A previsão constitucional de controle externo da atividade policial justifica o acesso do Ministério Público a documentos relacionados à atividade fim da polícia, como as investigações criminais.
Comesse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que a Polícia Federal disponibilizasse ao Ministério Público Federal (MPF) as ordens de missão policial da unidade da PF em Santo Ângelo (RS).
No mandado de segurança, o Ministério Público Federal afirmou que, em 2010, a unidade da Polícia Federal em Santo Ângelo recusou-se a lhe entregar documentos necessários ao exercício do controle externo da atividade policial.
Entre os documentos requisitados, estavam a relação de servidores em exercício na unidade, a lista de coletes balísticos (à prova de balas) e as ordens de missão policial da delegacia local.
Limites
Em primeira instância, a Justiça Federal acolheu os argumentos do órgão ministerial e determinou que a PF disponibilizasse os documentos solicitados. A sentença destacou a previsão constitucional de controle policial a ser realizado pelo Ministério Público, além da impossibilidade de a autoridade policial impor limites a essa fiscalização.
Entretanto, em decisão colegiada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) reformou a sentença, sob o entendimento de que não poderia o Ministério Público interferir nas atividades internas da Polícia Federal. O TRF4 entendeu que os documentos buscados pelo MP não estavam relacionados com a atividade fim da unidade policial.
Atividade fim
Ao STJ, o Ministério Público Federal alegou que a Lei Complementar 75/93 (legislação que organiza o Ministério Público) expressamente autoriza o acesso do MP a documentos relativos à atividade fim dos órgãos policiais. O MPF defendeu que dados como a lista dos coletes balísticos e os relatórios de missão policial estavam, sim, vinculados às atividades fim da Polícia Federal.
Entretanto, durante a tramitação do recurso especial no STJ, o próprio MPF noticiou que apenas o acesso às ordens de missão policial continuava sendo negado pela Polícia Federal.
No voto, que foi acompanhado pela maioria dos ministros da Segunda Turma, o ministro Mauro Campbell ressaltou que, além do texto constitucional e da Lei Complementar 75, a Resolução 20 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) permite ao órgão ministerial o acesso a quaisquer documentos relativos à atividade fim das polícias civis e militares.
Natureza policial
O ministro Campbell defendeu que as ordens de missão policial, como documentos que legitimam as ações dos integrantes da PF em caráter oficial, estão compreendidas no conceito de atividade fim. Consequentemente, elas devem estar sujeitas ao controle externo do Ministério Público.
No mesmo julgamento, o ministro Og Fernandes ressalvou que quando as ordens forem lançadas devido à atuação da PF como polícia investigativa, nos casos de cooperação internacional exclusiva da Polícia Federal e sobre a qual haja acordo de sigilo, o acesso do MP não será vedado, mas deve ser realizado posteriormente.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 129, VII, DA CF E 9º, II, DA LC N. 75⁄1993. ORDEM DE MISSÃO POLICIAL (OMP). ATIVIDADE-FIM POLICIAL CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.1. No caso concreto, o Ministério Público Federal impetrou mandado de segurança contra ato ilegal do Delegado-Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Santo Ângelo, que teria obstado, em razão dos termos da Resolução 1ª da Polícia Federal, a disponibilização de documentos e informações requisitados pelo Parquet Federal no exercício da atividade de controle externo da atividade policial, especificamente: a) relação de servidores e contratados em exercício na unidade, com especificação daqueles atualmente afastados (em missão, reforço, operação, etc.); b) relação de coletes balísticos da unidade (especificando os vencidos e os dentro do prazo de validade); c) pasta com ordens de missão policial (OMP) expedidas nos últimos 12 (doze) meses; d) os seguintes livros (relativos aos últimos 12 meses): sindicâncias e procedimentos disciplinares.2. O Parquet Federal, nesta Corte Superior, apresentou petição (fls. 575⁄579) na qual noticiou que, dentre os pedidos de acesso aos documentos e informações formulados no mandado de segurança e que haviam sido obstados pelo órgão policial, “o único ponto que ainda apresenta resistência da Polícia Federal é a prestação de informações e apresentação dos documentos relativos às ordens de missão policial” (OMP)”.3. Assim, no tocante aos pedidos especificados nas alíneas a, b e d acima indicadas, deve ser reconhecido que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal não mais divergem sobre a possibilidade de requisição de tais informações. Além disso, é necessário consignar que o Ministério Público também exerce a ampla fiscalização da administração pública, inclusive da Polícia Federal, por meio da Lei de Improbidade Administrativa, entre outras normas de controle administrativo.4. No tópico remanescente do pedido inicial, indicado no item c (pasta de ordens de missão policial – OMP), o principal ponto a ser examinado na presente controvérsia passa pela análise do conceito de atividade-fim policial.5. O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público está previsto expressamente no art. 129, VII, da Constituição Federal e disciplinado na Lei Complementar 75⁄93.6. A ordem de missão policial (OMP) é um documento de natureza policial e obrigatório em qualquer missão de policiais federais e tem por objetivo, entre outros, legitimar as ações dos integrantes da Polícia Federal em caráter oficial. As denominadas ordens de missão policial, relacionadas à atividade de investigação policial, representam direta intervenção no cotidiano dos cidadãos, a qual deve estar sujeita ao controle de eventuais abusos ou irregularidades praticadas por seus agentes, ainda que realizadas em momento posterior, respeitada a necessidade de eventual sigilo ou urgência da missão.7. Por outro lado, a realização de qualquer investigação policial, ainda que fora do âmbito do inquérito policial, em regra, deve estar sujeita ao controle do Ministério Público. Importante consignar que tal atividade, por óbvio, não está sujeita a competência fiscalizatória do Tribunal de Contas da União ou da Controladoria-Geral da União, como afirmado pela Corte de origem.8. O Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, com o objetivo de disciplinar o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, editou a Resolução nº 20⁄2007, e estabeleceu nos arts. 2º, V e 5º, II, respectivamente: “O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público atentando, especialmente, para: a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal”; “Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial caberá: ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos (…)” (sem destaques no original).9. Portanto, é manifesto que a pasta com ordens de missão policial (OMP) deve estar compreendida no conceito de atividade-fim e, consequentemente, sujeita ao controle externo do Ministério Público, nos exatos termos previstos na Constituição Federal e regulados na LC 73⁄93, o que impõe à Polícia Federal o fornecimento ao Ministério Público Federal de todos os documentos relativos as ordens de missão policial (OMP).10. Provimento parcial do recurso especial.