Candidato a cargo que exige curso técnico pode tomar posse com diploma superior na mesma área

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.094), estabeleceu a tese de que o candidato aprovado em concurso público pode assumir cargo que, segundo o edital, exige ensino médio profissionalizante ou ensino médio mais curso técnico em área específica, caso não seja portador desse título mas possua diploma de nível superior na mesma área profissional.

Com o julgamento, que consolida jurisprudência pacífica no STJ, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos – tanto no STJ quanto em segundo grau – à espera da definição do precedente qualificado.

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A relatoria dos recursos coube ao ministro Og Fernandes, segundo o qual a Lei 8.112/1990 e a Lei 11.091/2005 – aplicada porque os casos analisados tinham relação com concurso do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – determinam que a investidura em cargo público só ocorre se o candidato tiver o nível de escolaridade exigido para o seu exercício, conforme a previsão do edital.

Titulação superior traz benefício para o serviço público

Para reforçar a tese de que a aceitação de título superior àquele exigido no edital não viola a discricionariedade ou a conveniência da administração, o relator destacou que, no caso do REsp 1.888.049, o candidato foi aprovado para o cargo de técnico de laboratório, área química, e teve negada a sua investidura por não possuir certificado de ensino médio profissionalizante na área de química. Entretanto, apontou, o candidato é bacharel e mestre em química, está fazendo doutorado na área e tem registro no Conselho Nacional de Química.

Com base nesse exemplo, Og Fernandes ressaltou que a possibilidade de titulação superior à exigida pelo edital traz diversos benefícios, como a ampliação do leque de candidatos, tornando mais competitivo o certame, além do aperfeiçoamento do próprio serviço público, já que servidores mais qualificados podem ser recrutados pela administração.

“Tal postura se coaduna com a previsão do artigo 37 da Constituição Federal, que erige o princípio da eficiência entre os vetores da administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”, afirmou.

Aplicação dos princípios da razoabilidade e eficiência

Nos termos de parecer do Ministério Público Federal (MPF), o magistrado enfatizou que a titulação superior àquela exigida no edital, na mesma área profissional, satisfaz inteiramente o requisito de escolaridade para a posse no cargo público. Para o MPF, essa possibilidade tem relação com os princípios da razoabilidade e da eficiência, já que o concurso é o sistema escolhido pela administração para selecionar o candidato mais capacitado.

Ao propor a tese, Og Fernandes lembrou que, embora a jurisprudência do tribunal já esteja consolidada nesse sentido há bastante tempo, a questão foi afetada para o rito dos repetitivos devido à resistência da administração pública, que acaba gerando múltiplas demandas judiciais.

“Após firmar-se o precedente vinculante em recurso repetitivo, os tribunais locais terão o instrumental para evitar a subida de recursos ao STJ, e o Poder Judiciário deverá considerar como litigância de má-fé a eventual postulação contra precedente vinculante”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado, no caso o REsp 1898186:

PROCESSUAL  CIVIL.  RECURSO  ESPECIAL  SOB  O  RITO  DOS RECURSOS REPETITIVOS.ART. 41 DA LEI N.º 8.666/1993. ART. 53 DA LEI N.º 9.394/1996. ARTS. 5.º, IV, E 10 DA LEI N.º 8.112/1990. ART.  9.º, §  2.º,  DA  LEI  N.º  11.091/2005.  CONCURSO  PÚBLICO. EXIGÊNCIA    DE    TÍTULO    DE    ENSINO    MÉDIO PROFISSIONALIZANTE  OU  COMPLETO  COM  CURSO  TÉCNICO EM  ÁREA  ESPECÍFICA.  CANDIDATA  PORTADORA  DE  DIPLOMA DE  NÍVEL  SUPERIOR  NA  MESMA  ÁREA  PROFISSIONAL. QUALIFICAÇÃO  SUPERIOR  À  EXIGIDA.  POSSIBILIDADE  DE INVESTIDURA NO CARGO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036  E  SEGUINTES  DO  CPC/2015,  C/C  O  ART.  256-N  E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ.

  1. O objeto da presente demanda é definir se candidato aprovado em concurso público pode  assumir  cargo  que,  segundo  o  edital,  exige título  de  Ensino  Médio  profissionalizante  ou  completo  com  curso técnico em área específica, caso não seja portador desse título mas detenha diploma de nível superior na mesma área profissional.

  2. O art. 41 da Lei n.º 8.666/1993; o art. 53 da Lei n.º 9.394/1996; o art. 5.º, IV, e 10 da Lei n.º 8.112/1990; e o art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 11.091/2005 determinam que a investidura em cargo público apenas ocorrerá se o candidato tiver o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo, conforme estiver previsto no edital do certame, além de assegurar  autonomia  às  universidades.  Sobre  isso,  no entanto,  não  há  controvérsia  alguma. A  questão  que  se  coloca apresenta uma nota distintiva, qual seja, saber se atende à exigência do  edital  o  candidato  que  porta  um  diploma  de  nível  superior  na mesma área profissional do título de Ensino Médio profissionalizante ou completo com curso técnico indicado como requisito no certame.

  3. Passo a examinar da situação do REsp n.º 1.898.186/CE,o que tornará mais claro o fato de que a aceitação de titulação superior à exigida pelo edital em área específica não fere a discricionariedade ou conveniência da administração. A impetrante pleiteia o direito de ser empossada no cargo de Técnica de Laboratório – Área Química, após aprovação em concurso público, tendo sido negada sua investidura sob o argumento de que não teria apresentado a habilitação exigida no edital, consistente no certificado de ensino médio profissionalizante na área de Química ou ensino médio completo com curso técnico na área de Química.  Ficou  comprovado  nos  autos  que  a impetrante  é Bacharel, Mestre  e  Doutora em  Química.  Ou  seja,  trata-se  de  uma profissional  altamente  qualificada para  exercer  o  cargo  ora questionado, possuindo, portanto, qualificação bem superior à exigida para o cargo.

  4. Sob um prisma da análise econômica do Direito, e considerando as consequências práticas da  decisão  –  nos  termos  do  art.  20  do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (acrescentado pela Lei nº 13.655/2018, que deu  nova  configuração  à  Lei  de  Introdução  às  Normas  do  Direito Brasileiro – LINDB) –, não se pode deixar de registrar que a aceitação de titulação superior à exigida traz efeitos benéficos para o serviço público e, consequentemente, para a sociedade brasileira. Destaco os seguintes: 1) o leque de candidatos postulantes ao cargo é ampliado, permitindo  uma  seleção  mais  abrangente  e  mais  competitiva  no certame; 2) a própria prestação do serviço público é aperfeiçoada com a investidura de servidores mais qualificados e aptos para o exercício da função pública.

  5. Tal postura se coaduna com a previsão do art. 37 da Constituição Federal, que erige  o  princípio  da  eficiência  dentre  os  vetores  da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

  6. A jurisprudência do STJ tratando do caso concreto é pacífica há bastante tempo. A necessidade de afetar o tema como repetitivo se deve à insistência  da  administração  pública  na  interposição  de recursos trazendo a mesma temática repetidas vezes a esta Corte. Após  firmar-se  o  precedente  vinculante  em  recurso  repetitivo,  os tribunais locais terão o instrumental para evitar a subida de recursos ao STJ, e o Poder Judiciário deverá considerar como litigância de má-fé a eventual postulação contra precedente vinculante.

  7. Não se configura presente a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, tendo  em  vista  que  tal  instituto  visa  a  assegurar  a efetivação  do  princípio  da  segurança  jurídica,  impedindo  que  o jurisdicionado  de  boa-fé  seja  prejudicado  por  seguir  entendimento dominante  que  terminou  sendo  superado  em  momento  posterior,  o que, como se vê claramente, não ocorreu no caso concreto.

  8. Tese jurídica  firmada:  “O  candidato  aprovado  em  concurso público pode assumir cargo que, segundo o edital, exige título de Ensino Médio profissionalizante ou completo com curso técnico em  área  específica,  caso  não  seja  portador  desse  título  mas detenha diploma de nível superior na mesma área profissional.”.

  9. Recurso especial  conhecido  e  improvido,  nos  termos  da fundamentação.

  10. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno deste STJ.

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