Decisão do TJPR é confirmada pelo STJ: recusar o custeio de tratamento fora do rol da ANS não é conduta abusiva

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Cliente buscou na Justiça a cobertura de uma intervenção na coluna e a indenização por danos morais por ter o pedido negado

Uma idosa processou a Unimed após o convênio negar o custeio de uma cifoplastia – procedimento indicado pelo médico da paciente para reparar fraturas na coluna vertebral. O plano de saúde não liberou os materiais necessários à intervenção, porque o procedimento não está previsto no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por não atingir os critérios de segurança, eficácia, eficiência e superioridade da literatura médica, quando comparado com métodos já previstos na lista. A Unimed, então, liberou a cirurgia de vertebroplastia.

Diante do posicionamento do plano de saúde, a paciente procurou a Justiça: ela exigiu o custeio da cifoplastia e o pagamento de indenização por danos morais. Em 1º Grau, o convênio foi condenado a fornecer o tratamento solicitado pela autora da ação. A Unimed recorreu da decisão, alegando que a cifoplastia é um procedimento cirúrgico eletivo e experimental. Além disso, reiterou que tal intervenção não está prevista no rol da ANS.

Dever de cobertura afastado pelo TJPR – Decisão da Justiça Estadual é confirmada pelo STJ

Ao analisar o caso, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por unanimidade, afastou o dever de cobertura do procedimento solicitado. “Ainda que possa se falar no caráter exemplificativo do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar, no presente caso há manifestação expressa da agência reguladora no sentido de que a cifoplastia, ainda que autorizada no Brasil, não possui cobertura mínima obrigatória ou vantagens estabelecidas sobre a vertebroplastia”, salientou a Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, Relatora do acórdão.

A paciente recorreu, então, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que o rol da ANS é exemplificativo e que o contrato com o plano não menciona a exclusão do procedimento solicitado. Em despacho de junho de 2019, o Ministro Relator observou que a controvérsia nos autos consistia em “saber se 

• o rol de procedimentos em saúde da ANS é meramente exemplificativo;
• deve sempre prevalecer a indicação do médico assistente do beneficiário do plano de saúde, ou se há hipóteses em que a recusa ao custeio de determinados procedimentos e/ou medicamentos é legítima;
• a recusa ao fornecimento excluído do rol de procedimentos da ANS caracteriza exercício regular de direito, a afastar a obrigação de reparar eventuais danos morais”.

Excludente de responsabilidade

De forma unânime, a Quarta Turma do STJ não acolheu o recurso da autora da ação, mantendo a decisão do TJPR. Segundo o Ministro Relator, no acórdão publicado nesta quinta-feira (20/2), “não cabe ao Judiciário se substituir ao legislador, violando a tripartição de Poderes e suprimindo a atribuição legal da ANS ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo”.

A decisão observou que o convênio, ao negar o procedimento de cifoplastia, estava amparado pela excludente de responsabilidade do exercício regular de direito. “Não parece correto afirmar ser abusiva exclusão do custeio dos meios e materiais necessários ao tratamento indicado pelo médico(…). É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, constante do rol da ANS”, destacou o acórdão do STJ.

No entanto, o Ministro ponderou que, diante de situações pontuais levadas ao Judiciário, seria possível determinar o fornecimento de certa cobertura imprescindível, desde que a decisão se apoie em informações técnicas e na medicina baseada em evidências clínicas. Além disso, segundo a decisão, “é sempre possível a autocomposição. Muito embora não seja um dever que possa ser imposto, não se descarta a possibilidade de a operadora ou seguradora pactuar com o usuário para que ele cubra a diferença de custos entre os procedimentos do rol ou da cobertura contratual e o orientado pelo médico assistente, a par de ser hipótese que propicia ao consumidor valer-se dos preços mais favoráveis que usualmente são cobrados das operadoras em sua relação mercantil com os prestadores de serviços”.

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O recurso ficou assim ementado no STJ  – Resp 1733013:

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE.

1. A Lei n. 9.961⁄2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O  art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656⁄1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.

2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656⁄1998 c⁄c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961⁄2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439⁄2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo  caput do art. 10 da Lei n. 9.656⁄1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – CID da Organização Mundial da Saúde.

3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como:  utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde – ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências – SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.

4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.

5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A  uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.

7. No caso, a operadora do plano de saúde está amparada pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular de direito, consoante disposto no art. 188, I, do CC. É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, inserido do rol da ANS, não havendo falar em condenação por danos morais.

8. Recurso especial não provido.

Número do Processo TJPR:

1583528-0

0054607-85.2013.8.16.0001

Recurso Especial STJ: 1733013

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