Contrato de compra e venda de energia celebrado antes da formulação de novas notas técnicas pode ser sujeito à norma anterior vigente para não prejudicar direito adquirido

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação de uma companhia paulista de energia para reformar a sentença que havia desconsiderado pedido de sujeitar um contrato realizado antes da edição de novas normas técnicas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) às normas vigentes à época da celebração. Assim, garantiu-se à empresa o direito constitucional de não ser prejudicada, no direito adquirido.

A apelante apresentou recurso ao TRF1 alegando que na sentença proferida pelo juízo de primeira instância houve flagrante violação ao ato jurídico perfeito; violação ao princípio da segurança jurídica e à norma do art. 2º da Lei 9.784/1999, decorrente da retroação de nova interpretação de regras relativas às concessões dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica; violação aos princípios da isonomia, da proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade; e violação às normas da Resolução ANEEL 248/2002, do art. 13 da Resolução ANEEL 233/1998 e do art. 4°, § 3°, da Lei 9.427/1996, que determinam a realização de audiência pública nos processos decisórios da ANEEL que implicarem afetação de direitos de agentes econômicos do Setor Elétrico e dos consumidores.

Ao julgar a apelação, o juiz federal convocado Emmanuel Mascena de Medeiros, relator do caso, entendeu que o essencial à questão era examinar e aferir se, por intermédio das Notas Técnicas 23/2003 SEM/ANEEL e 81/2003 SFF/ANEEL, teriam sido estabelecidos novos critérios do repasse dos custos, com a compra de energia elétrica, às tarifas (ou preços públicos) de fornecimento aplicadas pelas concessionárias; e, em caso positivo, se os novos critérios poderiam ser aplicados aos contratos celebrados anteriormente à sua edição, como no caso do contrato firmado pela apelante. Ele ressaltou que, para o juízo monocrático, em primeira instância, a ANEEL não teria introduzido novos critérios por meio das Notas Técnicas descritas nos autos, mas apenas estabelecido o fiel cumprimento da legislação de regência.

No entanto, o magistrado convocado verificou, por meio da análise de trechos das Notas Técnicas mencionadas, que, diferentemente do que restou decidido na sentença recorrida, foram estabelecidos, sim, novos critérios para fins de definição dos limites de repasse dos custos da compra de energia elétrica para as tarifas de fornecimento. “Nesse sentido, embora sequer fosse necessário, em face da clareza solar do texto expresso nas referidas Notas Técnicas, impende consignar que o Perito Oficial foi categórico a atestar que, na espécie, houve a criação de novos critérios para exame dos contratos que aguardavam aprovação pela ANEEL e estabeleceram novos limites para o repasse do custo de compra de energia às tarifas de fornecimento (…)”, destacou.

O relator do caso apontou ainda que os novos critérios, conforme consignado na própria Nota Técnica, deveriam ser observados a partir da sua edição – afastando, assim, a incidência deles sobre os contratos celebrados anteriormente, como o do caso, e mantida a incidência das normas de regência vigentes na época em que foram firmados. “Resulta a manifesta impossibilidade de aplicação daqueles novos critérios, na espécie, sob pena de violação ao ato jurídico perfeito e ao princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, inciso XXXVI), sendo de se consignar, ainda, que, mesmo que as mesmas pudessem ser classificadas como mera interpretação da legislação de regência, conforme assim concluiu o juízo monocrático, restaria caracterizada afronta à regra do inciso XIII do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.874/1999”, afirmou ao concluir o voto.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL. COMPRA E VENDA DE ENERGIA ELÉTRICA E DE REPASSE DE CUSTOS ÀS RESPECTIVAS TARIFAS. AGRESSÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E AOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. EMBARGOS DA CPFL ACOLHIDOS. EMBARGOS DA ANEEL REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração, consoante disciplina o art. 1022 do CPC, objetivam esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, suprimir omissão, bem como corrigir erro material. 2. Verificada a existência de omissão na fixação de honorários, devem ser acolhidos os embargos de declaração da CPFL. 3. Uma vez invertido o ônus sucumbencial, é razoável a fixação da verba honorária em 10% (dez por cento) do valor da causa a favor da Autora, uma vez que se revela proporcional à realidade dos fatos e suficiente à remuneração do causídico em relação aos trabalhos desenvolvido nesta demanda judicial. 4. A ANEEL, a pretexto de ver supridas as alegadas omissões/contradições, pretende, na verdade, rediscutir a matéria, objetivando com tal expediente modificar o decisum, emprestando-lhe efeitos infringentes que só excepcionalmente lhe podem ser conferidos. Os embargos de declaração não constituem instrumento adequado para a rediscussão de questões examinadas pelas instâncias ordinárias, e tampouco para fazer prevalecer a tese defendida nas razões dos embargos opostos. 5. O acolhimento dos embargos de declaração, ainda que opostos para fins de prequestionamento com vistas à interposição de recurso extraordinário e/ou recurso especial, somente é possível quando configuradas omissão, obscuridade ou contradição na decisão embargada (EAARESP nº 331037/RS, Min. Raul Araújo, STJ, Quarta Turma, Unânime, Dje 28/02/2014). 6. Embargos da CPFL acolhidos para sanar a omissão no tocante à inversão do ônus de sucumbência. Embargos de declaração da ANEEL rejeitados.

A decisão da Turma, acompanhando o voto do relator, foi unânime.

Processo 0004976-31.2004.4.01.3400

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