Caseiro só obtém reconhecimento de vínculo com último empregador

 

Para a 4ª Turma, o princípio da sucessão trabalhista não se aplica ao trabalho doméstico

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho limitou a responsabilidade de um empregador doméstico pelos encargos trabalhistas de um caseiro ao período em que ele ocupou o imóvel como inquilino. Com isso, foi afastada a condenação relativa à época anterior, em que o trabalhador prestara serviço ao proprietário. O entendimento é o de que a sucessão trabalhista (segundo a qual a mudança na propriedade da empresa não atinge os direitos dos empregados) não se aplica ao empregador doméstico.

Sucessão

O caseiro trabalhou no sítio, em Belterra (PA), de 2016 a 2021. Na ação, ele contou que, até 2020, trabalhou sem carteira assinada para o proprietário, que depois alugou o imóvel para um comerciante. Este teria proposto um contrato de parceria agrícola, pagando R$ 300 mensais fixos e 35% da safra.

Após a dispensa, ele ajuizou a ação apenas contra o inquilino, mas com pedido de vínculo empregatício desde 2016, alegando sucessão de empregadores.

Parceria

Em sua defesa, o inquilino alegou que, quando alugou o sítio, o caseiro já trabalhava lá, em regime de parceria com o proprietário. Ele teria proposto manter essa parceria assinando outro contrato, pelo qual o caseiro zelaria pelo sítio e receberia parte da produção de frutas, verduras e animais criados no local.

Vínculo

O juízo de primeiro grau considerou nulo o contrato de parceria e declarou o vínculo de emprego doméstico por todo o período. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA), que confirmou a sucessão de empregadores.

Responsabilidade limitada

No recurso ao TST, o empregador sustentou que sua responsabilidade deveria se limitar ao período em que havia assumido o sítio e firmado contrato de parceria rural, pois os trabalhadores domésticos são regidos por lei específica, e não pela CLT.

Explicando a sucessão

O relator do recurso de revista, ministro Alexandre Ramos, explicou que, quando o vínculo é mantido pela empresa sucessora, aplicam-se os artigos 10 e 448 da CLT, que tratam da sucessão trabalhista. Esses dispositivos, segundo o relator, remetem à ideia de despersonalização do empregador. Assim, o contrato de trabalho está vinculado ao empreendimento econômico, independentemente de quem sejam os seus titulares.

Sem atividade econômica

Contudo, o ministro ressaltou que o conceito de empresa está atrelado à atividade econômica, e esse não é o caso do empregador doméstico. Conforme o artigo 2º da Lei Complementar 150/2015, os empregados domésticos “prestam serviços de finalidade não lucrativa, ou seja, não desempenham atividade econômica”.

Novidade do tema

O ministro destacou a novidade da questão, que ainda não foi abordada pela jurisprudência do TST. Segundo ele, não cabe sucessão de empregadores no vínculo de emprego doméstico, porque não há a transferência de um acervo produtivo de uma sociedade para outra.

O recurso ficou assim ementado:

A) AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.

TRABALHADOR DOMÉSTICO. SUCESSÃO TRABALHISTA. INAPLICABILIDADE DOS ARTIGOS 10 E 448 DA CLT. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. Na decisão agravada se denegou seguimento ao agravo de instrumento em recurso de revista do Reclamado, que versava sobre sucessão trabalhista na hipótese de trabalhador doméstico (caseiro), considerando ausente a transcendência da causa, no particular. II. Demonstrado o desacerto da decisão agravada, bem como a transcendência jurídica da causa, o provimento do agravo interno é medida que se impõe. III. Agravo de que se conhece e a que se dá provimento para, reformando a decisão agravada, reexaminar o agravo de instrumento em recurso de revista .

B) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.

TRABALHADOR DOMÉSTICO. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. INAPLICABILIDADE DOS ARTIGOS 10 E 448 DA CLT. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. Em suas razões recursais, a parte defende que demonstrou a impossibilidade jurídica do pedido de sucessão de empregadores no âmbito das relações domésticas, insistindo na inaplicabilidade dos arts. 10 e 448 da CLT na hipótese em exame. II. Demonstrado o desacerto do despacho de admissibilidade “a quo”, bem como a possível ofensa aos arts. 10 e 448 da CLT, decorrente da sua má aplicação, deve ser provido o agravo de instrumento, a fim de destrancar o recurso de revista. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST.

C) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.

TRABALHADOR DOMÉSTICO. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. INAPLICABILIDADE DOS ARTIGOS 10 E 448 DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.

I. Os arts. 10 e 448 da CLT estabelecem, respectivamente, que ” qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados ” e que ” a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”. II. Trata-se a hipótese dos autos de contrato de parceria rural estabelecido em 2016 primeiramente entre o Autor e o Sr. Agostinho, o qual não integra a presente lide, sendo que, posteriormente , o sítio no qual o Autor prestava serviços foi objeto de contrato de aluguel em fevereiro de 2020, com promessa de compra e venda, firmado entre o Sr. Agostinho e o Reclamado, pessoa física. O Reclamado, por sua vez, após alugar o referido imóvel, firmou contrato de parceria rural com o Autor em 2020, renovando-o 2021. O TRT, no acórdão regional recorrido, manteve a sentença na qual se reconheceu a nulidade do contrato de parceria ajustado entre as Partes e, por conseguinte, reconheceu o vínculo de emprego doméstico entre o Autor (caseiro) e o Reclamado, ao fundamento de que, além de a repartição de valores provenientes da exploração da propriedade rural não ter sido comprovado na instrução processual, até porque os recibos indicaram o pagamento de valor fixo ao Autor, o próprio Reclamado admitiu que nada era plantado no sítio, inexistindo exploração da referida propriedade. A Corte Regional asseverou que qualquer mudança na propriedade da empresa não atinge os direitos adquiridos por seus empregados e que não existem razões para não se aplicar os arts 10 e 448 da CLT, mantendo a condenação do Reclamado de arcar com todas as obrigações, inclusive as contraídas no período em que o Reclamado não alugava o sítio. II. Em sede de recurso de revista, se questiona apenas a impossibilidade jurídica de ocorrer sucessão de empregadores na hipótese de vínculo de emprego doméstico, nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT, sendo o pedido afeto à limitação da responsabilidade do Demandado ao período em que assumiu o sítio e firmou contrato de parceria rural com o Autor. III. Ora, consoante própria redação dos arts. 10 e 448 da CLT, é pressuposto da sucessão de empregadores a transferência do acervo produtivo de uma sociedade para outra diversa da empregadora de origem, podendo ocorrer com ou sem solução de continuidade do vínculo de emprego estabelecido antes da sucessão. IV. Ademais, à luz do art. 2º da CLT, é inerente ao conceito de empresa o exercício de atividade econômica . V. No presente caso, consoante se extrai do acórdão regional, foi desconsiderado o contrato de parceria entabulado entre as Partes, por se tratar, na realidade, de vínculo de trabalho doméstico . VI. Todavia, os empregados domésticos, consoante própria redação do art. 2º da Lei Complementar 150/15, prestam serviços de finalidade não lucrativa, ou seja, não desempenham atividade econômica. VII. Logo, sobressai a transcendência jurídica da causa, notadamente em face da novidade da questão, que ainda não foi abordada pela jurisprudência desta Casa, não havendo de se falar em sucessão de empregadores no vínculo de emprego doméstico , à míngua de transferência de um acervo produtivo de uma sociedade para outra, pressuposto inerente à sucessão reconhecida no acórdão regional, o que é corroborado pela doutrina trabalhista. VIII. Assim, a condenação do Reclamado deve se limitar ao período em que locou o sítio. IX . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

A decisão foi unânime.

Processo: RR-402-66.2021.5.08.0109  

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