Para Primeira Turma, instituição financeira não comprovou que operações contestadas foram efetuadas pelo autor da ação
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) condenou a Caixa Econômica Federal (Caixa) a indenizar em danos materiais e morais um correntista por saques não autorizados em sua conta bancária vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Na ação, o autor, que mora no interior de São Paulo, argumentou que foram realizados saques não reconhecidos em outros estados, sendo um deles no Amazonas.
Em primeira instância, o pedido foi indeferido. Após a decisão, o trabalhador ingressou com recurso no TRF3.
Ao analisar o caso, o relator do processo, desembargador federal Valdeci dos Santos, ponderou que os serviços prestados pelas instituições financeiras estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei n° 8.078/90. Neste sentido, segundo o magistrado, uma vez reconhecida a relação de consumo entre as partes, é cabível a determinação de inversão do ônus da prova, e a Caixa deveria provar que o correntista realizou as operações financeiras.
“Não é possível exigir que o autor faça prova negativa de que não efetuou os saques. Dessa forma, cabia à ré suscitar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, comprovando-os mediante prova suficiente”, afirmou.
O magistrado acrescentou que a autoria dos saques poderia ser demonstrada pela apresentação das gravações das câmeras de segurança instaladas nos caixas onde foram realizadas as operações bancárias.
“A contestação apresentada limita-se a negar a irregularidade das operações financeiras, não estando instruída com qualquer prova de que as transações contestadas foram, de fato, realizadas pelo autor. Os documentos apresentados pela Caixa, unilateralmente produzidos, não demonstram de maneira indubitável a autoria das operações e o destino das importâncias sacadas”, acrescentou.
Assim, a Primeira Turma concluiu que ficou provada relação causal entre os atos ilícitos e o prejuízo do autor e determinou à Caixa o ressarcimento pelos danos materiais sofridos, correspondentes aos valores indevidamente retirados da conta bancária. O colegiado também fixou indenização no valor de R$ 6 mil por dano moral.
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO. CONSUMIDOR. SAQUE EM CONTA VINCULADA AO FGTS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO NÃO COMPROVADA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MATERIAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O artigo 6º, VIII, do CDC arrola, entre os direitos básicos do consumidor, a inversão do ônus da prova, a seu favor no processo civil. Trata o dispositivo em análise de direito processual assegurado aos consumidores que se fará possível quando presentes duas hipóteses, cumpre ressaltar, não cumulativas, a saber: verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor. Hipossuficiente para os fins ora propostos é aquele que, ao menos na teoria, não reúne condições adequadas para litigar em igualdade dentro de uma relação jurídico-processual.
2. Diversos saques foram realizados em estados da federação distintos daquele em que o autor tem domicílio, o que confere verossimilhança à alegação de ocorrência de fraude.
3. Conforme artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços que responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Contudo, pode livrar-se da responsabilidade provando a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
4. A contestação apresentada pela ré limita-se a negar a irregularidade das operações financeiras, não estando instruída com qualquer prova de que as transações contestadas foram, de fato, realizadas pelo autor. Os documentos apresentados pela CEF, unilateralmente produzidos, não demonstram de maneira indubitável a autoria das operações e o destino das importâncias sacadas. A ré ainda teve oportunidade de produzir provas, não se podendo falar em cerceamento de defesa.
5. Restando provada a relação causal entre o ato ilícito e o prejuízo experimentado pela parte, decorre daí o dever de indenizar pelos danos materiais sofridos, correspondentes aos valores indevidamente retirados da conta bancária, de maneira simples. Segundo jurisprudência do E. STJ, a condenação à repetição do indébito pressupõe a existência de má-fé, que, no presente caso, não restou demonstrada.
6. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso V, dispõe que é assegurada a indenização por dano material, moral ou à imagem; sendo certo que, no plano da legislação infraconstitucional, o Código Civil de 2002, dispõe, no seu artigo 186, que aquele, que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito; sendo, pois, francamente admitida a reparação do evento danoso de ordem moral.
7. A parte autora foi atingida em seus direitos da personalidade, tendo isso ocorrido em razão da conduta negligente da CEF, causando sentimentos como intranquilidade e angústia, ante a injusta privação do patrimônio.
8. A indenização pelo dano moral deve ser fixada em quantum que traduza legítima reparação à vítima e justa punição ao ofensor. A quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) mostra-se suficiente para atingir às finalidades da reparação. Precedentes desta E. Primeira Turma: Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 2058413 – 0011140-88.2013.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 26/03/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2019; Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 1049020 – 0000156-16.2003.4.03.6126, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 28/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2017.
9. Apelação a que se dá parcial provimento.
Apelação Cível 5001337-24.2017.4.03.6110