Apreensão de mercadoria sem guia de autorização deve recair sobre a totalidade da mercadoria transportada e não do quantitativo em excesso

Considerada a gravidade da conduta de transportar mercadoria sem a respectiva guia de autorização, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e à remessa oficial, para determinar a apreensão da totalidade da madeira transportada, e não só o quantitativo divergente entre o volume transportado e aquele autorizado na guia de transporte. A relatoria coube à desembargadora federal Daniele Maranhão.

A sentença atacada concedeu em parte a segurança para determinar à autoridade da autarquia federal “a liberação da madeira apreendida acobertada pela Nota Fiscal apresentada e Guia Florestal outorgada pela autoridade competente”.

Defendeu o Ibama, em sua apelação, a legalidade da apreensão da totalidade da madeira, nos termos do art. 47, §3º do Decreto 6.514/2008 (que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente).

Sustentou a apelante que “a norma é clara a determinar a autuação da totalidade da carga transportada; e, não somente, sobre a diferença entre o lícito e o ilícito”, sob risco de que a norma venha a perder o escopo de proteção ambiental

Em seu voto, a relatora do processo explicou que o entendimento anterior era no sentido de que apenas o excesso da madeira fosse apreendido, nos termos do art. 46 do decreto citado.

Destacou a magistrada que, contudo, o entendimento foi superado (overruling) pela necessidade de dar eficácia à regra expressa do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ressaltou a desembargadora federal que a atual jurisprudência do TRF1, em harmonia ao recente entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é no sentido de que a medida de apreensão deve compreender a totalidade da mercadoria transportada, punindo-se a conduta praticada pelo infrator e não apenas o objeto dela resultante.

Frisou a relatora que, com a premissa de que apenas parte da carga seria aprendida, “o infrator acaba por se sentir incentivado a se utilizar de guias de autorização de transporte florestal parcialmente válidas para encobrir a infração ambiental e iludir a fiscalização do Ibama, num contexto fático de baixo risco para o madeireiro e grande prejuízo às políticas de preservação, dado os efeitos cumulativos da conduta ilícita”.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. TRANSPORTE DE MADEIRA. INOBSERVÂNCIA DOS LIMITES ESPECIFICADOS NA GUIA DE AUTORIZAÇÃO. APREENSÃO DA TOTALIDADE DA MERCADORIA. QUANTUM DA MULTA CONSIDERANDOO VOLUME TOTAL DA CARGA. POSSIBILIDADE. ART. 25 DA LEI 9.60598. ART. 47, §3º, DO DECRETO 6.514/2008. SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR. INTERPRERTAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO AMBIENTAL. MÁXIMA EFICÁCIA. MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL.  SENTENÇA REFORMADA.

1. O Poder Judiciário não pode se desconectar das transformações da realidade fático-social, tampouco desconsiderar os desdobramentos de suas decisões que, inicialmente não previstos, vieram a ser evidenciados em momento subsequente. A chamada força normativa da realidade também deve ser elemento presente na interpretação das normas jurídicas, daí porque o engessamento jurisprudencial pode significar, em dadas circunstâncias, a própria negativa dos fatos sociais.

2. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado possui o status de decisão fundamental do Estado brasileiro, já que, na dicção do art. 225 da Constituição Federal, ele é essencial à qualidade de vida e, por essa razão, intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundantes da República.

3. O reconhecimento da fundamentalidade e indisponibilidade do direito ao meio ambiente equilibrado impõe a obrigação do Estado – e da coletividade – de garanti-lo, não se admitindo, também por isso, a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais regentes da matéria com um sentido e alcance que se mostrem aptos ao seu enfraquecimento ou supressão.

4. As disposições presentes na Lei nº 9.605/98 e em seus atos regulamentares atinentes à apreensão dos produtos objeto de infração administrativa (Decreto 6.514/2008) devem ser interpretadas de modo a se assegurar máxima eficácia às medidas administrativas voltadas à prevenção e à recuperação ambiental, sem que isso implique, necessariamente, em uma autorização expressa à vulneração de outros direitos constitucionalmente assegurados.

5. Superação do entendimento dessa Corte Regional quanto à compreensão de que seria indevida a apreensão da totalidade da carga de produto florestal, se parte dela estivesse acobertada pela respectiva guia, então fundada na ausência de previsão legal expressa nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sob a ótica do valor econômico do bem e do quantitativo em excesso.

6. Necessidade de harmonização da jurisprudência deste Tribunal ao recente entendimento firmado pelo STJ sobre a matéria, no sentido de que, “a gravidade da conduta de quem transporta madeira em descompasso com a respectiva guia de autorização não se calcula com base no referido quantitativo em excesso. Sobredita infração compromete a eficácia de todo o sistema de proteção ambiental (…). Logo, a medida de apreensão deve compreender a totalidade da mercadoria transportada, apenando-se a conduta praticada pelo infrator e não apenas o objeto dela resultante.” (REsp 1784755/MT, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 17/09/2019, DJe 01/10/2019)

7. Hipótese em que a empresa impetrante foi autuada por transportar e comercializar 37,6 m³ de madeira serrada de vegetação nativa de essências variadas em desacordo com a Guia de Transporte 384220, sendo que desse total havia autorização para apenas 27 m³, configurando um excedente de 10,6 m³. Disparidade que evidencia a utilização do documento de origem florestal para camuflar a irregularidade cometida.

8. Apelação e remessa necessária a que se dá provimento.

9. Não cabimento de honorários advocatícios na espécie, nos termos do art. 25 da Lei 12.016/09.

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo 1001310-77.2019.4.01.3303

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