante foram instaurados processos administrativos, para apuração de infrações às normas que regem a exploração do serviço de radiodifusão comunitária, por veiculação indevida de publicidade comercial. Tais processos tiveram regular trâmite, com observância do contraditório e da ampla defesa, sendo, ao final, em todos eles, imposta à impetrante a pena de multa. Após as multas serem quitadas, pela impetrante, e os referidos processos administrativos finalizados, sobreveio recomendação, expedida pelo Ministério Público Federal, “para que seja cumprido o artigo 21, parágrafo único, III, da Lei n.º 9.612⁄1998, em relação à Associação Comunitária de Difusão Cultural Indaial”, ou seja, que fosse revogada a autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão sonora comunitária, no Município de Indaial⁄SC, em face de reincidência no comentimento de infrações. E, em atenção a tal recomendação foi instaurado novo processo administrativo, que culminou na edição do ato impugnado, que, sem observância do contraditório, revogou a aludida autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão comunitária, no Município de Indaial⁄SC. Contudo, ao fundamento de que a impetrante já teria exercido o seu direito de defesa nos processos anteriores, que lhe impuseram a pena de multa, esse novo processo administrativo – em que imposta a sanção de revogação da autorização – transcorreu sem a participação da impetrante.
III. Nesse contexto, manifesta a ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Conforme parecer do Ministério Público Federal, “em relação à penalidade de revogação de autorização, não consta dos autos, notadamente dos documentos apresentados com as Informações (e-STJ, fls. 213⁄358), tenha sido a Impetrante notificada para se defender quanto à penalidade de revogação da autorização, que seria imposta em face da reincidência nas infrações anteriormente já punidas (…) Com efeito, no caso em análise, restou demonstrada a não observância dessa garantia constitucional, caracterizando, assim, o desrespeito à ampla defesa e ao devido processo legal”.
IV. Nos termos do art. 66 da Lei 4.117⁄67, “antes de decidir da aplicação de qualquer das penalidades previstas, o CONTEL notificará a interessada para exercer o direito de defesa, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, contados do recebimento da notificação”.  Semelhante redação contém o art. 39 do Decreto 2.615, de 03⁄06⁄98 – que aprova o Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária –, que determina que, “antes da aplicação de penalidades, a autorizada será notificada para exercer seu direito de defesa, conforme o estabelecido na Lei n° 4.117, de 1962, sem prejuízo da apreensão cautelar de que trata o parágrafo único do seu art. 70, com a redação que lhe deu o art. 3° do Decreto-Lei n° 236, de 1967”.
V. O art. 2º da Lei 9.784⁄99 determina que “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Já o art. 3º, III, da mesma Lei assegura ao administrado o direito de “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente”.
VI. Assim, a Administração Pública, antes de decidir pela revisão das sanções de multa, anteriormente aplicadas à impetrante, para, agora, revogar a autorização outorgada, deveria ter notificado a interessada para que exercesse o seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Nesse sentido: STJ, AgInt no AgInt no MS 26.395⁄DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17⁄06⁄2022; MS 25.687⁄DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17⁄06⁄2020; MS 26.694⁄DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 04⁄02⁄2021.
VII. O fato de a autoridade impetrada, após a concessão da medida liminar, no presente mandamus, ter notificado a impetrante – encaminhando cópia do “Parecer 0328⁄2013⁄SJL⁄CGCE⁄CONJUR-MC⁄CGU⁄AGU que opinou pela revogação da autorização da entidade em apreço” e informando que “da decisão caberá pedido de reconsideração ou recurso” – não tem o condão de alterar o entendimento exposto acima, nem de ensejar a perda do objeto da impetração. Conforme demonstrado, o art. 66 da Lei 4.117⁄67 determina que, “antes de decidir da aplicação de qualquer das penalidades previstas, o CONTEL notificará a interessada para exercer o direito de defesa, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, contados do recebimento da notificação”.
VIII. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça “o contraditório e a ampla defesa devem ser compreendidos como a garantia conferida constitucionalmente aos indivíduos em geral de ter ciência da instauração do feito, participar do processo, produzir provas e influenciar o órgão julgador na formação do juízo de mérito acerca do caso analisado (…) O exercício diferido do direito ao contraditório e à ampla defesa apenas deve ser admitido em situações devidamente justificadas, em razão do perigo na demora inerente às tutelas de urgência, de modo a se preservar a utilidade e a efetividade da medida constritiva adotada” (STJ, RMS 27.440⁄AL, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 22⁄09⁄2009).
IX. Segurança concedida, para anular a Portaria 119, de 03⁄05⁄2013, publicada em 06⁄05⁄2013, que, sem observância do contraditório, revogou a autorização outorgada à impetrante para executar o serviço de radiodifusão comunitária, no Município de Indaial⁄SC.

Leia o acórdão no MS 20.194.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): MS 20194

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