Decisão determinou pagamento de R$ 10 mil por danos morais, custeio de despesas com aluguel e execução de obras de reparação
A Caixa Econômica Federal, a Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) e o Município de São Paulo devem indenizar a proprietária de um imóvel por rachaduras e risco de desabamento. As avarias decorreram da construção de um conjunto habitacional nas proximidades da residência, na Zona Leste da capital paulista. A decisão é da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).
Para os magistrados, a instituição financeira, a empresa pública e a prefeitura deverão arcar com o aluguel ou fornecer local adequado para moradia, custear obras de reparação e estabilização da edificação, além de efetuar o pagamento de R$ 10 mil por danos morais.
De acordo com o processo, a proprietária reside com os filhos em imóvel localizado no bairro Jardim Camargo Novo, em São Paulo. Segundo ela, a construção de um conjunto habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) provocou danos na propriedade.
A autora relatou que, em setembro de 2018, um técnico da prefeitura registrou auto de fiscalização e interdição em virtude de fissuras e perigo de ruir. Na ocasião, o ente público orientou a desocupação do imóvel, sem oferecer alternativa.
Com isso, a proprietária acionou o Judiciário, requerendo a reparação, pagamento dos aluguéis e indenização por dano moral.
Após a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP julgar o pedido procedente, o Município de São Paulo recorreu ao TRF3, sob o argumento de ausência de nexo de causalidade, conduta ilícita e laudo pericial inconclusivo.
Para o relator do processo no TRF3, desembargador federal Nelton dos Santos, documentos demonstraram que a prefeitura cedeu ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) a posse do imóvel localizado nas proximidades da residência da autora, para construção de empreendimento habitacional.
“O Município de São Paulo aparentemente falhou na fiscalização da obra, considerando os danos ocorridos, o que caracteriza possível deficiência na prestação do serviço público”, observou.
Para o relator, o nexo de causalidade ficou comprovado.
“O laudo pericial demonstra a existência de trincas verticais e horizontais que percorrem da cobertura ao piso, exatamente na parede do imóvel que faz divisa com o terreno do empreendimento das rés”, apontou.
Nelton dos Santos acrescentou que ficou comprovada a responsabilidade objetiva, prevista no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
“Caracterizada a existência de dano material e de lesão, que ultrapassa o mero dissabor, demonstrada pela emissão de auto de interdição do imóvel diante do risco de desabamento, correta a fixação da indenização por dano moral no valor de R$ 10 mil, montante para a reparação da ofensa e o desestímulo de condutas lesivas”, concluiu o magistrado.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PAGAMENTO DE ALUGUEL E REPARO DE IMÓVEL. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (FAR). LEGITIMIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.
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Trata-se de apelação do Município de São Paulo em face de sentença que deferiu a tutela de urgência para determinar que a parte ré, composta pelo MUNICIPIO DE SÃO PAULO, pela CIA METROPOLITANA DE HABITACAO DE SAO PAULO COHAB SP, e pela CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF, solidariamente, arquem com o pagamento de aluguel para a autora, ou forneçam local adequado de moradia, e acolheu os pedidos, condenando solidariamente as rés à realização de obras no imóvel, promovendo-se a reparação e estabilização da construção, ou o custeio do valor das obras, além indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
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Preliminarmente, não há que se falar em ilegitimidade passiva do Município de São Paulo, em se tratando de empreendimento habitacional para população de baixa renda, considerando a previsão constitucional e também da Lei nº 10.188/2001, que dispõe sobre o Programa de Arrendamento Residencial para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda. De fato, o art. 1º, § 4º, I dispõe que “os imóveis produzidos com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) poderão ser destinados por cessão, doação, locação, comodato, arrendamento ou venda, em contrato subsidiado ou não, total ou parcialmente, para pessoa física ou jurídica, conforme regulamentação do Ministério das Cidades, sem prejuízo de outros negócios jurídicos compatíveis, com prioridade para: I – União, Estados, Distrito Federal e Município, ou entidades da administração pública indireta desses entes, para destinação a programas habitacionais de interesse social por eles desenvolvidos (…)”. Assim, compete a referidos entes estatais a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais das populações de baixa renda.
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Na espécie, o Contrato Instrumento Particular de Cessão de Posse de Imóvel e de Produção – Empreendimento Habitacional – PMCMV – Recursos FAR – Pagamento Parcelado (Id 251784609, p. 30 e seguintes dos autos originais), detalha os valores de participação na obra relativos ao FAR e ao aporte da Prefeitura do Município de São Paulo (cláusula “B” do contrato), o que evidencia a legitimidade passiva da CEF e da Prefeitura Municipal de São Paulo. Ademais, a cláusula “C” do referido Contrato dispõe que a edificação do empreendimento denominado “Conjunto Habitacional Terreno A” foi aprovada pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
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Conforme expressamente admitido pela Prefeitura, e disposto no Instrumento de Cessão de Posse de Imóvel e da produção de Empreendimento Habitacional e da matrícula do imóvel, uma vez imitido na posse do imóvel, o Município a transferiu ao FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, representado e operado pela Caixa Econômica Federal, com a finalidade de construir um empreendimento habitacional no imóvel próximo ao imóvel da autora. Assim, além de ceder a posse do imóvel, o Município de São Paulo aparentemente falhou na fiscalização da obra, considerando os danos ocorridos no imóvel da parte autora, o que caracteriza possível falha na prestação do serviço público.
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No mérito, não há que se falar em ausência de nexo de causalidade. De fato, o laudo pericial demonstra, entre outras, a existência de trincas verticais e horizontais que percorrem o comprimento inteiro da parede (da cobertura ao piso) exatamente na parede do imóvel que faz divisa com o terreno do empreendimento das rés, com abertura entre o piso e o rodapé, decorrente de abaulamento do piso (Id 275045196, p. 3-8). Embora o perito tenha informado não ser possível determinar com precisão a data da origem das rachaduras incidentes no imóvel da parte apelada, aduziu que “no mínimo, pode-se associar que os danos registrados na presente perícia no imóvel da Autora, em última análise, podem ter sido agravados e/ou decorrentes da obra do empreendimento da(s) Ré(s)” (Id 275045196, p. 16-17). Tampouco cabe a discussão sobre ausência de conduta ilícita, considerando a responsabilidade objetiva da apelante, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
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Caracterizada a existência de dano material e a existência de lesão, que ultrapassa o mero dissabor, demonstrada pela emissão do auto de interdição do imóvel diante do risco de desabamento, correta a fixação da indenização por dano moral no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que traduz montante compatível para a reparação da ofensa e o desestímulo de condutas lesivas por parte do infrator.
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Apelação desprovida.
Apelação Cível 5012200-93.2022.4.03.6100