Após privatização, companhia de energia terá de pagar taxa de ocupação de imóvel à União

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que negou pedido da Companhia Energética de Pernambuco (atual Neoenergia Pernambuco) para que a União se abstivesse de cobrar da empresa taxa de ocupação de terreno de marinha onde está instalada uma subestação de energia elétrica.

Para o colegiado, ainda que a empresa seja concessionária de serviço público federal, ela passou a ser integralmente privada e a executar as atividades com finalidades lucrativas, razão pela qual, nos termos do artigo 18, parágrafo 5º, da Lei 9.636/1998, a cessão de uso do imóvel deve ser onerosa.

De acordo com o TRF5, com a privatização, a Neoenergia perdeu a sua natureza estatal e, como não detinha mais recursos públicos em seu capital social, não havia mais justificativa para a utilização gratuita do terreno de marinha, localizado em Recife.

No recurso especial, a Neoenergia alegou que, além de ser concessionária de serviço público federal, o imóvel era utilizado estritamente para as finalidades da própria concessão do serviço de fornecimento de energia elétrica, o que garantiria a ela o direito da cessão gratuita.

Cessão a empreendimento com finalidade lucrativa deve ser onerosa

Relatora do recurso, a ministra Assusete Magalhães explicou que, à época do acórdão do TRF5, o artigo 18 da Lei 9.636/1998 previa que, a critério do Poder Executivo, poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, imóveis da União a pessoas físicas ou jurídicas, no caso de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional.

Já segundo o parágrafo 5º do mesmo artigo, apontou a ministra, a cessão, quando destinada exclusivamente à execução de empreendimento de finalidade lucrativa, será onerosa.

“Desta forma, ainda que concessionária de serviço público federal, a parte recorrente é pessoa jurídica que – como esclareceu o acórdão recorrido – ‘passou a ser integralmente privada e executa atividade com fim lucrativo’, motivo pelo qual, nos termos do artigo 18, parágrafo 5º, da Lei 9.636/98, a cessão de uso do imóvel em questão deve ser onerosa”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CESSÃO DE USO DE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC⁄73. INEXISTÊNCIA. INCONFORMISMO. ARTS. 7º DO DECRETO-LEI 271⁄67, 1º DO DECRETO-LEI 178⁄67 E 64 E 125 DO DECRETO-LEI 9.760⁄46. NORMAS DE CARÁTER GENÉRICO. SÚMULA 284⁄STF. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL, INTERPOSTO COM FUNDAMENTO NO ART. 105, III, C, DA CF⁄88, DO DISPOSITIVO LEGAL QUE, EM TESE, TERIA RECEBIDO INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284⁄STF, APLICADA POR ANALOGIA. PESSOA JURÍDICA QUE DESEMPENHA ATIVIDADES COM FINS LUCRATIVOS. UTILIZAÇÃO GRATUITA DO BEM. IMPOSSIBILIDADE. ART. 18, § 5º, DA LEI 9.636⁄98. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC⁄73.
II. No acórdão objeto do Recurso Especial, o Tribunal de origem manteve sentença que julgara improcedente o pedido, em ação ajuizada pela recorrente, concessionária de energia elétrica, na qual requer “seja preservado o contrato de cessão gratuita do terreno onde se encontra implantada a Subestação de Energia Elétrica da Boa Vista (…) desconstituída a exigência da ‘taxa de ocupação’ ora demandada, com eficácia retroativa para alcançar o início da cobrança (exercício de 2000), atual ( exercícios de 2004 e 2005, em cobrança) e prospectiva, em relação a quaisquer exercícios futuros, enquanto persistir o pacto contratual”, com a condenação da ré a restituir, à autora, os valores pagos a título de taxa de ocupação dos exercícios de 2000 a 2003, com os acréscimos de juros e correção monetária.
III. O Tribunal de origem manteve a sentença de improcedência do feito, ao fundamento de que, “embora celebrado o contrato sob os auspícios do Decreto-Lei nº 178⁄67, a cessão de bens imóveis da União está, atualmente, regulada pela Lei nº 9.636⁄98, cujo art. 5º preceitua que, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, deve ser onerosa a cessão. (…) a embargada, à época da avença, integrava a administração pública indireta do Estado de Pernambuco, condição jurídica relevante para que a cessão do imóvel, na época do contrato (1983), fosse ajustado sob o manto da gratuidade. Com a privatização, perdeu a embargada sua índole estatal, passando a ostentar natureza eminentemente privada (…). Se a cessionária não detém qualquer participação estatal em seu capital social, imperiosa se mostra a utilização onerosa do bem, o qual, encravado em terreno de marinha, reclama o pagamento da taxa de ocupação em favor do cedente. O fato de a empresa, depois de adquirida por grupo privado estrangeiro, continuar a explorar serviço público de energia elétrica em nada interfere na perda da gratuidade da cessão, haja vista a mudança verificada no seu quadro social. A tese da finalidade pública do serviço explorado também não subsiste, pois, acaso fosse mantido o beneficio, alcançaria a embargada, frente às demais pessoas jurídicas de índole privada, indevido privilégio, em flagrante afronta à isonomia.
IV. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC⁄73, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do aresto proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.
V. Segundo entendimento desta Corte, “não há violação do art. 535, II, do CPC⁄73 quando a Corte de origem utiliza-se de fundamentação suficiente para dirimir o litígio, ainda que não tenha feito expressa menção a todos os dispositivos legais suscitados pelas partes” (STJ, REsp 1.512.361⁄BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 22⁄09⁄2017), tal como ocorreu, no caso.
VI. Os arts. 7º do Decreto-lei 271⁄67, 1º do Decreto-lei 178⁄67 e 64 e 125 do Decreto-lei 9.760⁄46, por serem genéricos, não possuem comando normativo capaz de infirmar as conclusões do acórdão recorrido. Desta forma, é o caso de incidência do óbice previsto na Súmula 284⁄STF. Nesse sentido: STJ, EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 614.390⁄SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 07⁄06⁄2016; AgRg no REsp 1.371.969⁄PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 16⁄12⁄2014; AgRg no REsp 1.421.283⁄RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 20⁄06⁄2014; AgRg no REsp 1.321.920⁄PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 13⁄08⁄2013.
VII. Quanto ao dissídio jurisprudencial suscitado, a falta de particularização, no Recurso Especial, dos dispositivos de lei federal que teriam sido objeto de interpretação divergente, pelo acórdão recorrido, consubstancia deficiência bastante a inviabilizar o conhecimento do apelo especial, atraindo, na espécie, a incidência da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”). Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.346.588⁄DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, DJe de 17⁄03⁄2014; AgInt no AREsp 1.656.469⁄SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe de 26⁄10⁄2020; AgInt no AREsp 1.664.525⁄RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 14⁄12⁄2020; AgInt no AREsp 1.632.513⁄RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20⁄10⁄2020.
VIII. Na forma da jurisprudência, “o deferimento de pedido administrativo de cessão de imóvel depende do juízo discricionário, nos termos do artigo 18, da Lei 9636⁄98” (STJ, REsp 617.444⁄PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJU de 20⁄03⁄2006).
IX. O art. 18, § 5º, da Lei 9.636⁄98 é expresso ao prever que “a cessão, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, será onerosa”, e, sempre que possível, “deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei”. No caso, ainda que concessionária de serviço público federal, a parte recorrente é pessoa jurídica que – tal como registrou o acórdão recorrido – “passou a ser integralmente privada e executa atividade com fim lucrativo”, motivo pelo qual, nos termos do art. 18, § 5º, da Lei 9.636⁄98, a cessão de uso do imóvel em questão deve ser onerosa, tal como decidido pelo Tribunal de origem.
X. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa extensão, improvido.
 

Leia o acórdão no REsp 1.368.128.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1368128

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